Música, filme, pintura: quais os benefícios da arte no cotidiano para a saúde mental

Estímulos levam ao autoconhecimento e diferentes formas de expressão contribuem para o alívio da ansiedade e da depressão

Escrito por
Lucas Falconery lucas.falconery@svm.com.br
Mulher desenhando em atividade de arteterapia
Legenda: A arte contribui para organizar pensamentos e liberar emoções
Foto: Davi Rocha

Quando há um caos interno, a saída passa pela arte. Seja ao se emocionar com um filme ou ao extravasar a tensão na dança, as expressões artísticas do cotidiano funcionam como ferramenta de autoconhecimento e de alívio para transtornos como ansiedade e depressão. 

Já pensou ficar um dia sem ouvir música? Ou chegar em casa e não ter aquela série-conforto para abstrair dos acontecimentos no dia? A arte está no dia a dia e o Diário do Nordeste consultou especialistas para entender os benefícios disso para a mente.

Gueira Vilhena, psicóloga clínica com atuação em arterapia e psicodrama, e coordenadora pedagógica da Casa Criar - Cuidado em Saúde Sistêmica, avalia que a arte e a saúde estão intrinsecamente associadas desde o início da existência humana.

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“A arte é uma necessidade, é fruto da relação da Humanidade com o mundo, e não tem como estar com saúde na relação do mundo sem a arte", resume. Os benefícios do contato com expressões artísticas vão da melhora do humor ao processo de autoconhecimento. 

Confira a lista de vantagens citadas pela especialista:

  • Controle e prevenção do estresse 
  • Melhora nos níveis de bem-estar
  • Desenvolvimento de resiliência 
  • Diminuição de sintomas de depressão e de ansiedade
  • Autoconhecimento
  • Aprendizado sobre novas soluções para problemas cotidianos
  • Reconstrução de si

Isso porque consumir ou produzir arte tem a capacidade de organizar pensamentos e trazer para a superfície o que não está bem resolvido. 

“O contato com a arte, seja um quadro, uma escultura, uma peça de teatro, um filme, uma música, uma intervenção, pode gerar o despertar o acesso a estados internos que ficam represados e podem ser nós de adoecimento”, aponta a psicóloga.

Arteterapia aliada à cura

A arte é aliada ao processo de cuidados com a mente por meio do Movimento de Saúde Mental do Bom Jardim em parceria com o Centro de Atenção Psicossocial do bairro. Por lá, numa palhoça – uma estrutura redonda com cobertura de palha – a reportagem acompanhou uma atividade artística na última semana.

Reunião para arteterapia
Legenda: Arteterapia funciona de forma simples e engaja pacientes e comunidade geral
Foto: Davi Rocha

Por lá, um grupo de pacientes e de pessoas da comunidade foram desafiados a desenhar objetos espalhados no centro do espaço. Depois, a dinâmica foi contar sobre as memórias do que foi colocado no papel.

"Desenhei um teclado porque foi o último presente que meu pai me deu antes de falecer" e “Eu fiz uma casinha pequena que quase não aguentava meus 16 irmãos no interior” estão entre os relatos emocionais e que voltam à superfície depois do estímulo guiado por uma mediadora. Chamar todos pelo nome e com a voz suave faz parte do trabalho.

os participantes produzem o
Legenda: Em conjunto, os participantes produzem o "fuxico" como arte
Foto: Davi Rocha

No prédio ao lado, a Casa AME (Arte, Música e Espetáculo) realiza atividades cotidianas para trabalhar a saúde mental, “de janeiro a janeiro”, como frisam. 

"Temos a arteterapia, às segundas-feiras é o fuxico terapia, que não é a fofoca, mas uma florzinha feita de tecido. Nas quartas-pela manhã, eu participo do grupo Arte e Vida com pessoas acolhidas pelo Caps e trabalhamos qualquer forma de arte", explica a arterapeuta Balbina Lucas.

A arte faz com que você, além de usar a criatividade, tenha um tempo seu, trabalhe a ansiedade e as preocupações. A gente faz uma partilha ao fim da atividade e escutamos 'hoje eu fiquei melhor' e 'estou mais calmo'
Balbina Lucas
Arterapeuta

Nathalia Soares, de 22 anos, encontra na palhoça, desde o último novembro, o local para cantar sempre que possível como uma forma de aliviar o luto ainda pulsante. "Eu perdi meu pai e minha avó no mesmo ano e no mesmo hospital. Eles estavam ao meu lado e, infelizmente, eu vi a partida deles", compartilha.

Desde então, as crises de ansiedade são mais intensas e acompanham os episódios de convulsões quando chega, inclusive, a se machucar. "Algumas pessoas não me levam a sério, dizem para eu ir à igreja, só que a minha avó me trouxe no Caps. Naquele dia, teve uma terapia comunitária, contei a minha história e foi maravilhoso", conta.

Com apreço pelo sertanejo e pelo pop, o sonho de cantar dá forças para cuidar de si. "Eu gosto de compor, eu ainda não sei tocar o teclado que meu pai me deu, mas quero aprender. Eu quero postar vídeos cantando nas redes sociais", projeta. As amizades e o acolhimento neste momento, garante, 

Nathália sonha em se tornar cantora e usa os encontros para cuidar da saúde mental
Legenda: Nathália sonha em se tornar cantora e usa os encontros para cuidar da saúde mental
Foto: Davi Rocha

Já Aurilene Rodrigues, de 50 anos, se encontra no mundo das letras e está em processo de se tornar uma escritora de prosa poética. "Eu amo a literatura brasileira, principalmente a nordestina, e falo sobre a história de Fortaleza, amor platônico e o amor ágape", conta orgulhosa.

Acompanhada pelo Caps há 20 anos, tendo passado por processos depressivos, a arteterapia contribui para deixar a mente mais tranquila e focada no sonho literário. "As terapias são muito importantes para a nossa vida, estando aqui eu me sinto viva, uma pessoa mais completa e alegre", defende.

Aurilene se esforça para conseguir escrever o primeiro livro
Legenda: Aurilene se esforça para conseguir escrever o primeiro livro
Foto: Davi Rocha

Contato com a arte

A arte possui uma capacidade de cura, como avalia Gueira Vilhena. “O contato com a arte, seja um quadro, uma escultura, uma peça de teatro, um filme, uma música, uma intervenção, pode gerar o despertar o acesso a estados internos que ficam represados e podem ser nós de adoecimento”, aponta.

Além de consumir, produzir arte faz parte desse processo de recuperação. “Quando eu pego um papel e uso giz de cera, eu sou esse artista também. Quando uma pessoa reproduz uma obra de arte, ele revela as vivências mais íntimas e pessoais”, explica a psicóloga.

Às vezes a pessoa está travada ou presa há muito tempo em um assunto e com o recurso artístico a gente percebe que a pessoa acelera o processo
Gueira Vilhena
Psicóloga

Por isso, a especialista recomenda utilizar espaços públicos que permitam o contato com expressões artísticas. Na capital cearense, cinemas, museus, grupos e shows musicais permitem esse tipo de vivência.

Telas físicas estão entre as formas de arte com contribuição para a saúde mental
Legenda: Telas físicas estão entre as formas de arte com contribuição para a saúde mental
Foto: Davi Rocha

"Em Fortaleza, a gente tem equipamentos com acesso a obras de arte de maneira gratuita com coisas incríveis, como o MIS (Museu da Imagem e do Som). Observe a reação das crianças diante daquelas projeções e o comportamento dos adultos querendo ser crianças de novo com aquela estética fantástica", exemplifica.

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