Falésias em 6 cidades do Ceará estão sujeitas a desabamentos e podem causar acidentes; veja locais

Estruturas da paisagem de praia podem se desgastar por fatores ambientais e humanos e provocar colapsos

Escrito por
Nícolas Paulino nicolas.paulino@svm.com.br
Falésias no Monumento Natural das Falésias de Beberibe com processos de voçorocamento e visitação turística no topo
Legenda: Falésias no Monumento Natural de Beberibe com processos de voçorocamento e visitação turística no topo
Foto: Cientista Chefe Meio Ambiente/Planejamento Espacial Ambiental (2024)

Belas e imponentes, as falésias são figurinhas carimbadas em cartões-postais do litoral do Ceará. A potência paisagística desses locais tende a aumentar a visitação turística, mas também demanda atenção das autoridades quanto aos riscos de acidentes, como desabamentos e deslizamentos. Ao todo, seis cidades do Estado estão sujeitas a esses processos e carecem de maior atenção para medidas preventivas

O alerta é do Plano de Ações de Contingência para Riscos Associados a Ambientes de Falésias, produto da Secretaria de Meio Ambiente e Mudança do Clima (Sema) elaborado no âmbito do Programa Cientista Chefe Meio Ambiente (CCMA/Sema/Funcap) e lançado na última semana.

As falésias são paredões localizados em praias, em forma de escarpas íngremes, formadas pela deposição de sedimentos. As falésias ativas são modeladas constantemente por ações de ondas e marés, mas sua escarpa está sujeita a processos de queda e movimentos de massa.

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Por isso, além de mapear a situação das estruturas do Ceará, o estudo pioneiro é um documento-base para o gerenciamento de riscos de desastres, mapeando áreas com maior vulnerabilidade a acidentes a partir do contexto natural e do uso e ocupação da zona costeira.

O estudo foi elaborado após dois casos graves envolvendo falésias no Estado vizinho do Rio Grande do Norte, ambas na turística Praia de Pipa. Em novembro de 2020, a queda de blocos de uma falésia causou a morte de três pessoas da mesma família. Já em janeiro de 2024, uma turista morreu após cair do topo de uma falésia ao pilotar um quadriciclo.

No Ceará, mostra o Plano, as falésias estão predominantemente localizadas no Litoral Leste (começam em Beberibe e se estendem, de forma descontínua, até o limite do Rio Grande do Norte), embora também ocorram na área Oeste. Conforme as análises do levantamento, os municípios mais suscetíveis a acidentes com essas estruturas são:

Costa Leste

  • Beberibe: Morro Branco e Praia das Fontes
  • Fortim: Praia do Pontal de Maceió
  • Aracati: Praia de Canoa Quebrada
  • Icapuí: Praias de Redonda, Peroba e Ponta Grossa

Costa Oeste

  • Caucaia: Praia do Pacheco
  • Paraipaba: Praia da Lagoinha

“São poucos os municípios do Brasil que possuem material similar. O Rio Grande do Norte, onde aconteceu o problema, tem um documento, mas só para a Praia de Pipa. Não tem um documento para o Estado todo como o Ceará”, explica Davis de Paula, doutor em Ciências do Mar, professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e membro da equipe técnica do estudo.

Embora traga o alerta, o Plano ressalta que “os movimentos de massa em falésias são de difícil previsibilidade, podendo-se apenas indicar o nível de suscetibilidade ao qual estão sujeitas”. 

Em fevereiro de 2011, o Diário do Nordeste noticiou que parte de uma falésia desmoronou na Praia de Redonda, em Icapuí. Não houve feridos, mas o estrondo foi tão grande que moradores ouviram o barulho a quase 2km de distância.

Quais são os riscos das falésias?

Pela proximidade e semelhança com as formações de Pipa (RN), Icapuí tem “possibilidades de perdas de vidas humanas em eventos de quedas”. Os setores “potencialmente perigosos” ficam na Praia de Ponta Grossa - onde estão as maiores elevações do Estado, em torno de 43 metros - e nas falésias próximas da Praia da Redonda, tendo em vista uma maior quantidade de frequentadores.

Também em Icapuí, outro cenário de risco está relacionado a construções situadas na base das falésias, que podem ser atingidas por detritos dos movimentos de massa. Isso pode ser constatado em residências situadas nas praias de Barreiras e Peroba.

Já os riscos de quedas de pessoas e veículos do topo de falésias ou dentro de suas voçorocas são mais urgentes no Monumento Natural das Falésias de Beberibe, “cujo acesso diário de pessoas e veículos através da praia das Fontes é muito frequente, sem nenhum controle de acesso”.

