Legislativo Judiciário Executivo

Cinco pontos para entender a nova crise na oposição no Ceará após críticas de Ciro a Bolsonaro

Após operação da PF contra o ex-presidente, Ciro fez críticas ao ex-mandatário e André Fernandes reagiu

(Atualizado às 06:12)
Ciro durante café da oposição com deputados do União Brasil e do PL
Legenda: O ex-ministro Ciro Gomes atacou Bolsonaro em vídeo nas redes sociais, chegando a classificar as ações recentes da família Bolsonaro de “burrice”
Foto: Thiago Gadelha

A operação da Polícia Federal (PF) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), nessa sexta-feira (18), teve efeitos imediatos na política cearense. Após meses de esforço para formar uma espécie de frente ampla de oposição no Estado, lideranças locais recuaram do entendimento que vinha sendo costurado para as eleições de 2026.

O estopim da crise foi a reação divergente entre alguns dos principais nomes do grupo. Enquanto bolsonaristas fiéis saíram em defesa do ex-presidente, o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) atacou Bolsonaro em vídeo nas redes sociais, chegando a classificar as ações recentes da família e aliados de Bolsonaro de “burrice”.

O deputado federal André Fernandes (PL), aliado de primeira hora do ex-presidente e futuro presidente estadual da sigla, reagiu imediatamente. Ele anunciou que o PL terá candidaturas próprias ao Governo do Ceará e ao Senado no próximo ano. A fala foi como um balde de água fria nas articulações lideradas por nomes como Capitão Wagner (União Brasil) e Roberto Cláudio (sem partido), que tentam costurar uma aliança mais ampla envolvendo União Brasil e PL no Ceará.

A fratura recente, no entanto, é apenas o capítulo mais visível desse desgaste. O cerco da Justiça ao ex-presidente, a dificuldade de diálogo com setores bolsonaristas mais tradicionais e as alas mais moderadas da direita, além da desconfiança mútua entre as lideranças já vinham trazendo obstáculos aos esforços de unidade.

Bolsonaro no olho do furacão

A operação de busca e apreensão contra Bolsonaro, realizada nessa sexta-feira, ocorre no momento de maior fragilidade política do ex-mandatário. Alvo de múltiplas frentes de investigação, o ex-presidente está inelegível até 2030 por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação em 2022. Na última segunda-feira (14), foi a vez do procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet, pedir a prisão do político no processo sobre a tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023.

Agora, Bolsonaro começa a usar tornozeleira eletrônica, sendo monitorado 24 horas. Ele não poderá acessar redes sociais e deverá permanecer em casa entre 19h e 6h. Bolsonaro também fica impedido de falar com o filho, Eduardo Bolsonaro, que está nos Estados Unidos articulando sanções contra adversários políticos no Brasil — o que motivou a busca e apreensão contra o pai dele — e não pode falar com embaixadores, diplomatas estrangeiros e outros réus ou investigados.

Veja também

Diante da ofensiva, o político tenta reagir. Logo após receber a tornozeleira eletrônica, ele concedeu entrevista à imprensa e disse que sofre "suprema humilhação". Bolsonaro ainda negou ter planos de fugir do Brasil para se esconder nos Estados Unidos, onde seu filho, Eduardo Bolsonaro, reside atualmente. "A suspeita é que é um exagero. Já é a quarta busca e apreensão em cima de mim. Poxa, eu sou ex-presidente da república, tenho 70 anos de idade. É uma suprema humilhação", criticou.

Presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto disse que viu com “repúdio e estranheza” a operação. “O PL considera a medida determinada pelo Supremo Tribunal Federal desproporcional, sobretudo pela ausência de qualquer resistência ou negativa por parte do presidente Bolsonaro em colaborar com todos os órgãos de investigação”, disse em nota.

No Ceará, o atual presidente do PL Ceará, o deputado estadual Carmelo Neto (PL), disse que Bolsonaro é vítima do "ditador da toga", em referência ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator do caso. "Sem crime, sem condenação, sem prova (...) É uma sacanagem, uma perseguição política escancarada", criticou.

Futuro presidente do PL Ceará, André Fernandes também publicou um vídeo em que também ataca o ministro. "Tem que ser muito inocente ou muito babaca para aplaudir as atitudes de Alexandre de Moraes, o STF é um câncer no Brasil, em específico Alexandre de Moraes (...) Covarde, tua hora vai chegar, tu vai pagar por tudo que tu está fazendo", disse.

