Avanço do mar causa processo erosivo em quase 50% do litoral do CE, e 16 praias têm maior risco; veja locais

Erosão costeira é influenciada tanto por agentes naturais quanto intensificada por atividades humanas

Escrito por
Nícolas Paulino nicolas.paulino@svm.com.br
(Atualizado às 08:32)
Estrada na praia de Canto Verde com proteção contra o avanço do mar
Legenda: Estrutura rígida de proteção na via de acesso à comunidade da Prainha do Canto Verde, em Beberibe
Foto: Cientista Chefe Meio Ambiente/Planejamento Espacial Ambiental (2024)

O Ceará tem 20 municípios com praias ao longo de 570 km de litoral. Embora movimentem a economia do mar pela pesca, turismo ou produção de energia, todos eles apresentam áreas com processos erosivos devido ao avanço do mar, como atesta o inédito Plano de Ações de Contingência para Processos de Erosão Costeira do Ceará (PCEC), pioneiro do Brasil. O estudo mapeou 47,5% do litoral com processos erosivos e 16 praias com maior risco de problemas.

O novo plano foi lançado na última sexta-feira (14) durante a solenidade de abertura da 5ª Conferência Estadual do Meio Ambiente, realizada pela Secretaria de Meio Ambiente e Mudança do Clima (Sema) sob o tema “Emergência Climática: o Desafio da Transformação Ecológica”.

O PCEC é um produto da Sema e documento-base para o gerenciamento de riscos e impactos costeiros no Estado e foi elaborado pela equipe do Projeto Planejamento Espacial Ambiental (PEA), no âmbito do Programa Cientista Chefe Meio Ambiente (CCMA/Sema/Funcap).

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Entre os processos erosivos que atingem a zona costeira do Ceará e motivaram a criação do estudo, o documento cita as praias de Picos e Peroba (em Icapuí), Icaraí e Tabuba (em Caucaia) e Baleia (em Itapipoca).

Foram utilizadas técnicas e ferramentas de sensoriamento remoto para identificar alterações na linha de costa (fronteira entre água e terra) entre 2016 e 2024, adotando um ponto de análise a cada quilômetro de litoral. Com 553 pontos mapeados, as classes resultantes após a análise foram:

  • Erosão crítica: 215 pontos com perdas acima de -1 m/ano
  • Erosão: 48 pontos com perdas entre -0,5 e -1 m/ano
  • Estabilidade: 91 pontos com taxas entre -0,5 e 0,5 m/ano
  • Progradação: 199 pontos com ganhos acima de 0,5 m/ano

Segundo o estudo, o Litoral Oeste tem maior quantidade de pontos entendidos como de erosão crítica, com base no mapeamento e em visitas técnicas realizadas em 2024.

A equipe do Programa definiu dois núcleos: os de “atenção” correspondem a áreas com processos erosivos iniciais, mas com potencial significativo para causar danos futuros; e os de “erosão crítica” exigem intervenção imediata porque os danos “já são evidentes ou estão prestes a ocorrer”.

Núcleos de Erosão

  1. Praias de Picos/Peroba, em Icapuí
  2. Praia de Canoé/Canto da Barra, em Fortim
  3. Prainha do Canto Verde, Beberibe
  4. Praia do Iguape, em Aquiraz
  5. Praia do Icaraí, em Caucaia
  6. Praia da Tabuba, em Caucaia
  7. Praia da Taíba, em São Gonçalo do Amarante
  8. Praia da Baleia, em Itapipoca
  9. Praia de Arpoeiras, em Acaraú
  10. Praia do Espraiado, em Acaraú

Núcleos de Atenção

  1. Praia do Pontal do Maceió, em Fortim
  2. Praia do Balbino/Caponga Roseira, em Cascavel
  3. Praia da Lagoinha, em Paraipaba
  4. Praia do Serrote, em Jijoca de Jericoacoara
  5. Praia de Tatajuba, em Camocim

Conforme o levantamento, as praias de Pontal do Maceió e de Jericoacoara aparecem como novidade entre as praias com erosão.

