Das ondas de calor a chuvas intensas, no Brasil e mundo afora, o Planeta demonstra que o estilo de vida humano – com tanta emissão de gases do efeito estufa – está longe de ser saudável. Para evitar um futuro com condições extremas de sobrevivência, também há um esforço global por medidas de controle. Mas como Fortaleza se posiciona nessa dinâmica?

Na capital cearense, o transporte e os resíduos sólidos são os principais emissores de gás carbônico (CO2) de Fortaleza. Apesar da mudança do clima ser resultado de uma poluição global, as emissões locais são relevantes para a análise. Com base nisso, o Plano Local de Ação Climática, elaborado pela Prefeitura de Fortaleza, de 2020, estabelece metas de gestão dos resíduos e da mobilidade. A cidade tem a meta de zerar as emissões de gases do efeito-estufa até 2050.

Para entender as causas, os impactos e as possibilidades de intervenção das mudanças climáticas, intensificadas pela emissão de CO2 no mundo, o Diário do Nordeste publica o especial Fortaleza e a Emergência do Clima.

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Legenda: Fumaça dos veículos faz parte do cotidiano das grandes cidades como Fortaleza
Foto: Kid Júnior

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O setor de transportes, que inclui o rodoviário, ferroviário, hidroviário e aeroviário, lidera com mais de 50% das emissões de gases do efeito estufa nos 4 inventários do índice feito em Fortaleza, entre 2012 e 2018. Os dados disponibilizados são os mais recentes.

Os transportes são responsáveis por mais de 2 milhões de toneladas de gás carbônico em cada período analisado. Na sequência, aparecem os resíduos sólidos, do lixo doméstico aos efluentes industriais, que já ultrapassaram um milhão de toneladas de emissão de CO2 anual.

No vaivém cotidiano, a frota de ônibus do transporte coletivo de Fortaleza possui aproximadamente 1.300 veículos, e cerca de 90% deles estão adequados aos padrões de emissões europeus Euro 5 e Euro 6, conforme a Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos (SCSP).

Além da redução das emissões, a Secretaria avalia que os coletivos contribuem para a mobilidade: cada ônibus tem a capacidade de retirar até 50 carros das vias e ocupa 11,5 vezes menos espaço que 50 carros.

Mas especialistas apontam a relevância de o transporte público se adequar com combustíveis menos poluentes ou mesmo migrar para energias renováveis. No último mês, a Câmara Municipal aprovou um projeto para aquisição de 19 ônibus elétricos, com recurso de R$ 50 milhões.

Também em setembro deste ano, a Prefeitura aprovou a nova Política de Mobilidade Urbana Sustentável de Fortaleza, que prevê a expansão dos meios de transporte limpos, priorizando, portanto, o transporte público, a pé e de bicicleta. Além da construção de, pelo menos, 300 estações do Bicicletar nos próximos meses, o sistema deve receber bicicletas elétricas e a possibilidade de gerar crédito de carbono.

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Legenda: Gestão da cidade busca zerar emissões até 2050
Foto: Kid Júnior

Em relação ao lixo em Fortaleza, nos últimos 3 anos, a coleta de resíduos das moradias e dos pontos de lixo na cidade ultrapassa 1,2 milhão de toneladas anuais. Entre janeiro e setembro deste ano, já foram recolhidas 970 mil toneladas de resíduos, sendo 475 mil toneladas de lixo doméstico e 508 mil toneladas dos pontos pela cidade.

Alexandre Costa, professor na Universidade Estadual do Ceará (Uece) e doutor em Ciências Atmosféricas, explica que o problema é global, então, não basta pensar em um município de forma isolada. Contudo, é extremamente relevante definir as contribuições locais.

“Na cidade, são utilizados muitos recursos, nos beneficiamos de bens e serviços que implicam em emissões em outros locais, embora as emissões locais sejam relevantes”, reforça a ideia.

