Última casa da Av. Beira-Mar em Fortaleza é vendida e terreno terá condomínio residencial de luxo
Habitado pelos atuais residentes desde 1963, o imóvel foi negociado, mas não há data divulgada da demolição. A residência remanesce em meio a edifícios na área cobiçada pelas construtoras.
Avenida Beira Mar, 4558, Fortaleza. Endereço da última casa a resistir, “espremida” entre edifícios, comércios e restaurantes, na via cartão-postal da cidade. Não se sabe ao certo até quando ficará de pé. Certeza mesmo só a de que o imóvel, o qual no decorrer das últimas décadas contabilizou inúmeras tentativas de compra por parte de distintas construtoras, foi vendido a uma delas em 2021.
Adquirida, junto a outros três prédios vizinhos, a área dará lugar a um condomínio residencial de luxo. Habitada pelos atuais residentes (e antigos donos) desde 1963, a última casa da Beira-Mar está prestes a desaparecer.
Veja também
“Não foram poucas as investidas”, conta uma das ex-proprietárias do imóvel, situado no Mucuripe, professora aposentada, Mary Luce Miranda de Freitas, de 75 anos. Na última delas, a família aceitou. Procurada em 2020 pela construtora, optou por negociar o imóvel e a venda se concretizou há cerca de um ano, relata ela.
A casa de fachada de cerâmica rosa e verde é duplex e fica de frente para o mar, próxima à Igreja de São Pedro dos Pescadores e ao Mercado dos Peixes. A localização exata é entre uma imobiliária e um restaurante desativado (Restaurante Hong Kong) - este também vendido na negociação.
Junto a dois hotéis (Vela e Mar e Samburá), já desativados, a casa e o restaurante estão cercados. Três dos imóveis, por tapumes de metal que levam os nomes das empresas responsáveis pelo novo empreendimento. Já a casa tem a frente envolvida por um gradil.
História e negociação
Mary ainda reside no imóvel com uma irmã, mas diz que “não sabe até quando”. Segundo ela, as negociações foram fechadas em 2021. Mas, a construtora ainda não comunicou a data em que irá demolir o imóvel. Até lá, elas permanecem habitando o local.
Uma área/garagem, uma sala ampla, uma sala de jantar, um banheiro, uma cozinha e um quintal, formam o térreo do imóvel. Já na parte superior há três quartos, banheiros, uma sala e uma varanda. A estrutura, afirma Mary, é praticamente a original. Nenhuma mudança significativa foi feita na arquitetura da edificação.
De lá, a vista privilegiada encontra as jangadas de pescadores e pequenas barracas de venda de peixe na Beira-Mar. Cenário que a aposentada e a família, viram “se transformar”.
De acordo com ela, desde 1963 eles moram na casa, quando a matriarca Neusa Miranda de Freitas e o patriarca Luiz Gonzaga mudaram-se para a residência. O imóvel foi herdado dos avós de Mary e os pais da aposentada criaram 6 filhos, dos quais 5 permanecem vivos. Deles, Mary e uma irmã continuam no imóvel.
No decorrer dos anos, na ausência de vizinhos na via - devido ao movimento de venda das casas para construção de novos empreendimentos - garçons, pescadores e vendedores viraram colegas de convivência.
Com a morte da mãe, há cerca de 7 anos, Mary relata que a possibilidade de vender a casa ganhou força. “A minha mãe dizia, eu só saio daqui se for para o cemitério”, relembra ela. “Aqui, a praia era só dos pescadores. A gente aprendeu a nadar nessa praia”, conta.
Um misto de necessidade prática, devido aos custos financeiros para manter um imóvel tão grande e antigo em área tão nobre, com a tristeza por ter que “abrir mão” de um patrimônio precioso e de tantas memórias.
Nos aspectos econômicos, exemplifica ela, uma das dificuldades era o pagamento do IPTU. Só de imposto a família pagava mais de 20 mil reais por ano à Prefeitura. Um custo dividido em prestações. “Fora o domínio da União, que é uma taxa bem parecida”, completa Mary.
Mary não revelou por quanto o imóvel foi vendido. Na negociação, diz ela, não foi feita nenhuma proposta de compra de alguma das unidades de luxo a serem edificadas. “Os apartamentos são para milionários. Não pra gente de classe média mais baixa. Pra gente não interessa”, completa.
A ideia da família é que quando a saída do imóvel for solicitada pela construtora, ela e a irmã passem a morar em algum apartamento na própria Beira-Mar, próximo a atual residência.
Área cobiçada
Na Beira-Mar a oferta de terrenos é praticamente inexistente, logo, para as construtoras, a compra de imóveis antigos é um dos mecanismos acionados para tentar edificar novos empreendimentos na área.
Em dezembro de 2021, o Diário do Nordeste já havia noticiado a venda dos hotéis Vela e Mar e Samburá, localizados lado a lado, respectivamente, nos números 4520 e 4530 da Av. Beira-Mar.
Na época, foi informado que a Diagonal Engenharia comprou os imóveis para erguer no local um condomínio residencial de luxo chamado de Pininfarina, em referência ao estúdio de design italiano Pininfarina, que é famoso pelo desenho de modelos clássicos de marcas automotivas.
As informações davam conta da construção de um edifício de alto padrão, com 170 metros de altura, no terreno com 2,6 mil m² e 60 metros de frente. No site da Diagonal há informação de que o “Diagonal by Pininfarina” será lançado “em breve”.
A Diagonal foi procurada, esta semana, pelo Diário do Nordeste na tentativa de confirmar a aquisição e detalhar o processo, bem como fornecer informações sobre o novo empreendimento. Mas, até a publicação desta matéria, não deu resposta.
Nos últimos 5 anos, na Av. Beira-Mar, segundo a Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) foi emitido um alvará de construção para edifício. Na área em que a casa está situada no Mucuripe, a altura máxima do gabarito das edificações é de 72 metros.
Na Beira-Mar, também conforme a Seuma, foram registrados e aprovados três processos de Outorga Onerosa de Alteração de Uso do Solo. Isso quer dizer que foram emitidas concessões pelo poder público para que o proprietário desses imóveis possam construir acima do coeficiente básico estabelecido mediante o pagamento de uma contrapartida financeira à Prefeitura. Esse é um instrumento legal que pode ser utilizado na Capital.
Dos três processos aprovados na Comissão Permanente de Avaliação do Plano Diretor (CPPD), segundo a Seuma, um deles ainda não teve termo de compromisso celebrado. Em cada caso é estabelecido um valor a ser depositado no Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano (Fundurb) e investidos, pela Prefeitura, em melhorias sociais e urbanas.