Espigões nas praias: quais os impactos e por que são usados no Ceará há mais de 80 anos
Estrutura já existente em Fortaleza e Caucaia deve ser implantada em Icapuí
Estratégia aplicada mundo afora para conter a erosão de praias, os espigões são utilizados no Ceará desde a década de 1940. Primeiro, em Fortaleza, onde foram construídas 17 unidades. Mais recentemente, três foram implantados na praia do Icaraí, em Caucaia. Neste mês, foi anunciado que Icapuí também deve receber uma estrutura do tipo. Mas, afinal, até que ponto os espigões são eficazes?
Primeiro, é preciso esclarecer para que serve um espigão. A estrutura de pedras, que adentra o mar, retém sedimentos transportados pelo movimento das ondas e correntes marítimas. Assim, eles se acumulam mais facilmente e “protegem” o continente contra o ataque das águas.
No entanto, esse é também o ponto de alerta para praias vizinhas. Estudos de pesquisadores cearenses já comprovaram que a construção do Porto do Mucuripe, na década de 1940, barrou a passagem de sedimentos em direção ao litoral oeste da Capital, sendo uma das causas para o avanço do mar nas praias de Iparana, Pacheco e Icaraí.
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No fim de 2022, a Prefeitura de Caucaia concluiu a construção de três espigões - de um projeto que prevê 11 estruturas - para conter a erosão no Icaraí, um dos principais destinos turísticos do Ceará até o início dos anos 2000, quando o mar destruiu barracas e moradias.
Dos 573 km de litoral cearense, parte expressiva já sofre com o avanço das águas, tanto pelo reflexo das mudanças climáticas como pela ocupação desordenada da orla, segundo Davis de Paula, membro da equipe Cientista-Chefe da Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Ceará (Sema).
Doutor em Ciências do Mar, ele explica que os espigões são uma das medidas de proteção costeira mais utilizadas no mundo, mas “não significa que seja a mais efetiva” e muito menos que “vai exterminar definitivamente o processo de erosão”.
“Em Caucaia, na última ressaca do mar, a via costeira foi novamente atingida. O mais positivo da obra foi a formação de praias internas, não muito largas, mas alguns trechos são muito vulneráveis à ressaca”, percebe Davis.
A literatura científica também indica a transferência do problema para praias vizinhas, “mas a escala de tempo é diferente: pode levar dias, meses ou anos”, diz o pesquisador.
Fábio Perdigão, coordenador do Laboratório de Gestão Integrada da Zona Costeira (LAGIZC) da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e um dos projetistas dos espigões do Icaraí, entende que o maior benefício dos equipamentos foi a formação das praias internas, algumas com até 40 metros de largura.
Ele lembra que Caucaia tentou aplicar outras medidas de contenção, como bagwalls (muro em formato de escada) e enrocamentos (paredões de pedra) paralelos à costa. Ambos não tiveram efeito. “Paralelo à costa, você não recupera a praia, a erosão continua. E os bagwalls não diminuem a energia da onda”, afirma.
Dadas as características do litoral caucaiense, a solução apontada foi a implantação de 11 espigões em formato de S, “que diminui a energia das ondas e protege a praia, mas deixa a passagem de sedimentos, que vão se acumulando”.
A ideia é que o espigão diminua a energia das ondas, mas não impeça a passagem dos sedimentos, porque o sedimento que passar ainda vai alimentar as praias seguintes. Se eu fizer um perpendicular à praia, ele pode segurar as areias por muitos anos, mas isso vai fazer a erosão do outro lado. Até que ele encha e as areias continuem a passar, isso pode levar 5, 10, 15 anos.
Ainda conforme Perdigão, não há outros espigões projetados no Ceará. A Uece discute com a Prefeitura de Trairi um projeto para proteção da Barra do Mundaú e deve colaborar com uma solução para Icapuí.
“Cada projeto tem que ser feito especificamente com os parâmetros oceanográficos daquele lugar. São soluções que podem dar bons resultados. Inclusive o tamanho deles: você pode fazer bem pequenos, de 10 ou 15 metros, que eles seguram um ano, dois anos, depois a areia já está passando normalmente”, descreve.
Erosão em Icapuí
O próximo ponto do litoral a receber um espigão será Icapuí, no extremo Leste do Ceará. De acordo com a Defesa Civil do município, cerca de 20 imóveis estão ameaçados pelo avanço do mar na praia da Peroba. Por isso, R$ 11 milhões devem ser investidos na construção da estrutura, ainda sem previsão de início.
Davis de Paula comenta que Icapuí é um dos principais núcleos de erosão do Ceará e ainda tem um “mosaico de complexidade” pela presença de uma área para aclimatação do peixe-boi, ou seja, também envolve fatores biológicos e dinâmicos.
Além disso, as casas próximas ao mar ficam encurraladas entre o avanço da água e as falésias. “A frente marinha é densamente ocupada pela falta de ordenamento territorial municipal, o que cria áreas de risco. A qualquer momento, uma das propriedades pode desabar. A via costeira foi totalmente destruída, é uma área muito sensível”, diz.
Diante das incertezas, o cientista defende debates amplos com a sociedade para identificar a melhor forma de construção do espigão, já que o município já implantou enrocamentos em outros trechos. “É outra forma de proteger a costa, menos agressiva que os espigões, com impacto adverso menor”, sugere.