Fortaleza pode ser afetada pelas mudanças climáticas, pelo menos, de 4 formas: aumento da temperatura, secas prolongadas, chuvas extremas e elevação do nível do mar. Num cenário pessimista, a cidade deve ficar 4°C mais quente e ter 40% mais chuvas até 2100, de acordo com um estudo científico internacional do portal Climate Information

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Legenda: Descarte irregular de lixo ainda é uma realidade presente na cidade
Foto: Kid Júnior

A situação global se formou num contexto de consumo e produção intensos. “Durante muitos anos, todo o centro de aposta foi construir estrutura para carros particulares e isso é pior do que enxugar gelo. Todo mundo já alertava sobre os riscos disso”, completa Alexandre.

Por isso, como analisa o especialista, é preciso dar prioridade ao movimento elétrico, híbrido ou por biodiesel. “Sair do transporte individual e fóssil para políticas de transporte público coletivo eletrificado. Também precisamos incentivar a saída da descarbonização do transporte de menor porte”, completa.

Além das mudanças no transporte individual, os moradores podem contribuir com a diminuição da geração do lixo. “Ter o máximo de energia circular, diminuir o consumo de plástico com uma coisa simples, como ter a sua sacola permanente ou usar caixas de papelão”, orienta Alexandre.

Políticas públicas para controle das emissões

O Plano Local de Ação Climática estabelece e detalha diversas metas para a gestão pública da cidade em relação ao controle das emissões. Entre elas, diminuir em até 60,6% a disposição de resíduos em aterro até 2050. Dá para conseguir?

“É possível, mas depende de alguns fatores e um dos principais é a contribuição da população, porque a coleta de resíduos é feita, e por mais que aconteça em lugares irregulares, é importante que o morador descarte de maneira correta”, reflete Thiago Mafra, coordenador de Limpeza Urbana da SCSP.

Thiago explica que o aterro sanitário usado por Fortaleza consegue tratar o chorume por meio de osmose reversa e 75% do líquido é transformado em água limpa para ser usada no próprio local, servindo, por exemplo, para a limpeza dos caminhões.

lixo na rua
lixo na rua
lixo na rua
Legenda: Gestão dos lixos também depende de colaboração popular
Foto: Kid Júnior

“O material que chega lá depende do que é descartado, então, a gente faz um programa forte para aumentar o índice de reciclagem, aumentar os pontos de coleta e temos feitos programas e políticas públicas envolvendo associações de catadores”, detalha.

Os materiais que devem ir para o aterro são os orgânicos, como explica o coordenador. E até esse material pode ter um destino mais sustentável, como a compostagem feita por biodigestores usados em escolas públicas do Município.

A gente, dentro do ‘Programa Mais Fortaleza’, está implantando ações que facilitam o descarte correto e diminuindo a emissão de gases. Quanto mais a gente recicla, menos a indústria vai precisar de recursos
Thiago Mafra
Coordenador de Limpeza Urbana da SCSP

Isabela Castro, coordenadora de Mobilidade Urbana da SCSP, contextualiza que, nos últimos 10 anos, o sistema de mobilidade começou a priorizar ciclistas e pedestres, além do transporte público com as faixas exclusivas de ônibus e corredores de BRT.

Entre as metas estabelecidas para a cidade até 2050, a gestão deve garantir que a frota de transporte público seja composta por 100% de veículos elétricos. Mas será que dá para fazer isso?

"Essa meta é passível de alcance sim, o compromisso do Município é zerar emissões e a gente vem caminhando para isso. Além dos ônibus elétricos, a gente vem estudando outras alternativas, como ônibus movidos a biogás e a tecnologia do hidrogênio verde", responde Isabela.

O mais difícil, sendo bem transparente, é a mudança de comportamento, porque a gente vem de uma cultura carrocêntrica. Então a gente conseguir fazer com que as pessoas que usam o carro ou moto enxerguem outras possibilidades é o grande desafio
Isabela Castro
Coordenadora de Mobilidade Urbana da SCSP

O caminho para ter uma cidade adaptada ao controle de emissões acontece por meio de uma mudança gradativa, como avalia Isabela.

