Brutalista: conheça prédios de Fortaleza com mesma arquitetura usada em filme indicado ao Oscar
Obras que realçam concreto armado e formas geométricas puras tiveram grande destaque na década de 1970

Estreou na última quinta-feira (6), nos cinemas brasileiros, o longa “O Brutalista”. Indicado a 10 Oscars, incluindo Melhor Filme, o drama de 3 horas e 35 minutos narra a história de um arquiteto imigrante buscando o sonho americano após a guerra na Europa. O termo do título se refere a um movimento arquitetônico característico da segunda metade do século XX que tem diversos exemplares em Fortaleza.
A enredo do longa segue a vida (fictícia) de László Tóth (Adrien Brody), um arquiteto judeu que foge da Hungria pós-Segunda Guerra Mundial. Contudo, nos Estados Unidos, ele enfrenta desafios ao ser contratado por um magnata para projetar um centro cultural brutalista.
O diretor Brady Corbet decidiu refletir sobre a relação entre estética e ideologia. O estilo brutalista segue fundamentos como grandiosidade e funcionalidade, mas também uma aparência de construção rígida usando sobretudo o concreto.
Em entrevistas de divulgação, Corbet alegou que essa arquitetura - que para ele pode canalizar sentimentos - reproduz a experiência resiliente dos imigrantes, que enfrentam adversidades e preconceitos, assim como o personagem de Brody.

Em Fortaleza, um dos principais prédios construídos pela influência do brutalismo foi o Plenário 13 de Maio, da Assembleia Legislativa do Ceará, atingido por um incêndio em junho de 2024 e reinaugurado meses depois.
Em dissertação do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o arquiteto Pedro Araújo Boaventura Filho se dedicou a descrever 24 edifícios brutalistas na capital cearense, construídos na cidade entre 1970 e 1988.
Segundo o pesquisador, no início da década de 1970, a arquitetura moderna de Fortaleza acompanhou movimentos da arquitetura brasileira que aconteciam desde o final dos anos 1950, tendo ecos especialmente em obras de instituições federais e estaduais.
“A partir de então se desenvolveu na cidade uma prática arquitetônica vinculada a essa nova sensibilidade, tendo se construído diversas obras institucionais de porte, além de um expressivo número de casas e edifícios residenciais”, escreveu.
Entre os principais expoentes do brutalismo na capital à época, estiveram os arquitetos Roberto Castelo, Nearco Araújo, Marrocos Aragão, Sérgio Bernardes, Fausto Nilo e Delberg Ponce de Leon.
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O que é o brutalismo?
O brutalismo é considerado uma das correntes do Modernismo. Em entrevista anterior ao Diário do Nordeste, Lucas Rozzoline, conselheiro federal do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) pelo Ceará, apontou que essa vertente representa um estilo que valoriza materiais “mais simples, mais expostos, mais verdadeiros, sem revestimentos e meio industriais”.
São prédios geralmente cinzas, com “formas geométricas mais fortes”, por vezes com rampas de concreto, grandes vãos e grandes alturas. Tudo isso simbolizava o futuro, à época.
“Historicamente, na arquitetura, construir espaços muito grandes sem pilares era um desafio enorme. Toda tecnologia que aparecia e conseguia aumentar o vão era uma revolução. Todo mundo ficava admirado”, lembra o arquiteto.
Na observação de Rozzoline, outro ponto em comum a esses edifícios é o esforço de parecer novo. “O concreto era uma tentativa de mostrar poder, grandiosidade, estabilidade e segurança”, explica, emendando que a simetria das formas era um modo de reforçar tais sensações.
Apesar da relevância nos anos 1970, Pedro Boaventura explica que, em meados dos anos 1980, as premissas brutalistas começam a perder força e a desaparecer dos projetos institucionais e residenciais em Fortaleza, “substituídas por novas tecnologias e modas construtivas” que tomaram o lugar do concreto como principal recurso.
Prédios brutalistas em Fortaleza
Banco do Estado do Ceará ou ‘BEC dos peixinhos’
Inaugurado em 1970, fica nas esquinas entre as Ruas Pedro Pereira e Barão do Rio Branco, no Centro. A proposta era um edifício em dois corpos: o inferior horizontal, com cinco pavimentos (incluindo subsolo e térreo); e sobre este, uma torre recuada com dezessete andares. Porém, o volume vertical não foi construído. Hoje, é uma agência do banco Bradesco.

