Pelo menos 4 prédios tombados provisoriamente foram destruídos em Fortaleza nos últimos 3 anos

Na espera por proteção definitiva, bens são demolidos ou sofrem avarias que afetam a estrutura. Secultfor indica que está produzindo uma lista de prioridades

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@svm.com.br
bens tombados fortaleza
Legenda: O Casarão dos Fabricantes, no Centro, estava tombado provisoriamente e sofreu um incêndio em 2020
Foto: Fabiane de Paula

A lista com 53 bens tombados provisoriamente pelo município de Fortaleza, aos poucos, é reduzida. Mas, diferentemente da expectativa, a diminuição não acontece porque as edificações deixam o status de proteção provisória e passam a definitiva. Pelo contrário, ainda na espera, são destruídas.

Assim como ocorreu com o Casarão dos Gondim, prédio histórico no Centro, de 2019 para cá, ao menos outras três edificações tombadas provisoriamente foram demolidas ou sofreram grandes avarias comprometendo a estrutura.  
 
Um levantamento feito pelo Diário do Nordeste indica que, além do Casarão dos Gondim, derrubado em julho deste ano, na lista de bens com tombamento provisório, mas cuja estrutura já não existe ou teve parte considerável destruída, há:  

  • Uma casa antiga que ficava na Rua Franklin Távora, no Centro; cujo processo de tombamento era de 2010 e que teve a estrutura completamente destruída entre 2019 e 2020; 
  • O Condomínio Residencial Iracema, tombado provisoriamente em 2015 e demolido em 2021 sob a alegativa que sem a emissão de um novo registro de tombo definitivo, a derrubada era regular; 
  • O Casarão dos Fabricantes, no Centro, que sofreu um incêndio em setembro de 2020 ficando completamente comprometido.  
     

O tombamento é uma modalidade de proteção que tenta, dentre outros, evitar a demolição e a descaracterização daquilo que é considerado um bem de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também afetivo para a população. 

Antes do tombamento definitivo, a gestão pública pode conceder o tombamento provisório.

Conforme a promotora de Justiça e secretária-executiva das Promotorias do Meio Ambiente e Planejamento Urbano de Fortaleza do Ministério Público Estadual (MPCE),  Ann Celly Sampaio, esse procedimento é uma espécie de "medida cautelar”. Uma precaução geralmente tomada diante de ameaças de destruição. 

Demora nas definições

Atualmente, Fortaleza tem 64 bens tombados. Sendo 7 na esfera federal, 25 pelo Governo Estadual e 32 pela Prefeitura. Uma lista de outros 53 protegidos provisoriamente (dos quais 4 foram mencionados) aguarda uma decisão do município sobre a proteção permanente. 

Esse processo é tão demorado que, na Capital, o último tombamento definitivo na esfera municipal ocorreu há seis anos, em julho de 2015, segundo a Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor). Foi o tombamento do Colégio Marista Cearense, no Centro. Na fila de espera, o Casarão dos Gondim desde 2011 aguardava a proteção definitiva. 

Para o bem ser tombado, o processo passa pelo Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Histórico-Cultural (Comphic) que avalia a relevância histórica e social da edificação em questão.

A coordenadora do Grupo de Trabalho de Patrimônio do Instituto de Arquitetos do Brasil no Ceará (IAB-CE), Júlia Jereissati, explica que também é emitido um parecer técnico vinculado a uma instrução, que delimita o que pode ou não ser feito, inclusive no entorno do bem. 

“Muitos dos problemas enfrentados são relativos a essa instrução, que quando não bem elaboradas, tendem a atrasar o processo de tombamento, precisando de um parecer mais técnico e até social no documento a ser aprovado”.
Júlia Jereissati
Coordenadora do Grupo de Trabalho de Patrimônio do Instituto de Arquitetos do Brasil no Ceará (IAB-CE)

Na avaliação de Júlia, essa situação de bens que constam na lista de tombamentos provisórios são destruídos, além da morosidade, reflete “uma sociedade que não tem interesse em preservar seu passado como forma de crescimento no futuro. Estamos em constante evolução arquitetônica, mas essa evolução parece não contemplar o que um dia já foi nossa história”. 

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A representante do IAB destaca que quando o tombamento provisório é aprovado, o bem já está protegido por lei, “mesmo que levem anos para se tornar definitivo. Então, não poderia ser destruído. Se o for, é crime com penalidade prevista em lei”. Contudo, detalha, pode ocorrer a prescrição de um tombamento provisório por determinado tempo que ele passe a espera da consolidação como definitivo”. 