Ciro e a “burrice dos Bolsonaros”

Após meses de trato público moderado com lideranças do PL, o ex-ministro Ciro Gomes decidiu subir o tom contra a família Bolsonaro nessa sexta-feira (18). Ele publicou um vídeo, nas redes sociais, no qual critica o presidente Lula (PT) e a "tremenda burrice dos Bolsonaros” nos conflitos tarifários entre Brasil e Estados Unidos. 

“Vou tentar superar a minha tristeza e expressar a minha revolta com este quadro sempre, vendo o Lula fazendo piada com a gravidade da situação, mas claramente comemorando a grande besteira dos Bolsonaros – pai, filhos e aliados, como, surpreendentemente, até o governador de São Paulo (Tarcísio de Freitas)”, disse.

Montagem com duas imagens lado a lado de Ciro Gomes, homem de cabelos grisalhos, vestindo uma camisa bege com botões marrons. Ele aparece em um ambiente interno com persianas de madeira ao fundo. Na imagem à esquerda, está com expressão de surpresa ou ênfase; na imagem à direita, aparenta estar falando com seriedade. Ambas as cenas indicam um momento de fala direta à câmera, durante um vídeo de pronunciamento.
Legenda: Ciro Gomes publicou um vídeo no Instagram com críticas à Família Bolsonaro.
Foto: Reprodução/Instagram

Há anos buscando se viabilizar como representante da “terceira via”, Ciro voltou a adotar o habitual discurso de críticas a Jair Bolsonaro e a Lula. Foi assim também com o escândalo do INSS, que ganhou os noticiários em abril deste ano. 

"Lula e Bolsonaro só pensam em eleição… O Brasil que se exploda!", escreveu, ainda, na legenda da publicação.

Naturalmente, o posicionamento desagradou expoentes locais do bolsonarismo, como o deputado federal André Fernandes, futuro presidente do PL Ceará. O próximo dirigente da legenda deixou os elogios a Ciro de lado e sinalizou que nem o ex-ministro, nem Roberto Cláudio (sem partido), principal aliado do pedetista, teriam o seu apoio em 2026. 

O Partido Liberal terá candidatura própria ao Governo do Ceará e ao Senado Federal. Me esforçarei para unir a oposição no Ceará e fazer uma grande aliança, mas o cenário político atual impõe, como condição essencial, que o candidato ao Governo seja do nosso Partido, que represente os nossos valores e que não seja mais do mesmo.
André Fernandes (PL)
Deputado federal

O colunista e editor do PontoPoder, Wagner Mendes, apurou que o PL Ceará vê ausência de alinhamento maior de Ciro com o discurso da direita. Em meio a isso, Ciro até chegou a indicar um "esforço absolutamente notável de superar" as divergências de posicionamento entre os integrantes da oposição no Ceará. 

Contudo, com as declarações mais recentes, ele tem atrapalhado a aliança local que o grupo busca construir, segundo as apurações. Como resultado, a decisão de Fernandes impacta diretamente outras legendas de oposição, que trabalhavam pela construção de chapas majoritárias unificadas, com União Brasil, PL e outros.

Presidente estadual do União, Wagner foi procurado pelo PontoPoder nessa sexta-feira (18) e disse não ia comentar o novo desdobramento “sem antes entender essa mudança”. A reportagem também acionou o ex-prefeito Roberto Cláudio, que deve se filiar à mesma sigla em breve, mas este se manteve em silêncio.

A reportagem ainda buscou Ciro Gomes para comentários sobre como os últimos acontecimentos podem impactar a sua estratégia e grupo político, mas ele não se pronunciou até o momento. 

Ciro é alvo de desconfianças desde que se aproximou de bolsonaristas

Apesar do endosso de parte dos bolsonaristas, que viam nele a capacidade de “tremer as bases” pela oposição nas eleições, Ciro nunca chegou a ser unanimidade no grupo. O argumento é o mesmo usado para justificar o distanciamento com o PL nessa sexta-feira: o discurso inflamado contra Bolsonaro e seu entorno.

Para o senador Eduardo Girão (Novo), por exemplo, é “muito estranho” o relacionamento que a direita vem construindo com figuras como Ciro Gomes e Roberto Cláudio. 

“Acordão na direita para alguém que não é de direita estar na cabeça, estar na frente de uma locomotiva de mudanças que precisa no estado do Ceará? (...) Essa turma estava com o PT há pouco tempo atrás e agora quer pintar de oposição, que vai mudar. Que história é essa? A política precisa ter coerência, a direita tem que ter muito cuidado para não ser sufocada", declarou, em junho, ao canal "Ceará Antenado".