Mausoléu Castelo Branco e Palácio da Abolição
Inaugurados entre 1970 e 1972, no Meireles, apresentam volumetria simples, baseada no retângulo e triângulo, "conferindo ao conjunto um aspecto minimalista". O mausoléu onde ficaram os restos mortais do ex-presidente, alvo recente de polêmicas, é uma longa caixa de concreto aparente em balanço suspenso de 30 metros.

Terminal Rodoviário Engenheiro João Thomé
Aberto em 1973, no bairro de Fátima, teve projeto composto de 33 módulos de concreto aparente. Tem grandes pés direitos que favorecem a ventilação e iluminação natural. Nos anos 1990, precisou passar por adaptações devido ao aumento de fluxo.

Ed. Arrojado Lisboa, sede do Dnocs
Inaugurado em 1973 na Av. Duque de Caxias, tem dez pavimentos incluindo térreo, só aberto em pilotis na parte central de acesso e com 19 pilares externos.

Biblioteca Central do campus da UFC no Pici
Foi feita na primeira metade da década de 1970. Integrou um projeto do governo Federal de modernização das universidades brasileiras e destacou-se pela dimensão e arrojo estrutural. Possui térreo, primeiro pavimento ao nível da avenida a ela conectado por uma passarela e mais um pavimento acessado internamente.

Núcleo de Processamento de Dados do Pici
Foi implantado no mesmo processo da biblioteca. Uma característica peculiar é que não há pilares nas extremidades do edifício, que terminam em balanços crescentes, incrementando a impressão de suspensão do solo. Para Boaventura, o arrojo simboliza a função de alta tecnologia que abrigaria e o progresso buscado à época. Hoje, abriga a Superintendência de Tecnologia da Informação da instituição.
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra)
Localizado na Av. José Bastos, foi aberto em 1974. Destaca-se com uma fachada de pré-moldados de concreto intercalados com janelas; o conjunto dos brises forma longas fileiras e dá ao prédio sua aparência característica.

Pavilhão do Instituto de Educação do Ceará
Também de 1974, fica na Av. Eduardo Girão esquina com Av. Luciano Carneiro, no bairro de Fátima. Tem pavilhão retangular completamente aberto nos lados maiores e fechado apenas nas extremidades, que foram revestidas com uma cerâmica avermelhada.
Assembleia Legislativa do Ceará
Idealizada por Roberto Martins Castelo e José da Rocha Furtado Filho, a obra no Dionísio Torres abriga o Poder Legislativo do Estado. Foi inaugurada em 1975 com dois prédios: um maior, onde funcionam gabinetes, secretarias e atendimento, é um prisma retangular curvo que parece “abraçar” o segundo, em forma de tronco de cone, que abriga o Plenário.

Biblioteca Pública Menezes Pimentel
Foi aberta no mesmo ano da Assembleia, na Av. Leste-Oeste. O edifício tem cinco andares e sua fachada principal é uma longa caixa retangular com uma sequência de brises entre duas vigas. Já a fachada posterior tem volumes em cubo e trapézios.

Centro de Atendimento Social do Sesc
Outra obra de 1975, fica na Rua 24 de Maio, no Centro. A estrutura é de concreto aparente, emoldurando as esquadrias de vidro que dão aparência de “caixa de vidro”, cobertas por um teto abobadado. A construção foi alterada ao longo do tempo e deve dar lugar a uma igreja evangélica.

Departamento Nacional de Telecomunicações, hoje Anatel
Edifício de 1978, fica na Av. Senador Virgílio Távora. O projeto adotou uma simetria radial a partir do pátio central. Na fachada, uma sequência de brises circula o térreo e o segundo andar, sustentados por avanços das lajes, tudo em concreto aparente.