Mapa com os núcleos erosivos em praias cearenses
Legenda: Mapa atualizado com os núcleos erosivos em praias cearenses
Foto: Cientista Chefe Meio Ambiente/Planejamento Espacial Ambiental (2024)

Coordenador do Programa Cientista Chefe do Meio Ambiente e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Luís Ernesto Arruda Bezerra garante que o objetivo é fornecer um “diagnóstico completo” de cada praia do Estado. “Qual é a situação daquela praia? Qual é o nível de erosão que ela está? Se está muito, se está pouco, se não está em erosão? E que ações podem ser tomadas no caso de ter algum problema erosivo ou em uma emergência”. 

O que é erosão costeira?

A erosão costeira ocorre quando uma praia perde mais sedimentos (como areia, minerais e fragmentos de rochas) do que é capaz de repor. O fenômeno gera problemas quando provoca danos à infraestrutura urbana localizada à beira-mar. 

Ela é comumente desencadeada por processos naturais, como ondas, correntes, marés e ventos, e alterações na energia desses processos podem favorecer eventos de erosão ou seu inverso, a "progradação", caracterizada pelo acúmulo de sedimentos.

Porém, ações humanas, como a construção de infraestruturas (a exemplo de portos) e o desmatamento, também podem alterar a dinâmica de entrada e saída de sedimentos. Juntos, esses fatores interagem e amplificam a erosão em trechos costeiros.

Os dois fatores, naturais e antrópicos, costumam ocorrer em conjunto, “especialmente em locais com ocupação à beira-mar que são vulneráveis a eventos de ressaca”. O PCEC afirma que isso se torna mais preocupante em áreas que já sofrem com a erosão costeira, como as praias da Baleia, Canto Verde e Icapuí.

Mar próximo de casas na praia da Peroba, em Icapuí, no Ceará
Legenda: Avanço do mar na praia da Peroba, em Icapuí, ameaça casas e comércios da região
Foto: Cientista Chefe Meio Ambiente/Planejamento Espacial Ambiental (2024)

Quais são as praias críticas de cada cidade?

Os resultados do estudo revelaram 72 pontos mais sensíveis ao processo de erosão costeira em áreas de praia urbanizadas do Ceará. Do total, 56 estão localizados em zonas urbanas densas, 13 em zonas urbanas pouco densas e três em loteamentos vazios, sem ocupação humana. 

O Plano mostra uma análise para os quatro setores da planície litorânea do Ceará e as praias mais atingidas em cada município:

Costa Leste

Dos 151 pontos analisados, 38 foram classificados como áreas de erosão crítica, 19 como áreas de erosão, 39 como áreas de estabilidade e 55 como áreas de progradação.

  • Icapuí (8 pontos críticos) - Picos e Peroba
  • Aracati (9 pontos críticos) - Canoa Quebrada
  • Fortim (4 pontos críticos) - praia de Canoé/Canto da Barra
  • Beberibe (12 pontos críticos) - Prainha do Canto Verde
  • Cascavel (4 pontos críticos) - praia do Balbino

Fortaleza e Região Metropolitana

Com 106 pontos, 43 indicaram erosão crítica, 8 apontaram erosão, 20 mostraram estabilidade e 35 revelaram progradação.

  • Aquiraz (6 pontos críticos) - praias do Barro Preto e do Presídio
  • Fortaleza (3 pontos críticos) - entre o espigão do Titanzinho e o Porto do Mucuripe
  • Caucaia (24 pontos críticos) - praias de Iparana, Icaraí, Pacheco, Tabuba, Cumbuco e Cauípe
  • São Gonçalo do Amarante (10 pontos críticos) - praia da Taíba

Costa Oeste

Dos 86 pontos, 39 indicaram erosão crítica, 9 erosão, 13 estabilidade e 25 progradação.