"Eu acredito que, toda vez que a gente faz uma inauguração, como da Lagoa do Mondubim, o projeto dos microparques, estamos qualificando a relação entre as pessoas e a cidade e isso tem um papel nos deslocamentos a pé e de bicicleta. É sentir que a cidade faz alguns convites", completa.

Confira algumas das metas estabelecidas no Plano Local de Ação Climática:

Mobilidade

  • Prover infraestrutura e condições necessárias para que, até 2050, 15% da utilização do transporte individual seja migrado para o uso de transporte coletivo e ativo;
  • Garantir que a frota de transporte público seja composta por 100% de veículos elétricos até 2050;
  • Compensação das Emissões Residuais de Transporte.

Resíduos sólidos

  • Reduzir em até 60,6% a disposição de resíduos em aterro até 2050;
  • Garantir que o tratamento de resíduos da cidade seja carbono neutro até 2040;
  • Universalizar o esgotamento sanitário com a garantia que o tratamento de efluentes da cidade seja carbono neutro até 2050.

Consciência ambiental de quem vive na cidade

O carro da família e os trajetos de ônibus deixaram de fazer parte do cotidiano do estudante de arquitetura Mateus Barboza, 22, que circula de bicicleta por Fortaleza, principalmente, há cerca de 2 anos. Na bike, o jovem reúne a consciência ambiental e a economia financeira.

“Eu comecei a pedalar por esporte, pela necessidade de fazer uma atividade física no período pós-lockdown da pandemia. Quando eu vi as distâncias da cidade sendo encurtadas pela bike, eu passei a visitar amigos e ir para os momentos de lazer”, compartilha.

Mateus vai para a faculdade, mercado, espaços de lazer e até para consultas médicas pedalando e “é um salto de qualidade de vida absurdo. Seja pelo tempo ganho, como pelo fato de aplicar atividade física no deslocamento”.

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Legenda: Mateus adota mudanças na rotina com base no pensamento sustentável
Foto: Fabiane de Paula

Fortaleza tem avançado muito na política cicloviária e isso se reflete nas dinâmicas de deslocamento da cidade. Há regiões onde esse processo é nítido, como é o caso da Bezerra de Menezes. Contudo, muito precisa ser feito para que Fortaleza mergulhe na cultura da bicicleta
Mateus Barboza
Estudante de arquitetura

Os modais compartilhados pelo Bicicletar e a possibilidade de levar bicicletas no MetroFor são incentivos ao ciclismo e boas apostas, na avaliação do rapaz. “Eu tenho utilizado muito a intermodalidade que o MetroFor oferece, a partir da entrada das bicicletas no metrô. Isso facilita demais e não deixa de ser um incentivo para os ciclistas urbanos”, completa.

Mas, na prática, a rotina sustentável surge como consequência da consciência ambiental da população e não dispensa medidas de larga escala para o controle do problema, como avalia o professor Alexandre. “O impacto físico-químico é realmente muito pequeno, isso não vai resolver, é algo para política pública, mas fazemos isso para mostrar que a mudança é possível”.

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Legenda: Incentivo ao uso da bicicleta deve guiar políticas públicas de mobilidade
Foto: Fabiane de Paula

É nesse pensamento que a estudante de psicologia Maria Clara Albuquerque, 23, segue com hábitos sustentáveis sem esquecer do impacto de grandes empresas, por exemplo.

"Além do vegetarianismo, uma escolha que passou muito pela questão ambiental, para além do sofrimento de animais, eu procuro evitar plásticos de uso único, como copos descartáveis, canudos, sacolas", completa.

Então, é comum na rotina da jovem colocar algumas compras menores na própria mochila e dispensar as sacolinhas. No grupo de amizades do qual faz parte, algumas pessoas produzem até produtos de limpeza com menos componentes químicos.

"Eu estava usando muitos copos descartáveis para fazer café e comprei um copinho retrátil. Tenho um conjunto de canudo inox e procuro sempre levar minhas ecobags quando vou ao mercantil", exemplifica sobre as substituições.

"São coisas pequeninhas, né? Mas são possíveis de fazer no dia-a-dia e eu procuro fazer para tentar reduzir o meu impacto ao estar nesse mundo"