Como áreas verdes podem amenizar efeitos das mudanças climáticas em Fortaleza
A capital cearense está construída num espaço em que quase 80% da área natural foi substituída por edificações, como apontam os últimos levantamentos oficiais, e essa realidade precisa ser revista no contexto que as mudanças do clima devem elevar a temperatura da cidade. As áreas verdes, então, surgem como estratégia para conter o aumento do calor, melhorar a qualidade do ar e permitir o bem-estar da população.
As áreas verdes são espaços arborizados, como parques e praças, que contribuem para a redução dos efeitos das emissões de carbono e para a preservação de espécies. Em 2022, o dado mais recente, a proporção destes espaços registrada em Fortaleza ficou em 18 metros quadrados por habitante. Para a Sociedade Brasileira de Arborização Urbana, o mínimo de áreas verdes deve ser de 15 m² e a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda 12 m².
Para se ter uma noção da intervenção humana na capital cearense, como contextualiza o Plano Local de Ação Climática, com base nos levantamentos feitos para o Projeto Fortaleza 2040 e elaboração do Índice de Vulnerabilidade às Mudanças Climáticas, 79% das áreas naturais foram substituídas por áreas edificadas. Ou seja, apenas 21% da cidade é coberta por áreas verdes, Zonas de Preservação Ambiental ou Unidades de Conservação.
Para entender as causas, os impactos e as possibilidades de intervenção das mudanças climáticas, intensificadas pela emissão de CO2 no mundo, o Diário do Nordeste publica o especial Fortaleza e a Emergência do Clima.
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Aumentar o verde na capital cearense é uma meta estabelecida no Plano Local de Ação Climática, elaborado pela Prefeitura de Fortaleza, em 2020. Em 2017, essa área correspondia a 17,33 m² por habitante, sendo que a gestão deve alcançar 20 m²/hab até 2030 e 26,48 m² até 2040.
A capital cearense possui 25 parques urbanos, 5 unidades de conservação e 3 micro parques criados – com planejamento para criação de mais de 29 micro parques até 2024 –, conforme as informações da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Seuma).
Flávio Nascimento, professor de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador de recursos ambientais, acrescenta que esses espaços ambientais podem ser divididos entre verdes e azuis (que incluem as lagoas, por exemplo).
As áreas verdes podem ser de dunas, de vegetação nativa ou introduzida, de manguezais, de mata de tabuleiro e matas ciliares (ao redor de corpos hídricos), como exemplifica Flávio. Para o especialista, Fortaleza deveria ter vários “minis Parques do Cocó" espalhados pela cidade.
“O diagnóstico é que nós temos, pelo menos, 104 áreas verdes de vegetação (próximas a lagoas), 18 delas têm um tamanho interessante com mais de 1 hectare e que nós indicamos a criação de unidades de conservação, a maioria na Regional 8”, detalha o especialista sobre uma pesquisa realizada com as lagoas de Fortaleza.
Por outro lado, bairros como Conjunto Ceará, Jardim Iracema, Álvaro Weyne, que são muito adensados, possuem baixos índices de áreas verdes. Mas será que esses espaços realmente fazem diferença no cotidiano?
Numa cidade com desconforto térmico como a nossa, a manutenção da vegetação é fundamental para sombra, proteção do solo, biodiversidade e produção de núcleos higroscópicos, que são vapores de águas que conseguem produzir nuvens
A geógrafa Andressa Cruz, mestra em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela UFC, observa que os pontos de maior abrangência da vegetação em Fortaleza estão em áreas de conservação ambiental, parques, campus de universidades, instituições públicas com extensas áreas territoriais e terrenos para loteamentos.
“A qualidade das áreas verdes nos parques e da arborização da praça dependem diretamente da manutenção e serviço da prefeitura. O programa de adoção de praças e áreas verdes realizado pela Prefeitura também se torna um aliado na manutenção e conservação desses locais”, analisa.
Andressa contextualiza que a cidade possui políticas públicas e leis voltadas para as áreas verdes, mas pontua a necessidade de maior participação popular para a ampliação desses lugares.
“Infelizmente, grande parte da população desconhece das legislações, normas, e consequentemente, a participação civil torna-se reduzida em exigir melhorias nesses espaços”. Cuidar das áreas verdes é algo relevante para a toda a cidade sendo algo importante para o presente e ainda mais para o futuro.
"Em termos de benefícios das áreas verdes e da arborização na cidade como um todo refletem diretamente na redução de temperatura local através do processo de evapotranspiração; no sombreamento, diminuindo a temperatura do ar e das superfícies pavimentadas; na melhoria na qualidade do ar e na redução de emissões de carbono", conclui Andressa.
