'Superprédios': quem avalia e tem o poder de autorizar a construção em Fortaleza?
Nos últimos anos, a Capital tem visto a construção de prédios cada vez mais altos se expandir, sobretudo, em bairros da área nobre e próximos à Beira-Mar
Prédios de 120, 130 até 160 metros de altura. Fortaleza, nos últimos anos, tem visto aumentar o número de arranhas-céus. Um dos pontos da mudança é o mecanismo regulamentado pela Prefeitura, a: Outorga Onerosa. Por meio desse dispositivo, construtores que querem alterar legalmente parâmetros urbanísticos e, por exemplo, construir acima da altura estipulada, demandam, passam por avaliação e, se autorizados, pagam um valor à Prefeitura para executarem a obra.
Mas o uso do mecanismo que afeta a cidade de forma coletiva requer cautela. E, no processo, quem avalia e tem o poder de autorizar ou não a construção de "super prédios" em Fortaleza? É apenas o poder público? A sociedade civil é consultada para a tomada de decisão? Quais entidades participam do debate técnico?
A Outorga Onerosa, como o nome indica, é uma concessão do poder público ao mercado imobiliário, prevista em normas legais como o Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001) e também no Plano Diretor Municipal (lei que organiza e orienta como a cidade deve crescer). Em Fortaleza, o Plano Diretor vigora desde 2009 e na atualidade passa por processo de revisão.
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Esse dispositivo pode ser acionado quando o construtor requer o direito de flexibilizar alguns parâmetros como a altura, o índice de aproveitamento do terreno ou os recuos.
Conforme já noticiado pelo Diário do Nordeste, são exemplos de uso da Outorga:
- O maior prédio de Fortaleza, situado no Mucuripe, cujo limite de altura na área era de 72 metros e foi autorizada a elevação, que faz com que ele tenha 160 metros;
- O prédio que ocupará lugar da última casa da Beira-Mar, também no Mucuripe, que foi autorizado a ter 93 metros acima do limite estipulado.
Mas, a construtora que quer utilizar essa concessão precisa pagar uma contrapartida em dinheiro à Prefeitura, se a mudança de índice for permitida após avaliação.
O valor arrecadado vai para o Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano de Fortaleza (Fundurb) e deve ser utilizado na conservação urbanística, em programas de urbanização e obras de infraestrutura nas zonas adensadas com carência de serviços.
Na prática, é usado dentre outros, no asfaltamento, na drenagem e na melhoria das calçadas.
Quem avalia?
Em Fortaleza, desde 2009 o Plano Diretor estabelece a Outorga Onerosa, mas a regulamentação desse uso só ocorreu em 2015, quando, à época, a Prefeitura aprovou as leis municipais 10.335/2015 e 10.431/2015.
Com isso, a utilização do mecanismo, que possibilita, por exemplo, que o prédio aumente de altura, entrou no cotidiano da cidade. Desde então, os pedidos de Outorga ocorrem ano após ano.
O Plano Diretor também estabelece que a análise e a aprovação dos projetos especiais - que hoje incluem a concessão de Outorgas - ficam submetidas à Comissão Permanente do Plano Diretor (CPPD). Mas deve ocorrer dessa forma enquanto o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano não for regulamentado. E esse é um dos pontos de crítica.
O Conselho previsto no Plano Diretor, cuja composição pode representar uma maior participação da sociedade civil em decisões que afetam, por exemplo, a construção dos super prédios em Fortaleza, deveria ter sido regulamentado ainda em 2009, em até 6 meses após a aprovação da Lei.
Mas, após mais de 10 anos, nenhuma gestão (Luizianne Lins, Roberto Cláudio e, agora, Sarto Nogueira) o regulamentou.
Com isso, cabe um colegiado, chamado de Comissão Permanente de Avaliação do Plano Diretor (CPPD) avaliar os pedidos de Outorga Onerosa e, consequentemente, deliberar sobre os pedidos que envolvem o aumento da altura das edificações.
Quem compõe essa Comissão?
Essa Comissão é colegiado ligado ao órgão de planejamento urbano do Município, no caso, a Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma). A composição mais recente foi estabelecida pelo Decreto Municipal 13.262, de dezembro de 2013.
As reuniões ocorrem mensalmente e, conforme a Seuma, são públicas. As atas sobre as decisões podem ser consultadas no site do órgão.
