Principal edital de audiovisual do Ceará é retomado após três anos com investimento de R$15,9 mi e ênfase em curtas

Chamada pública promovida pela Secretaria da Cultura do Ceará abre espaço também para distribuição, finalização e cineastas estreantes

Escrito por
João Gabriel Tréz joao.gabriel@svm.com.br
Principal instrumento de fomento do audiovisual no Estado, Edital Ceará de Cinema e Audiovisual dá ênfase em curtas-metragens, distribuição e finalização na 15ª edição
Legenda: Principal instrumento de fomento do audiovisual no Estado, Edital Ceará de Cinema e Audiovisual dá ênfase em curtas-metragens, distribuição e finalização na 15ª edição
Foto: Argumento Produções / Divulgação

Mais recursos em relação às edições anteriores, mais espaço para estreantes e ênfase em curtas, distribuição e finalização de obras. São esses os principais pontos de novidades e aprimoramentos do 15º Edital Ceará de Cinema e Audiovisual (anteriormente Edital Ceará de Cinema e Vídeo) lançada pela Secretaria da Cultura do Ceará (Secult) no início do mês.

Três anos depois do lançamento da edição mais recente e dois anos após série de editais da Lei Paulo Gustavo com foco no audiovisual, o principal instrumento de fomento do audiovisual no Estado traz, em 2025, investimento de R$ 15,9 milhões. Os recursos são oriundos da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura e devem contemplar 114 projetos.

Para profissionais de diferentes contextos do audiovisual cearense ouvidos pelo Verso, a 15ª edição da chamada pública é positiva ao apostar na diversidade de modalidades e pela construção em diálogo, por exemplo, mas ainda peca na irregularidade, na ausência de recursos do Estado e de políticas afirmativas com foco em pessoas trans.

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Previsibilidade do edital em questão

Antes da atual, a 14ª edição do edital havia sido oficialmente lançada em 2022; a 13ª, em 2016. “A ausência de um cronograma anual consistente é uma falha significativa”, aponta a produtora Raylane Neres, diretora da Argumento Produções, de Meruoca. 

Definindo-o como “a mais relevante ferramenta de estímulo e fomento ao setor audiovisual no Estado”, a profissional ressalta o instrumento como importante e estratégico na “democratização do acesso aos recursos públicos, valorização das narrativas locais e fortalecimento de uma identidade cultural plural”, além da “dinamização econômica”.

Produções cearenses têm no Edital de Cinema e Audiovisual o principal instrumento de fomento
Legenda: Produções cearenses têm no Edital de Cinema e Audiovisual o principal instrumento de fomento
Foto: Argumento Produções / Divulgação

“Entretanto, para que alcance sua plena eficácia e amplie os impactos positivos, é necessário revisitar aspectos estruturais, assegurando que as políticas públicas respondam às especificidades de um setor em constante transformação”, defende. “A implementação de uma política pública anual, com editais regulares, é fundamental para garantir o fomento contínuo da cadeia produtiva e a estabilidade do mercado”, sustenta.

A opinião é reforçada por Roger Pires, presidente da Ceará Audiovisual Independente (CEAVI), associação de empresas produtoras de audiovisual do Estado. “O que a gente tem historicamente, o principal problema, é calendário”, inicia.

“Se eu sei que esses editais vão acontecer toda vida em janeiro, consigo me preparar muito melhor, como empresa. A previsibilidade precisa melhorar, e parece que vai, porque a PNAB (Política Nacional Aldir Blanc) garante quatro anos”, afirma, citando a política cultural federal na qual o governo destinará R$ 15 bilhões em recursos para ações culturais em todo o País até 2027.

Apesar do tempo de três anos entre as edições do Edital Ceará Cinema e Audiovisual, Roger celebra o lançamento da 15ª edição da chamada na esteira dos editais lançados a partir da Lei Paulo Gustavo (LPG), em 2023, o que cria “um fluxo que possibilita formular projetos, colocar para aprovação e conseguir financiamentos”, destaca.

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Camila Vieira, coordenadora de Cinema e Audiovisual da Secult, contextualiza: “Em 2023, lançamos cinco editais de audiovisual com recursos da Lei Paulo Gustavo”. Os pagamentos, informa, foram finalizados em dezembro de 2024.

“Do ponto de vista da previsibilidade no lançamento dos Editais, a Secult Ceará tem o compromisso de investimentos anuais. Até o final da gestão deve-se lançar editais em 2025 e 2026”, adianta.

