O que você faz com sua tristeza?
A tristeza nos convoca a pensar, a olhar para os outros, a lidar com limites, a nos perdoar, a aprender, a amar, a compreender, a criar

Vivemos em uma sociedade que oferece a falsa ideia de uma felicidade permanente, de uma ode à alegria ininterrupta, de uma vida de prazer e ilusões, atrelada a uma gama de produtos, com preços e narrativas diversas que prometem a alegria encapsulada. Além disso, a incapacidade de viver a alegria constante e o sucesso que os outros vivem, amplamente divulgadas e comercializada nas redes sociais, remete, na ausência de críticas, à sensação de fracasso do sujeito.
Como se todos pudessem ser felizes e se você não o é, o problema é seu. Além de descaracterizar toda a complexidade da subjetividade humana, suas potências e limites, cria-se uma falsa ideia de meritocracia e uma homogeneização de desejos, com anuência perversa de jogos de poder e consumo.
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Assim, cada vez mais, a tristeza parece um monstro a ser exterminado, uma emoção a ser afastada o mais breve e rápido possível, algo que não posso sentir, falar, partilhar e consequentemente conter. Desta forma, quando a vida apresenta seus impactos, suas perdas, dores, lutos, fracassos, necessidade de elaboração, introspecção e reflexão sobre o vivido, o sujeito se apavora e necessita de algum tipo de aditivo, anestesia ou fuga de si.
Incapazes de experimentar a tristeza, ficamos sem recursos para exercitar a reparação, integrar os fracassos, perceber os limites, chorar, pedir ajuda, ampliar os recursos emocionais.
Sem poder lidar com a dor, paradoxalmente, não conseguimos experimentar alegria, não podemos saborear as coisas boas, pois o temor do sofrimento, caso elas sejam perdidas, pode ser aterrador. Aquele que teme a tristeza, fica refém da necessidade de hiperestimulação, de gratificações constantes, vínculos superficiais, tem dificuldade de convívio com sua própria companhia. Não poder conter a dor, não poder falar, partilhar, elaborar, pode levar à impulsividade e ao desespero.
Esse incentivo a uma vida de puro prazer, de constantes alegrias, de fuga do sofrimento, de alienação ao consumo, de compras contínuas que prometem a mágica de proteger da dor, da angústia, da solidão, da tristeza, do desamparo, do desamor é aliada da banalização da complexidade da vida e da desvalorização da intimidade.
A tristeza nos convoca a pensar, a olhar para os outros, a lidar com limites, a nos perdoar, a aprender, a amar, a compreender, a criar. Absolutos, perfeitos, com tudo, sem nunca perder nada, onipotentes, torna o outro desnecessário, o pensar uma chatice, infla a arrogância,
Você bebe a sua tristeza, você come a sua tristeza, você faz coisas sem parar para fugir dela? Você vai fazer compras, você agride, você escreve, você trabalha mais, você desenha a sua tristeza, você vai namorar, você fica horas nas redes sociais tentando anestesiar o sentir e o pensar? Você joga, você aposta?
Você se ataca, você vai praticar esportes? Você toma remédio? Você pede ajuda? Você conversa com amigos? Você procura sua família? Você se culpa? Você se perdoa? Você se acolhe ? Você se julga e se condena? Você se compara? Você se aquieta? Você se agita? Você faz arte, você conversa, você se acolhe, você compreende a sua dor, você se permite chorar, você fala, você procura ajuda? Você percebe a tristeza e a dor no adoecer do corpo?
Você identifica as violências, os mecanismos de opressão? Você entende que tem momentos que a saúde é sentir a tristeza? Você trabalha desesperadamente quando triste? Você desgosta de você quando fracassa? Você se submete à ilusões e ideias de soluções mágicas?
Poder integrar a tristeza na vida emocional é ampliar a dimensão do humano. Estar triste, experimentar o luto, as perdas, os limites, é libertador. Permite o encontro com os outros, consigo, com a delicadeza, mistério e assombro da existência.
Aquele que pode sentir a tristeza, acolhê-la, pensá-la, transformá-la, é aquele que se transforma, integra experiências, produz sabedoria e um viver em criatividade e pode sentir verdadeira alegria. A tristeza nos humaniza, nos destrona do narcisismo. E você, qual o preço que paga para ser você ou para fugir de si?
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.