Casas abandonadas? Conheça a história de imóveis antigos que estão fechados em Fortaleza

Estruturas sem uso e cuidados podem contribuir não só para problemas ecológicos e de segurança, mas também para o apagamento da memória da cidade

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@svm.com.br
Legenda: Bangalô de Aristides Capibaribe, na Avenida Filomeno Gomes.
Foto: Fabiane de Paula

Antigos casarões espalhados por bairros de Fortaleza provocam sensações opostas em quem os observa: primeiro, o fascínio pelos detalhes arquitetônicos que nos transportam para outra época. Depois, o lamento por se perceber a falta de cuidados e manutenção que os deixam à mercê do tempo.

Como são propriedades particulares, a conservação cabe aos donos. Conforme o Código da Cidade de Fortaleza (Lei complementar Nº 0270/2019), é dever dessas pessoas

“conservar as edificações, obras e equipamentos em condições de utilização e funcionamento, bem como obras que estejam paralisadas e edificações fechadas ou abandonadas, independentemente do motivo que gerou a não utilização”.

De acordo com Apolo Scherer Filho, advogado especialista em Direito Imobiliário e corretor de imóveis, o Código Civil brasileiro prevê a função social da propriedade, logo ele precisa ser utilizado sob pena de resultar em problemas ecológicos, estéticos ou de insegurança. 

No entanto, para um imóvel ser considerado abandonado, é preciso que dois fatores sejam cumpridos: a cessão dos atos da posse, ou seja, “se não vai mais ninguém no imóvel”, e a inadimplência do pagamento dos tributos. Segundo ele, a legislação não define um prazo para a verificação do abandono.

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Em Fortaleza, algumas dessas edificações antigas também são tombadas pelo Município. Assim, Apolo garante que há abatimentos desses imóveis em relação ao Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).

“Existe um desconto de 30%. Essa redução pode ser somada ao desconto do pagamento antecipado e, além disso, alguns imóveis no Centro têm desconto de 50%. Assim, o desconto no imposto pode chegar a 90%”, descreve.

História ameaçada

Jacqueline Holanda, professora no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Fortaleza, elenca uma série de características arquitetônicas que podem ser verificadas nessas casas, como os materiais, técnicas e interações com o ambiente utilizados à época da construção.

Essas configurações mudaram com o tempo. A reflexão sobre esses detalhes já nos permite perceber como essas construções se constituem verdadeiros documentos históricos de enorme relevância. São testemunho, não só dos princípios técnicos, mas das características sociais do período, são retratos essenciais de uma época, sem os quais essa história estaria incompleta.
Jacqueline Holanda
Professora da Unifor

Para a especialista, a perda desses locais pode representar não só a eliminação das poucas influências ecléticas restantes de art nouveau, art déco, entre outras, “como seria a confirmação de descaso e desvalorização de nossa própria identidade como povo, de nossa própria cultura”.

Por isso, ela ressalta que o atraso nos processos de tombamento definitivo de edificações pode ser bastante prejudicial, pois as decisões relativas à manutenção ficam pendentes. Além disso, após o tombamento, as ações de conservação e restauro ficam restritas a profissionais qualificados e ao uso de materiais e técnicas que respeitem sua integridade.

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Confira, a seguir, casarões históricos da Capital cearense que não são mais utilizados como habitação:

Casa do Português, no Damas

Legenda: Casa do Português, prestes a completar 70 anos, tem estrutura danificada e pichada.
Foto: Fabiane de Paula

Tombada provisoriamente desde 2006 pela Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor), ela está protegida contra intervenções em sua estrutura original, inaugurada em 1953. Hoje, o imóvel apresenta sinais claros de deterioramento, com rachaduras, ferrugem e pintura desgastada.

Imponente prédio na Avenida João Pessoa, no bairro Damas, a Casa do Português foi encomendada pelo comerciante lusitano José Maria Cardoso, dono de uma madeireira. Ele a batizou com seu nome e o de um santo: Vila Santo Antônio de José Maria Cardoso. 

Os três andares da casa foram construídos em concreto armado. Duas rampas laterais davam aos automóveis acesso ao último andar. De tão grande, o dono alugou o terceiro e o quarto andares, onde funcionou a Boate Portuguesa de 1962 a 1968.

