Por que as casas abandonadas nos fascinam há tempos

Há cerca de 30 anos, no bairro Ellery, periferia na zona oeste de Fortaleza, uma casa abandonada protagonizava as histórias de terror entre as crianças da rua

Legenda: Praticamente todo mundo já teve seus devaneios acerca de uma casa abandonada e todas as fantasias que cercam seus muros, arredores, vizinhos. Seus vazios.
Foto: pexels

Há tempos, as casas abandonadas nos inquietam, nos fascinam, fazem-se vivas nas nossas ruas e em nosso imaginário. São palcos e cenários de narrativas que misturam realidade e ficção e despertam em muitos de nós um desejo uníssono: saber quais histórias contam ou são contadas sobre e entre seus muros, janelas, árvores, cerâmicas, e por entre as luzes do dia e da noite que refletem ou perdem-se entre suas fachadas sempre tão expressivas. 

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Praticamente todo mundo já teve seus devaneios acerca de uma casa abandonada e todas as fantasias que cercam seus muros, arredores, vizinhos. Seus vazios. Antes da moradia da “Mulher da Casa Abandonada”, de Chico Felitti, outras tantas casas mundo afora já tiraram o sossego de muita gente, que cata entre realidades e delírios as muitas versões sobre que lugares são esses, os quais, embora desabitados, tanto têm de vida.    

Talvez o que queremos. para além de saber o que acontece entre as ruínas de uma casa abandonada, é também ser protagonistas das lendas que elas escondem entre belezas e restos em esquecimento; desejamos ainda reconhecer nossas raízes, as histórias que se fizeram antes de nós e que, de alguma forma, refletem em qualquer ponto do nosso existir; almejamos até experimentar em concretude as nossas próprias fantasias, habitar e nos reconhecermos entre os nossos imaginários. 

Sobre isso e tanto mais, há muitas histórias. Uma delas também é minha, e ao mesmo tempo em que posta-se feito memória singular de mim, pulsa como memória coletiva sobre a cidade viva. Há cerca de 30 anos, no bairro Ellery, periferia na zona oeste de Fortaleza, uma casa abandonada protagonizava as histórias de terror entre as crianças da rua. 

Lá - acreditávamos - uma blusa vagava sozinha flutuando pelos cômodos, uma nuvem, várias vezes ao dia, fazia chover apenas sobre a residência de 2 andares, de jardim marcante, pé de dinheiro perdido entre as pedras e um espaço enorme para quem tinha pouco mais de 5 ou 6 anos. Portas e janelas quebradas, mato crescido. Cenário perfeito para a fantasia das melhores lendas de terror da criançada. 

A casa abandonada do bairro Ellery foi por tempos temida, motivo de choro - mas também de riso - entre corridas pelas nossas calçadas. Espaço de travessuras infantis. Por coincidência, destino, leis do Universo ou tanto mais, acabei indo morar na casa abandonada, com minha mãe e 3 irmãos. Ficamos, por tempos, conhecidos como “os meninos da casa abandonada”. Mas, com o passar do tempo, invertemos a lógica, e criamos novas lendas de vida.  

Casa abandonada sempre geram cusiosidade
Legenda: Por coincidência, destino, leis do Universo ou tanto mais, acabei indo morar na casa abandonada, com minha mãe e 3 irmãos. Ficamos, por tempos, conhecidos como “os meninos da casa abandonada”. Mas, com o passar do tempo, invertemos a lógica, e criamos novas lendas de vida.
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Porque a casa abandonada foi alugada por minha mãe. Reformada. E, então, habitada. Transformamos - com gargalhadas, brinquedos, amigos e amores - o abandono da casa em resistência. Abrigo, de corpos, crenças, corações e almas. Lugar de renascimento. Virou um lar, cenário de encontros, de cochilo depois do almoço, cabana com os lençóis da cama e tijolinhos de madeira para erguer castelo de bonecas. Pula-pirata, soldadinhos e caixa de música a tilintar de frente pra chuva da janela. 

Na casa habitada, aprendi que eu gosto de tomate, virei a melhor amiga de um primo-anjo-de-céu e depois de fraturar a clavícula entendi que nem sempre a gente alcança o interruptor, mas há outros jeitos de se fazer luz. Aprendi a ter coragem e que as paredes falam, e também nos ouvem. Nos guardam, protegem, e podem ser imensas telas de arte. Que janelas abertas são refúgios. E que paredes são a pele da nossa história, e desvendar os mistérios entre muros e mundos nos mantém vivos. E nesse caminho inteiro abrem-se portas porque bate-coração.