Na lista de componentes, constam os seguintes membros:
Da gestão municipal
- Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma)
- Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC)
- Procuradoria Geral do Município (PGM)
- Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (SDE)
- Secretaria de Finanças do Município (Sefin)
- Secretaria Municipal da Infraestrutura (Seinf)
- Instituto de Planejamento de Fortaleza (Iplanfor)
- Secretaria Municipal de Habitação (Habitafor)
- Gabinete do Prefeito
- Empresa de Transporte de Fortaleza
- Secretaria de Conservação e Serviços Públicos
- Secretaria Municipal de Gestão Regional
- Secretaria Municipal de Governo
De outras representações
- Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental
- Associação Comercial do Ceará
- Associação Cearense dos Engenheiros Civis
- Associação dos Geógrafos Brasileiros
- Câmara de Dirigentes Lojistas de Fortaleza (CDL)
- Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor)
- Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Ceará (CREA)
- Departamento Estadual de Trânsito (Detran)
- Federação de Bairros e Favelas de Fortaleza
- Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB)
- Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Ceará (Sindionibus)
- Sindicato da Construção Civil (Sinduscon)
- Universidade Federal do Ceará (UFC)
Baixa participação popular
Uma das críticas à CPPD é que, embora a quantidade de representantes ligados ao poder público seja equivalente às demais representações, com 13 integrantes em cada, falta uma maior representação da sociedade civil.
Isso porque o rol de entidades não vinculadas ao poder público engloba desde associações profissionais até sindicatos de empresários. Com reduzida representação popular, por exemplo.
Questionada sobre essa queixa acerca da CPPD, a titular da Seuma, secretária Luciana Lobo, argumentou que, conforme já mencionado, enquanto não for regulamentado o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano, cabe à Comissão analisar e aprovar os projetos especiais.
Logo, destaca ela, o funcionamento da CPPD atende a legislação em vigor. Ela acrescentou que a CPPD “tem composição paritária estabelecida em lei, entre os membros representantes cito o Instituto dos Arquitetos do Brasil, a Universidade Federal do Ceará e a Federação de Bairros e Favelas de Fortaleza”.
Outro ponto destacado pela secretária é que as atas e documentos apresentados nas reuniões são públicos e podem ser conferidos no Canal Urbanismo e Meio Ambiente da Seuma.
Nos registros das votações das Outorgas, constam exatamente quais construtoras solicitaram a concessão, quais parâmetros devem ser alterados e o valores a serem pagos. Bem como a posição de cada entidade presente na reunião da CPPD.
Por que o Conselho não foi implementado?
A criação do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano, previsto no Plano Diretor de 2009, é vislumbrada como uma possibilidade da sociedade ter maior acesso, participação e transparência nas decisões que influenciam o planejamento de Fortaleza.
Com a existência do Conselho, defende-se que projetos como os que pedem alteração de índice de aproveitamento, e podem resultar em aumento de altura, tenham maior exposição e a cidade possa debater, por exemplo, os fundamentos técnicos, jurídicos, econômicos, sociais e políticos que justificam a aprovação.
A criação do Conselho depende do envio de projeto de lei da Prefeitura para a Câmara. Na gestão passada, o prefeito Roberto Cláudio chegou a mandar uma proposta para o legislativo, mas polêmicas relacionadas ao teor do texto fizeram a Prefeitura recuar. O líder do Governo na câmara, à época, pediu a retirada do projeto de tramitação.
“A CPPD tem natureza diferente do Conselho. Na CPPD a participação é paritária entre sociedade civil e Prefeitura. Os conselheiros que fazem parte da comissão são selecionados pela própria Prefeitura. Então, a própria participação na CPPD é superficial. No Conselho, esses agentes deveriam passar por um processo de eleição”.
O arquiteto e coordenador da Comissão de Política Urbana do CAU, Henrique Alves, pondera que a ferramenta da Outorga Onerosa deve ser usada com cautela e ressalta que há dimensões técnicas a serem consideradas, mas também impactos coletivos e sociais na decisão. Isto porque, o aumento do índice de construção - que gera o acréscimo de altura - tem impacto não só no empreendimento em si.
“A gente acaba tendo uma Comissão que não é de fato representativa da totalidade da cidade”, acrescenta ele. “As arenas de debates oficiais como o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano precisam ser implantadas com a característica de ser democrático também”, reforça.