Ampliação do verde em Fortaleza
Uma das estratégias para aumentar o índice de áreas verdes em Fortaleza está na construção de micro parques pela cidade, como frisa Luciana Lobo, secretária de Meio Ambiente em Fortaleza.
“Os dois primeiros micro parques ficam Barra do Ceará e Cidade dos Funcionários, também foi entregue em setembro no Conjunto Ceará. Foi feita a entrega do trecho 6 do Parque Rachel de Queiroz que, quando tiver pronto, será em 10 bairros”, acrescenta.
Também uma iniciativa da Secretaria de Infraestrutura para requalificação de lagoas, como a do Mondubim, Opaia, Messejana e também o Parque Rio Branco, como acrescenta a secretária.
Os micro parques estão sendo implantados em terrenos que eram baldios ou sem utilização, então há um espalhamento de áreas verdes na cidade inteira. Estamos trabalhando na construção de corredores verdes
Além disso é feita a urbanização de ruas em bairros, preferencialmente periféricos, para adequação destes espaços.
“A Seuma vai colocar 300 árvores de grande porte no sistema cicloviário para dar um impacto até meados do ano que vem e tem plantio de árvores de semi-adultas, de até 2 metros, que é um projeto contínuo”, completa Luciana Lobo.
Além do Plano Local de Ação Climática, o Plano Diretor de Fortaleza – documento que guia as mudanças da cidade e que é renovado a cada 10 anos – também prevê a arborização da cidade. “Existem características específicas de algumas regiões da cidade que dificultam esse plantio, como calçadas menores, mas temos em andamento os projetos de microparques e as ciclofaixas que pretendem ser conectores verdes”, pontua a secretária.
Do início de 2021 até setembro deste ano, mais de 180 mil mudas, entre pequenas, semi adultas e adultas, foram plantadas e distribuídas em Fortaleza, conforme a Seuma. A Secretaria disponibiliza mudas, de segunda à sexta-feira, com solicitações feitas pelo (85) 3452-6920, (85) 98814-3849 (WhatsApp) ou pelo plano.arborizacao@seuma.fortaleza.ce.gov.br.
São entregues mudas de Ipê-Amarelo, eleito como Árvore Símbolo de Fortaleza, Ipê-rosa, Pau-Brasil, Flamboyant, Catingueira, Pajeú, Jucá, Aroeira Pimenteira, Tamboril, Mulungu, Paineira com espinhos, Mutamba e Jenipapo.
Experiência de sucesso
Numa das regiões mais centrais de Fortaleza, com avenidas e ruas de movimentação intensa, existem 56 mil metros quadrados de área verde, com plantas e animais, no Parque Linear do Parreão, no Bairro de Fátima. O espaço completou 30 anos em 2023.
Lá nem sempre foi considerada uma área para caminhadas e lazer em família. Na verdade, no início da formação do bairro, era um lugar de vegetação baixa e com solo alagado. Com a organização comunitária, isso mudou. Isso é parte da memória da moradora Dominik Fontes, 50, fundadora do projeto Pró-Parreão.
“Ao contrário de outros espaços da cidade, essa área aqui cresceu por conta desses pontos que guardam a área verde. Aqui no Parque, nos 30 anos em que foram plantadas, temos árvores com mais de 5 metros de altura e elas possuem uma função”, destaca.
Por isso, a circulação de pessoas passou a fazer parte do cotidiano e até eventos temáticos, como do "dia das florestas", são realizados no local. Adultos e crianças descobrem mais sobre a fauna e flora por meio da divulgação científica feita no Parque Parreão.
“Quase 90% do parque é totalmente sombreado e, com as temperaturas altas que a gente tem, cada vez mais as pessoas procuram aqui para fazer caminhadas, atividades físicas e trazer os filhos para andar de bicicleta”, observa Dominik.
Para a fauna urbana é um paraíso, apesar de todas as questões, porque oferece alimentos, é uma preciosidade dentro da cidade
A iniciativa Pró-Parreão funciona com 8 membros ligados à UFC e realiza visitas guiadas, pesquisas sobre a biodiversidade e sobre a história do bairro. O Parque abriga pássaros como joão-nordestino e sanhaçu-de-ateira, árvores como ipê e freijó e pau-brasil, além de ter um trecho aberto do Riacho Parreão.
Dominik contextualiza a necessidade de procurar uma boa convivência entre os modos de vida urbano e a relação com os bichos.
“Nós encontramos dificuldades com os animais, até mesmo as aves, porque como aqui é uma área de trânsito há um impacto (negativo). Tem também a questão de animais, como os saguis, serem eletrocutados pela fiação”, acrescenta a moradora.