Dependência de recursos federais

O presidente da CEAVI também aponta a ausência de recursos do Estado na atual edição do edital como um ponto negativo no contexto. “Mais uma vez a gente está se apoiando no recurso federal, mas o governo do Estado do Ceará não está botando grana”, resume. 

“Os valores ainda estão um pouco abaixo e poderiam, deveriam, ser complementados pelo governo do Estado do Ceará, afinal são filmes daqui, que valorizam a nossa cultura, nosso cenário e nossos artistas. Deveria ter sido complementado para que fosse um edital um pouco mais robusto”, avalia. 

A conjunção de recursos federais e estaduais na composição orçamentária dos editais já ocorreu, por exemplo, na 13ª edição, de 2016, onde foram investidos R$ 7 milhões do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), instância federal, e R$ 5,9 milhões do Tesouro Estadual. Na época, a chamada política de arranjos regionais estava em pleno funcionamento. 

Investimentos e projetos contemplados nas três mais recentes edições do edital

  • 2016 - XIII Edital Ceará de Cinema e Vídeo: 46 projetos contemplados e R$12.920.078,87 em total de recursos investidos (R$7.009.242,87 advindos do Fundo Setorial do Audiovisual através dos Arranjos Regionais e R$5.910.836,00 do Tesouro Estadual)
  • 2022 - XIV Edital Ceará de Cinema e Vídeo: 79 projetos contemplados e R$9.846.135,00 investidos, oriundos do Fundo Estadual da Cultura (FEC)

  • 2025 - XV Edital Ceará de Cinema e Vídeo: 114 projetos e R$ R$15.900.000,00 investidos, oriundos da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura

“As políticas públicas no Brasil são fruto de um pacto federativo, então o plano de investimentos da Secult Ceará é composto por recursos próprios e recursos do Governo Federal, a exemplo de outras áreas”, aponta Camila. “Na lógica federativa brasileira todas as políticas públicas consolidadas contam com investimentos federais, nas políticas culturais a realidade não é diferente”, reforça.

Ausências acentuadas

Outros pontos questionados envolvem a ausência de reserva de vagas para pessoas trans, fato definido pela atriz, diretora e pesquisadora Noá Bonoba como um “retrocesso das políticas afirmativas”

“A gente teve em edital passado a reserva de vagas para pessoas trans e, já nesse, perdeu essa conquista. O Ceará é referência tanto no que é produzido aqui como no número de artistas trans que existem nesse Estado. É muito triste perceber que não está tendo uma continuidade dessa conquista, bastou vir um novo edital que houve esse retrocesso”
Noá Bonoba
atriz, diretora e pesquisadora

Já Raylane destaca a ausência da formação na edição da chamada. “A inexistência de iniciativas voltadas à capacitação de profissionais compromete o desenvolvimento sustentável do setor”, compreende a produtora.

Produtoras e cineastas estreantes têm ênfase na atual edição do Edital Ceará de Cinema e Audiovisual
Legenda: Produtoras e cineastas estreantes têm ênfase na atual edição do Edital Ceará de Cinema e Audiovisual
Foto: Argumento Produções / Divulgação

Ela também aponta como "restrita" a possibilidade de participação de produtoras já consolidadas nas categorias de longas. “Para que a política pública seja realmente efetiva, é imprescindível equilibrar o incentivo a novos realizadores com o fortalecimento das empresas já estabelecidas”, argumenta. 

A demanda é fruto de uma das novidades da chamada neste ano, que prevê uma categoria para produção e finalização de longa-metragem exclusiva para produtoras ou cineastas estreantes.

Estruturação do 15º Edital Ceará de Cinema e Audiovisual 

Modalidade  1 - Produção e Finalização, dividida em cinco categorias:

  • Produção e finalização de longa-metragem - Produção e direção estreante;

  • Produção e finalização de curta-metragem - Ficção;

  • Produção e finalização de curta-metragem - Documentário;

  • Produção e finalização de curta-metragem - Animação;

  • Finalização de longa-metragem ou série.

Modalidade  2 - Roteiro, dividida em duas categorias:

  • Roteiro de longa-metragem ou série - Projetos iniciantes;
  • Roteiro de longa-metragem ou série - Projetos em desenvolvimento.