  • Paracuru (13 pontos críticos) - praias da Bica e do Farol
  • Paraipaba (4 pontos críticos) - praia da Lagoinha
  • Trairi (9 pontos críticos) - praia do Guajiru
  • Itapipoca (13 pontos críticos) - praia da Baleia

Costa Extremo Oeste

Foram gerados 210 pontos; 95 indicaram erosão crítica, 12 apontaram erosão, 19 mostraram estabilidade e 84 apresentaram progradação.

  • Amontada (13 pontos críticos) - praias de Caetanos e Moitas
  • Itarema (9 pontos críticos) - trechos das praias de Patos, Torrões e Almofala
  • Acaraú (38 pontos críticos) - Volta do Rio, Espraiado, Arpoeiras, Aranaú, Morgado, Carrapateiras e Barrinhas
  • Cruz (6 pontos críticos) - áreas sem adensamento populacional
  • Jijoca de Jericoacoara (10 pontos críticos) - praia da Vila de Jericoacoara até a Pedra Furada
  • Camocim (15 pontos críticos) - entorno da praia de Tatajuba
  • Barroquinha (4 pontos críticos) - áreas sem adensamento populacional

Principais problemas do avanço do mar

O estudo explica que a erosão costeira, intensificada por mudanças climáticas e atividades humanas, resulta na perda de habitat para diversas espécies e na redução da proteção natural do ambiente contra eventos extremos. 

As praias, dunas e manguezais, que atuam como barreiras naturais, são especialmente vulneráveis, o que pode levar “à perda de biodiversidade e ao aumento da vulnerabilidade das comunidades litorâneas”. 

Outro ponto de atenção é que a ocupação desordenada do litoral, seja para habitação ou negócios, leva a um crescimento urbano intenso à beira-mar. Com ressacas cada vez mais intensas, esse crescimento “tem gerado novas áreas de risco que anteriormente não existiam”. 

A longo prazo, o problema pode comprometer a ocupação da orla e dificultar o desenvolvimento sustentável. Ainda que haja o alerta, o enfrentamento a esses desafios esbarra em deficiências das legislações municipais que auxiliam no processo de gerenciamento costeiro. 

Embora 19 municípios praianos do Ceará tenham Plano Diretor (com exceção de Icapuí, que está em processo de elaboração), apenas 6 têm o documento atualizado. Previsto no Estatuto da Cidade, a ferramenta de planejamento urbano define diretrizes para o desenvolvimento da cidade, incluindo o uso do solo, zoneamento e infraestrutura.

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O que pode ser feito para conter o avanço do mar?

“O Ceará não está imune aos impactos decorrentes da subida do nível do mar, necessitando desenvolver estratégias integradas que envolvam todas as partes interessadas, incluindo governos locais, organizações não governamentais, comunidade científica e populações afetadas”, destaca o PCEC.

A reação depende de um planejamento integrado e contínuo dos municípios, que envolve o registro sistemático de ocorrências, o monitoramento detalhado dos processos costeiros e da evolução da erosão, além de uma equipe com conhecimento técnico-científico para apoiar a gestão e a tomada de decisões. 

Segundo o professor Luís Ernesto, o material deve ser distribuído para as prefeituras litorâneas. Nesse cenário, o PCEC deve contribuir para o aprimoramento da coordenação de esforços e do aperfeiçoamento de protocolos e procedimentos necessários à mitigação de impactos sociais, econômicos e ambientais, além do aprimoramento de aparatos normativos. 

Essas diretrizes devem otimizar a discussão sobre a melhor abordagem a ser utilizada em cada proteção costeira, dentre as quais, enrocamentos, diques, paredes ou muros de contenção, bolsões de areia (aterro), vegetação costeira, espigões e recuperação ou reconstrução de dunas. Para cada tipo de intervenção, é preciso discutir vantagens, desvantagens, eficiência e possíveis impactos.

O Plano sugere ainda a criação do Comitê de Planejamento e Resposta à Erosão Costeira (CPREC), responsável pelo planejamento, implementação e monitoramento das ações necessárias para conter o avanço do problema, sendo composto por entidades públicas, privadas e do terceiro setor.

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