A visitação de pessoas em cavidades formadas pela ação erosiva também foi constatada na “Gruta Mãe d’Água”, também na praia das Fontes. Devido ao risco de colapso, a área foi interditada pela Defesa Civil municipal em 2022, que fixou uma placa de aviso de perigo. Contudo, a sinalização foi removida do local e não é mais visível.

Entre os problemas que podem ser causados por falésias, também estão os soterramentos, devido a movimentos de massa. Esse risco está descrito para as praias de Retirinho e Canoa Quebrada, em Aracati, e Pacheco, em Caucaia. Nesta última, há placas de sinalização numa área específica mais visitada.

Embora não estejam no alerta, as falésias de Camocim também foram mencionadas no documento. Elas têm menor altura, de até 4 metros, e maior estabilidade. “No entanto, não se pode descartar a possibilidade de ocorrência de acidentes, tanto com pessoas localizadas na base quanto no topo das falésias”, afirma o Plano.

Falésias com risco de tombamentos na praia de Barreiras, em Icapuí
Legenda: Fraturamentos com possibilidade de ocorrência de tombamentos na praia de Barreiras, em Icapuí
Foto: Cientista Chefe Meio Ambiente/Planejamento Espacial Ambiental (2024)

Para que servem as falésias?

Além do valor paisagístico, as falésias desempenham papel ambiental por contribuírem na exportação de sedimentos (areia, rochas e minerais) que alimentam o ambiente de praia, na proteção da linha de costa, na manutenção de aquíferos subterrâneos e na fixação de vegetação.

Ainda assim, devido à proximidade com o mar e às visões privilegiadas de seus topos, elas são alvo para a ocupação irregular, especulação imobiliária e atividades turísticas massivas.

Desde 1998, as falésias de Canoa Quebrada estão localizadas dentro de uma Área de Proteção Ambiental (APA), no município de Aracati. Em 2004, a paisagem que vai da Praia de Morro Branco até o início da Praia das Fontes também foi decretada uma Unidade de Conservação, chamada de Monumento Natural das Falésias de Beberibe.

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Por que falésias podem cair?

As vulnerabilidades das falésias estão ligadas à erosão costeira e à instabilidade geológica, que podem provocar quedas de blocos e deslizamentos com eventuais acidentes com vítimas. 

O perfil delas é modelado constantemente por ações marinhas na base e fatores climáticos no topo, incluindo solapamento (retirada de sedimentos da base) e desmoronamento (desprendimento dos sedimentos superiores). 

Além dos fatores naturais, a ação humana também pode influenciar no processo. “A construção de edificações e vias sobre as falésias contribuem para a impermeabilização e compactação do solo por pisoteamento, interferindo na velocidade de escoamento superficial e aumento da erosão linear”, explana o documento.

O Plano avalia que as quedas constituem a principal categoria de movimento de massa nas falésias do Ceará, sendo comum a todas, “tendo em vista a declividade do escarpamento, podendo variar quanto à natureza do material”. As quedas com detritos mais significativos ocorrem nas falésias de Icapuí, mas também ocorrem em Beberibe, Aracati e Caucaia.

As áreas mais propícias a tombamentos/desplacamentos também se encontram no município de Icapuí. Por outro lado, os deslizamentos “são raros de serem observados em falésias vivas do Ceará”.

Falésias na praia de Sucatinga, em Beberibe
Legenda: Falésias na praia de Sucatinga, em Beberibe
Foto: Cientista Chefe Meio Ambiente/Planejamento Espacial Ambiental (2024)

Como prevenir acidentes?

Segundo a Classificação e Codificação Brasileira de Desastres (Cobrade), os acidentes em falésias são desastres geológicos relacionados a fenômenos de movimentos de massa e erosão costeira.

Tendo isso em vista, o plano de contingência estabelece protocolos e procedimentos a serem adotados por agentes e órgãos envolvidos, direta ou indiretamente, na prevenção e resposta a emergências, dentre as quais:

  • inclusão das áreas de risco nos Planos Diretores Participativos (PDP) municipais
  • realização de vistorias periódicas visando identificar possíveis áreas de risco e/ou perigo de acidente em falésias costeiras
  • instalação de placas ou bandeiras de sinalização sobre o perigo das falésias, sobretudo nas áreas com maior fluxo de pessoas, na base e no topo
  • promover campanhas de educação ambiental para a comunidade, escolas locais e turistas sobre os riscos associados
  • em caso de acidente envolvendo vítimas, fornecer apoio psicossocial à família da vítima e/ou a comunidade atingida.

Na etapa de pré-desastre, devem ser tomadas iniciativas como monitoramento, alerta, alarme e acionamento de recursos. Assim, após estado de alerta acionado pelo coordenador da Defesa Civil Municipal, as Prefeituras devem convocar os gestores das secretarias envolvidas para garantir os recursos necessários caso a situação evolua.

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