Modalidade 3 - Difusão, dividida em duas categorias:

  • Distribuição de longas-metragens e séries;

  • Apoio a plataformas de streaming para licenciamentos de curtas-metragens, longas-metragens e séries.

Modalidade 4 - Cineclubes, dividida em duas categorias:

  • Manutenção de cineclubes;

  • Criação de cineclubes.

Camila explica que o planejamento da Secult prevê contemplar, “em edições alternadas, diferentes eixos da cadeia produtiva do audiovisual”. Nos editais da LPG, o foco foi acentuado em longas-metragens, com investimento na casa dos R$ 50 milhões. Agora, “a ênfase maior está em finalização, curtas e distribuição”, explica. 

Acerca das demais demandas, a coordenadora reforça que a “Secult Ceará tem como premissa, para definição dos investimentos em fomento, a realização de diálogos prévios com o setor”, com “debates sobre temas e valores” em instâncias como o Conselho Estadual de Políticas Culturais.

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Apesar da demanda por mais espaço para longas e produtoras não estreantes, os profissionais também reconhecem a importância do espaço destinado a outros formatos no edital.

“A separação dos valores destinados a curtas-metragens em categorias distintas – animação, documentário e ficção – demonstra sensibilidade às especificidades de cada segmento e contribui para o estímulo a uma produção diversificada”, celebra Raylane. “Ele tem uma diversidade de modalidades e categorias, o que é ótimo para o setor, porque elas se retroalimentam, se apoiam. A gente tem produção, desenvolvimento, cineclube, difusão, distribuição, isso é muito bom para o ecossistema do setor”, reforça Roger.

O produtor e presidente da CEAVI comemora, ainda, o “diálogo com o setor”. “A gente teve desde o começo reuniões da equipe apresentando a ideia que tiveram, tirando dúvidas, se colocando à disposição. É um amadurecimento da Secult, um acesso mais facilitado”, afirma.

Gestos como contemplar a finalização de longa-metragem ou série e a divisão da modalidade de roteiro entre “projetos iniciantes” e “projetos em desenvolvimento” também foram, partilha Camila, fruto das escutas prévias ao lançamento do edital.

“Futuro promissor” no horizonte

Uma das modalidades do edital é dedicada à difusão, aspecto ressaltado por Roger Pires como um dos pontos que mais precisa de melhorias no contexto do Estado. 

“A gente precisa fazer com que as nossas obras cheguem aos públicos, sejam vendidas para as TVs, ocupem as bilheterias do cinema de forma legal, que as pessoas saibam que o filme está lá, paguem ingresso ou assistam nas TVs. No da distribuição, a gente ainda precisa melhorar”
Roger Pires
presidente da CEAVI

Para tanto, ele destaca o programa Ceará Filmes, que vem sendo construído pelo Governo do Estado em prol de fomentar o desenvolvimento do audiovisual no Estado em diferentes âmbitos, como uma ferramenta para “potencializar as produções para a difusão”.

“Uma empresa pública com mais agilidade, criatividade, modernidade e mais equipe especializada pode trazer para esses editais, para esses financiamentos, ainda mais potencial”, acredita. 

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A estruturação do programa, avança Roger, pode fortalecer os recursos destinados ao setor, seja no principal edital ou em outros.

“Quanto mais dinheiro a gente investe no filme, é mais emprego, mais renda e mais potencial de que ele seja revertido em marca para o Ceará, para o cinema cearense e para a cultura do Brasil”, avança o presidente da CEAVI.

Nas palavras de Camila Vieira, “a Ceará Filmes não é uma nova política, é um novo arranjo institucional com envergadura e investimento para fortalecer as Políticas de Audiovisual e Games no Estado do Ceará”. A implantação do programa segue em fase de consultoria neste ano objetivando a construção da minuta do projeto de lei, entre outras ações.

Entre conquistas e desafios, Raylane reafirma o Edital Ceará de Cinema e Audiovisual como “um marco na valorização da cultura e no fortalecimento da economia criativa do Estado”. 

“Sua potência reside também na capacidade de se reinventar, atendendo às demandas de um setor em evolução e consolidando um legado que transcende gerações. Contudo, mesmo diante desse avanço, é imperativo manter uma postura crítica e aprimorar continuamente os mecanismos de incentivo, a fim de potencializar a vasta criatividade e o dinamismo que caracterizam o audiovisual cearense, assegurando-lhe um futuro ainda mais promissor"
Raylane Neres
diretora da Argumento Produções

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