Legenda: Detalhe da entrada da Casa do Português, no bairro Damas.
Foto: Fabiane de Paula

O prédio também foi sede da Associação Nordestina de Crédito e Assistência Rural (Ancar) e da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará (Ematerce), de 1965 a 1984, além de oficina, lanchonete, estacionamento e cortiço.

A casa foi vendida pelos herdeiros do português em 1985 e já teve vários proprietários ao longo das décadas. Atualmente, um vigilante faz a guarda do local, mas não há moradores.

Bangalô de Aristides Capibaribe, na Jacarecanga

Legenda: Fechado completamente há quatro anos, casa tem estrutura em ruínas.
Foto: Fabiane de Paula

O bangalô de Aristides Capibaribe, presidente da Federação Cearense de Futebol em 1932, se desfaz aos poucos no bairro Jacarecanga. Em 2018, o casarão da esquina da Avenida Filomeno Gomes com a Rua São Paulo começou a ter janelas e portas vedadas com tijolos. Hoje, mesmo tombado provisoriamente desde 2007, está em decadência.

Em estilo eclético, primeiramente, ele foi chamado de Palacete Oscar Pedreira (1896-1977), empresário fortalezense que implantou a primeira linha de ônibus da Capital, na década de 1920: a Linha da Jacarecanga, seguida pela do Carlito Pamplona.

O prédio se encontra murado; as janelas estão quebradas, e as paredes cheias de pichações. O terreno frontal está repleto de mato. Apesar do abandono aparente, enquanto a reportagem esteve no local, uma caseira informou que toma conta do lugar.

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Casa de esquina na Jacarecanga 

Legenda: Prédio na Jacarecanga faz parte de um dos primeiros condomínios residenciais de Fortaleza.
Foto: Fabiane de Paula

Um prédio de esquina na Rua Guilherme Rocha com Rua Oto de Alencar, na Praça do Liceu, também na Jacarecanga, é outra antiga residência que atualmente não está ocupada, mas faz parte dos tempos áureos da cidade.

Trata-se de parte de um dos primeiros condomínios residenciais de Fortaleza, planejado pelo arquiteto húngaro Emílio Hinko, responsável pela criação de importantes marcos arquitetônicos da Capital.

O comerciante Fabiano da Silveira era dono do andar inferior do prédio, mas o vendeu. Ele recorda que, como uma laje da edificação caiu em novembro de 2021, o imóvel foi interditado pela Defesa Civil de Fortaleza. Até o momento, permanece fechado.

Legenda: Edificação está com as entradas vedadas por placas de metal.
Foto: Fabiane de Paula

Placas de metal impedem o acesso ao duplex, mas Fabiano afirma que algumas pessoas em situação de rua chegam a pular e invadir o local, gerando insegurança na região.

Casa de Thomaz Pompeu, no Centro

Legenda: Casarão de Thomaz Pompeu chama atenção pela imponência na Avenida Imperador.
Foto: Fabiane de Paula

Um pedaço do passado incrustado no meio do Centro de Fortaleza: essa é a casa de Thomaz Pompeu de Souza Brasil Filho, resistente à Avenida do Imperador, ostentando dois pavimentos e porão alto habitável.

Foi construída por volta de 1916, pelo médico e industrial Thomaz Pompeu de Souza Brasil Filho (1852-1929), ao lado da pioneira Fábrica de Fiação e Tecidos Cearenses, fundada em 1883 por seu pai, Thomaz Pompeu de Souza Brasil (1818-1877).

O estilo eclético de inspiração europeia reproduz uma nova forma de ocupação do lote das casas da mesma época, tendo como características a presença do jardim frontal e o afastamento do edifício das divisas laterais.

Legenda: Casarão foi construído há mais de 100 anos e restaurado em 2005.
Foto: Fabiane de Paula

“A casa reflete o sentimento então dominante nas elites de Fortaleza quanto à novidade arquitetônica aliada às aspirações de progresso e civilização, cujo parâmetro era a Europa”, explica uma placa interna do prédio.

A edificação foi restaurada em 2005. Atualmente, ela também possui caseiro e vigilante, e, segundo eles, recebe manutenção frequente pelos donos.

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