Ministério da Fazenda do Ceará, atual Receita Federal
O prédio da Rua Barão de Aracati, na Aldeota, foi inaugurado em 1979 (veja imagem da capa). Tem dois volumes com variações de prismas retangulares. O bloco mais horizontal é fechado externamente por pré-moldados de concreto que não tocam o solo e produzem um “rodapé” que se solta do conjunto.
Escola de Música do Sesi
O exemplar ficava na Av. Francisco Sá, na Barra do Ceará, e foi aberto em 1980. O diferencial raro se dava por abóbadas de berço de cerâmica armada autoportante, ou seja, sem a necessidade de vigas de apoio. Devido à diminuição de atividades culturais e esportivas, foi demolido no segundo semestre de 2019.
Sede do Instituto de Hemoterapia do Ceará (Hemoce)
O conhecido prédio da Avenida José Bastos foi aberto em 1981. A grande e complexa estrutura foi distribuída em quatro blocos retangulares dispostos ao redor de um pátio interno. Na fachada principal, um pavilhão isolado no alto é coroado com uma laje de bordas curvas.

Ed. Raul Barbosa - sede Banco do Nordeste do Brasil
Foi inaugurado em 1982, na Rua Floriano Peixoto, no Centro. A fachada principal é uma cortina de vidro, e o lado sul (praça) fechado por uma enorme empena de concreto, favorecendo a ideia de robustez do prédio. Hoje, é a sede da Justiça Federal no Ceará.

Junta Comercial do Estado do Ceará (Jucec)
Também no Centro, fica na Rua 25 de Março e abriu em 1985. Organizado em três pavimentos, pilares e vigas foram deixados aparentes e tem uma fileira de brises de concreto separando duas marquises.

Antiga Secretaria da Fazenda do Estado do Ceará
Atual Palácio da Justiça no Centro Administrativo do Cambeba, foi inaugurado em 1986. Está estruturado dentro de uma malha ortogonal de pilares concentrados ao redor de um vazio central. Uma das principais características é o contraste entre as superfícies do concreto e vidro. Também foi alterado ao longo do tempo.

Instituto Médico Legal (IML), hoje Perícia Forense (Pefoce)
Outro edifício conhecido na Av. Leste-Oeste também é de 1986. O prédio de um único pavimento é sinuoso e acompanha o formato de seu terreno. É uma caixa quadrangular com poucas aberturas e de pilares recuados em relação às fachadas, de modo a “descolar” o edifício do solo.

Ed. Sede da Caixa Econômica Federal (CEF)
De 1988, está à Rua Sena Madureira, no Centro. Possui dois blocos, sendo o vertical (de 16 andares) o mais chamativo, cujas fachadas são planos de brises que emolduram janelas isoladas. O 11º andar é aberto, interrompendo esse padrão.
Serviço de Processamento de Dados (Serpro)
De autoria desconhecida, situa-se na Av. Pontes Vieira, no São João do Tauape. Tem apenas um pavimento, retangular, paralelo ao terreno e de pilares aparentes. A entrada é marcada por uma marquise de concreto em balanço, atualmente revestida.

Centro Administrativo da Teleceará
O prédio da Av. Borges de Melo, no bairro de Fátima, também abrigou a central telefônica Contax. Os pavilhões têm estrutura tradicional de viga e pilar, abertos ou fechados, de esquadria com vidro. As quatro fachadas são cercadas por varandas formadas pelo avanço das lajes e dão homogeneidade ao projeto.

Antiga Agência do Banco Nacional
Fica na esquina da Av. Santos Dumont com Tibúrcio Cavalcante, na Aldeota. Sobre o edifício, há uma coberta de concreto, ora maciça, ora pergolada (espécie de galeria exterior para caminhar, construída em forma de ramada), que paira avançando além do perímetro e é sustentada por bases piramidais.

Agência do Banco do Estado do Ceará
Também na Avenida Pontes Vieira, hoje é uma agência do banco Bradesco. De projeto tradicional, tem robustos pilares nas extremidades e fileiras de brises nos planos protegendo as esquadrias.