Na mesma linha, a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) fez um alerta a bolsonaristas pela aproximação com o ex-ministro. “Cuidado, direita! Este homem me chamava de bandida por não concordar com minha posição conservadora. Agora ele quer aliança com a gente?”, disse pelas redes sociais. Outras figuras, como Rogério Marinho (PL) e Bia Kicis (PL), além de Carmelo Neto e Capitão Wagner, chegaram a levantar dúvidas sobre a candidatura de Ciro. Os dois últimos, apesar disso, sinalizaram boa relação com o pedetista. 

Tudo isso se deve ao histórico de animosidade cultivado por ambas lideranças. Em 2022, por exemplo, Ciro chamou Bolsonaro de "presidente imbecil e criminoso", entre outros termos, durante a campanha eleitoral ao Planalto. 

Antes, em 2021, a Polícia Federal chegou a abrir um inquérito contra o pedetista a pedido de Bolsonaro, após entrevista em que o primeiro criticou o ex-presidente e o chamou de ladrão. Devido à intriga, ele evitou comentar a aproximação de Ciro ao PL nos últimos meses.

“Conversa com o André (Fernandes) aí”, rebateu Bolsonaro ao ser questionado sobre o assunto, durante visita a Fortaleza em meio deste ano.

Veja também

Bolsonaristas cobram lealdade de aliados

Assim como desconfiam dos novos aliados, os bolsonaristas, historicamente, mantém uma forte vigília em torno da lealdade dos aliados. No Ceará, há episódios em que isso foi decisivo em articulações pré-eleitorais e campanhas, resultado até na expulsão de deputados federais eleitos pela legenda.

Capitão Wagner foi outro alvo dessa cobrança. Em 2020, quando concorreu à Prefeitura de Fortaleza, ele foi criticado por receber apoio de aliados do ex-presidente e até mesmo de Bolsonaro (à época em que ele estava na Presidência) e não retribuir na mesma moeda, segundo os insatisfeitos.

O distanciamento entre Wagner e André Fernandes, por exemplo, ficou mais evidente no ano passado, quando ambos disputaram a Prefeitura de Fortaleza e trocaram duras acusações no primeiro turno. Já no segundo turno, eles se reaproximaram, contudo, logo após o pleito, declarações do bolsonarista de que o PL comandaria chapas em 2026 sinalizaram um plano de isolamento dos aliados do ex-presidente.

Futuro de Ciro em 2026 pode colocá-lo como adversário dos bolsonaristas

Ao mesmo tempo, Ciro não tem dado sinais recentes que a aproximação com bolsonaristas significa uma adesão ao projeto do PL. Nas últimas semanas, o político manteve conversas com lideranças do PSDB e do União Brasil, todas com o plano de fundo de uma possível candidatura em 2026. Aliados do ex-ministro pressionam para que ele volte a disputar cargos eletivos, apesar das negativas públicas do pedetista.

Conforme apurou o PontoPoder, ele planeja seguir no PDT até setembro deste ano, em seguida, partir para outra legenda por considerar a permanência entre os quadros pedetista como “insustentável”. Diante desse diagnóstico, o presidente nacional do União Brasil, Antônio Rueda, entrou em contato com o ex-governador do Ceará e o convidou para se filiar à sigla.

Paralelamente, Ciro também esteve com Tasso Jereissati (PSDB), na última terça-feira (15), e foi convidado a se filiar ao partido. A interlocutores, o pedetista disse que tem “questões antigas” com os tucanos que precisam ser alinhadas.

Ainda de acordo com apuração do PontoPoder, tanto nas tratativas com o União Brasil quanto com o PSDB, Ciro é cotado para uma candidatura regional, possivelmente para tentar retornar ao comando do Governo do Estado.

O desafio de unir os diferentes

Ao mesmo tempo em André Fernandes retoma os planos de lançar uma chapa própria do PL e Ciro articula uma mudança de partido que pode colocá-lo na disputa eleitoral, a nova crise expõe as limitações da costura de uma frente ampla no campo da oposição no Ceará, sobretudo diante da polarização nacional e da disputa por liderança entre bolsonaristas e nomes mais moderados. A pouco mais de um ano das eleições, a oposição cearense encara a decisão se caminhará unida ou se seguirá dividida.

Este conteúdo é útil para você?
Assuntos Relacionados