De praia a Paris, hospital do CE ‘transporta’ pacientes internados com óculos de realidade virtual
Projeto visa humanizar atendimento e contribuir para a saúde mental de quem não pode sair dos leitos

Sentir o cheiro do mar, do peixe, do sol. Visitar as ruas de arquitetura singular de Paris, de Londres. Tudo isso sem sair do leito de internação. A experiência tem sido proporcionada por meio de óculos de realidade virtual (VR) a pessoas internadas no Hospital Geral Dr. Waldemar de Alcântara (HGWA), em Fortaleza.
Por meio do projeto, pacientes em internações de longa duração são “transportados” a lugares de conforto – ou de sonho –, saindo da estranheza da rotina hospitalar, como explica a psicóloga Chirliane Alves, que tem acompanhado as intervenções nas últimas semanas.
“Como o óculos utiliza a internet, os locais que eles podem visitar são múltiplas possibilidades: o fundo do mar, uma paisagem, um país. Vemos qual o desejo dele e programamos esse passeio”, pontua a profissional.

Óculos de realidade virtual são dispositivos que, ao serem colocados no rosto, criam um ambiente digital ao redor do usuário. Por meio de telas e sensores, o objeto simula a sensação de que a pessoa está em qualquer outro ambiente, podendo até “interagir” com ele.
A percepção pode ser real a ponto de despertar outros sentidos, como aconteceu com João Marcelo, 52, internado no HGWA há pouco mais de um mês. “Eu me vi na praia, senti até o cheiro do mar. É um desejo que tenho há mais de dois anos”, declarou, em relato à Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa).
“Sempre que eu estava de folga do trabalho eu ia ver o mar. Até o cheiro do peixe me acalma, e ter essa visão me deixou muito feliz”, completou. Por uma complicação no quadro de saúde de João, a reportagem não conseguiu entrevistá-lo.
Veja também
Saúde mental
Para que o paciente possa utilizar o objeto, é preciso seguir critérios. “Ele precisa estar consciente, acordado, pra usufruir da experiência. Não tem como fazer intervenção desse modelo num paciente em coma ou desorientação intensa”, explica Chirliane.
Outro aspecto avaliado antes do acesso aos óculos é a linguagem. “Muitos pacientes têm outros dispositivos, como a traqueostomia, e não conseguem falar, mas se comunicam de outras formas”, destaca a psicóloga.
é o tempo médio durante o qual o hospital já utiliza os óculos de realidade virtual para humanizar o cotidiano de pacientes internados há muito tempo.
Os efeitos da intervenção na saúde mental dos pacientes, avalia a psicóloga, são visíveis. “A gente percebe muito a melhora do humor. Assim que chega com o óculos, normalmente eles já abrem o sorriso, apresentando essa receptividade. Esse recurso facilita isso.”
Para ela, permitir que a pessoa, em pleno leito de internação, escolha um lugar de conforto para “passear” é um resgate da subjetividade. “O paciente internado perde muito da sua singularidade, está num local estranho, com pessoas e procedimentos estranhos. Resgatar um pouco do que ele gosta e do que ele é melhora o humor”, destaca.
Repercussão no tratamento
Além da “mudança no semblante”, do impacto emocional e da redução dos sintomas de ansiedade, o projeto tem fortalecido a adesão dos pacientes ao tratamento, como observa a psicóloga.
“A pessoa é um todo. É corpo, mente, espírito, emoções, afetos. Por mais que esteja ali pra tratar o adoecimento físico, ela é tudo junto dentro dela. Esse acolhimento vai ajudar no cuidado integral. Ele não é a doença, é uma pessoa pra além da doença”, sentencia Chirliane.
O olhar integral, então, favorece o vínculo entre os profissionais e os pacientes. “Facilita para que ele se sinta acolhido e, dessa forma, fique mais aberto às intervenções de todas as categorias profissionais.”
“Como facilita nesse acolhimento das outras terapêuticas, se ele precisa fazer um procedimento da fisioterapia, ele se sentindo acolhido vai estar mais aberto. As próprias medicações são melhor recebidas.”
Transportar os pacientes a outros cantos por meio dos óculos, “uma iniciativa tão simples”, então, pode repercutir diretamente na redução do tempo de internação dos doentes. “Com ele aceitando todo esse tratamento proposto, o tratamento avança”, pondera Chirliane.
“É muito importante gerar esse momento de bem estar pro paciente. Ele está num momento desafiador, mas ele é o seu João, o seu Marcelo. É importante ver o sorriso e ver como uma coisa simples repercute de forma tão positiva, gera momentos de alegria mesmo em meio à dor”, finaliza a psicóloga.