Para que isso não aconteça, afirma ela, “o Conselho tem que atuar para que não haja arquivamento de processos relevantes que estão à espera”. A promotora de Justiça, Ann Celly Sampaio, reitera “o tombamento provisório possui os mesmos efeitos do tombamento definitivo. E o bem não pode sob qualquer circunstância ser destruído”.

Em Fortaleza, na Lei Municipal 9.347/2008 que rege os processos de proteção do patrimônio histórico-cultural e natural não há um prazo para Secultfor avaliar e apresentar um parecer quanto às solicitações de tombamento.

Contudo, a norma determina que, após recebida a solicitação de tombamento, os estudos técnicos para elaboração da Instrução de Tombamento devem ser executados em seis meses

Mas, um dos gargalos, pondera a promotora, é que o descumprimento desses prazos, na prática, acabam não tendo consequências. Diante da lentidão e da amplificação do problema, a promotora indica que o MPCE tem feito um diagnóstico dos prédios tombados provisoriamente e tem aberto procedimentos para que a gestão municipal prossiga a conversão em proteção definitiva. 

Um dos obstáculos mais relatados pela gestão pública, conforme a promotora, é a ausência de verbas para essa finalidade.

“Estamos tentando agir preventivamente e esperamos que haja o reconhecimento da sociedade, do poder público. É preciso cooperação de todos para evitar essa destruição”.
Ann Celly Sampaio
Promotora de Justiça

Na avaliação de Ann Celly, a legislação sobre patrimônio é moderna e os gargalos estão, de fato, no cumprimento da mesma e não em sua formulação. 

Produção de lista de prioridades

Questionado sobre a demora nos processos de tombamento na Capital, o coordenador do Patrimônio Histórico Cultural da Secultfor, Diego Zaranza, respondeu por email, que a secretaria atualmente está em processo de finalização da Metodologia de Avaliação do Patrimônio Cultural de Fortaleza, que visa estabelecer uma lista de prioridades de bens a terem os estudos técnicos desenvolvidos, bem como auxiliar a análise técnica de pedidos de acautelamento do patrimônio cultural municipal. 

Em paralelo, garante ele, tem executado o Projeto de Regularização do Patrimônio Cultural de Fortaleza que, dentre outras ações, tem como propósito “a construção de nova legislação para o Patrimônio Cultural de Fortaleza, para ser levada para análise da Câmara após finalização do serviço”.

A Secultfor também foi informada sobre o levantamento do Diário do Nordeste referente aos bens que mesmo tombados provisoriamente sofreram algum dano, e foi indagada se há um acompanhamento da situação.

Diego Zaranza reforça que uma das condicionantes do tombamento é “ainda haver materialidade a ser preservada”. E, reitera que o tombamento provisório se equipara ao definitivo no sentido de garantia de proteção, portanto, a demolição não é permitida.  Ele acrescenta que a Secultfor “realiza visitas aos bens tombados e tece laudos de vistoria acerca de cada edificação”. 

Ações de incentivo

A arquiteta e professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Fortaleza (Unifor), Jacqueline Holanda, avalia que os entraves para a consolidação do tombamento são diversos. "Infelizmente, a questão econômica associada a essa problemática é um desses gargalos, talvez o mais estreito, pois muitas vezes o que não é percebido pela dinâmica econômica, pelo mercado, como fonte de renda, é esquecido, não é prioritário".

“Para muitos, o tombamento representa a alienação, ou seja, que o bem passa a ser posse pública automaticamente. Não é verdade, o proprietário original permanece. Diante da possibilidade de venda, o governo tem preferência garantida por lei, mas obviamente não há recurso público para se adquirir todos os bens tombados". 
Jacqueline Holanda
Arquiteta e professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Fortaleza (Unifor),

Jacqueline explica que, diante de uma cultura de rejeição ao tombamento, há algumas estratégias a serem empregadas, como "o incentivo fiscal pode ser um fator atrativo para o investimento privado, por exemplo. Essas ações podem ser ampliadas também com facilitação de crédito para os proprietários conservarem e empreenderem, se beneficiando com a posse do patrimônio". 

A arquiteta reforça que o  tombamento provisório é um recurso de proteção, "mas não traz ainda todas as prerrogativas do processo finalizado. Por isso ocorrem os casos de demolição antes da consolidação".

A recorrência de casos de destruição de bens tombados provisoriamente em todo o país, afirma, "é perceptível, enaltecendo a importância da finalização desses processos".