Pescadores denunciam atraso de 4 meses no pagamento do seguro defeso: 'Não tenho nada na geladeira'

O INSS reconheceu que "o contingente precisa ser equacionado para dar conta de atender esse tipo de requerimento", mas não detalhou sobre o número de pescadores que estão sem receber no Ceará

Escrito por André Costa , andre.costa@svm.com.br
Legenda: Cerca de 800 pessoas, segundo a Colônia de Pescadores de Icapuí, estariam sofrendo com os atrasos do seguro defeso
Foto: Natinho Rodrigues/Diário do Nordeste

Pescadores artesanais da cidade de Icapuí, no Litoral Norte do Ceará, denunciam atraso de quatro meses no pagamento do seguro defeso. O benefício é pago pelo governo Federal no valor de um salário mínimo mensal durante período de defeso, isto é, enquanto a atividade pesqueira é proibida para a preservação da espécie.

Conforme estimativa da Colônia de Pescadores Z-17 de Icapuí, o atraso afeta cerca de 800 pessoas. Dentre eles, Tiago Soares da Silva, de 36 anos. "A situação está muito precária. Estamos vivendo na misericórdia de Deus".

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O relato do pescador dimensiona as inúmeras dificuldades enfrentadas por eles. Devido ao grupo não ter qualquer outra fonte de renda, Tiago confidencia que o atraso estaria causando forte impacto nas famílias.

"Eu tenho esposa e dois filhos. Na minha geladeira só tem água. No armário da cozinha só tem farinha. Estou devendo nas mercearias. Não sei mais o que fazer, não sei como vai ser. E tem muita gente na mesma situação", desabafa o pescador, que está na atividade há 13 anos.

O Seguro Desemprego do Pescador Artesanal, benefício conhecido como seguro-defeso, é pago a segurados especiais que exercem a pesca de forma ininterrupta, individualmente ou em regime de economia familiar, e que ficam impedidos de pescar em razão da necessidade de preservação das espécies.

Situação semelhante à de Tiago, vivem tantos outros pescadores artesanais que também estão sem receber há quatro meses. "Não sei mais o que fazer", confessa José Flávio do Nascimento, 44.

Pescador desde os 10 anos de idade, ele revela nunca ter passado por nada parecido assim antes. "É muita miséria. Tenho sete filhos e esposa. A gente está vivendo de ajuda dos vizinhos. Nossa alimentação é na base do destino. Hoje tem, amanhã não se sabe", lamenta.

Já faltou comida em casa. A nossa sobrevivência tem sido a ajuda das pessoas e comprar fiado em algumas bodegas que aceitam. Está muito difícil e não temos previsão de quando iremos receber. É só rezar, é o que nos resta.
José Flávio
Pescador

Gilcidênio Denis Raimundo da Silva, 48, é outro pescador que afirma não ter recebido ainda o seguro-defeso neste ano de 2022. Com esposa e três filhos, ele conta que "nunca viveu situação parecida" nas quase quatro décadas que vai ao mar tirar seu sustento.

"Pesco quase desde criança e nunca vi algo assim. Quando a gente começou a receber o seguro [defeso], aconteceram alguns atrasos, mas só de um ou dois meses e logo depois a gente recebia. Mas um atraso tão longo assim, nunca tinha visto", detalha.

Diante do atraso no pagamento, Denis é mais um pescador que diz estar sobrevindo à base de doações. "Os vizinhos veem nossa situação e ajudam. Se não fosse isso, a gente morria de fome", lamenta. 

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Sem previsão 

O sofrimento e as dificuldades relatadas pelos pescadores não tem previsão de fim. Segundo contam, o "INSS não nos deu nenhuma expectativa", revela Tiago Soares. Na última terça-feira (5), cerca de 100 pescadores participaram de uma reunião, na cidade de Icapuí, com representantes do Instituto. O encontro teve por objetivo, segundo a Colônia de Pescadores, "esclarecer o motivo do atraso".

"Pouco se avançou. Em resumo, foi dito que não há previsão. Eles disseram que o atraso deve-se a limitação do quantitativo de funcionários para analisar a documentação exigida e à greve deflagrada nos últimos dias", pontuou o membro do Sindicato dos Pescadores e Pescadoras Artesanais de Icapuí, Tobias Soares.

A reportagem do Diário do Nordeste questionou ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) qual seria o motivo do atraso, quantos pescadores estariam sendo afetados e se há previsão para normalização do cenário.

Em nota, o órgão informou que "os requerimentos do seguro-defeso da 'piracema' têm análise automática, já os da 'lagosta' necessitam de análise documental por parte do servidor do INSS".

Legenda: Pescadores se reuniram no início desta semana com representantes do INSS no intuito de solucionar o atraso
Foto: VcRepórter

Esse contingente de trabalhadores, ainda conforme o INSS, "precisa ser equacionado para dar conta de atender esse tipo de requerimento, bem como os demais benefícios previdenciários, aposentadorias, salário-maternidade, pensão por morte, benefícios assistenciais, entre outros". O Instituto, contudo, não especificou o motivo do atraso tampouco citou quantos são os pescadores afetados.

Volta à pesca

O período de proibição da pesca do camarão chega ao fim no próximo dia 31 de maio. O que seria uma notícia acalentadora aos pescadores que necessitam de renda, torna-se inviabilizada pela falta de material de pesca.

"Se a gente não tem dinheiro para se alimentar, imagine para comprar os materiais para pescar ou consertar nossas gaiolas. Vai ao mar no próximo mês só quem ainda tem alguma gaiola em boas condições", critica Denis Raimundo. Esse retorno aos mares é esperado devido à renda que ele possibilita.

Nos meses bons, a gente consegue tirar entre 3 e 4 mil reais. Nos meses mais fracos, o apurado gira por volta de mil reais ou pouco menos.
José Flávio
Pescador

Quem pode solicitar o seguro defeso?

O INSS explica que o requerente precisa ter registro ativo há pelo menos um ano no Registro Geral de Pesca, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, na condição de pescador profissional artesanal.

Além disso, o pescador não pode receber benefício de prestação continuada da Assistência Social ou da Previdência Social, exceto auxílio-acidente e pensão por morte e não ter vínculo de emprego ou outra relação de trabalho ou fonte de renda além da atividade pesqueira.

Para informações quanto ao andamento dos requerimentos protocolados ou demais dúvidas, o interessado pode ligar para a Central de Atendimento do INSS pelo telefone 135.

O serviço está disponível de segunda a sábado das 7h às 22h (horário de Brasília). O Instituto é quem recepciona e administra os protocolos, mas o pagamento advém Fundo de Amparo ao Trabalhador(FAT).

Documentos necessários?

  • Documento de identificação oficial, válido e com foto;
  • CPF;
  • Comprovante de recolhimento da GPS;
  • RGP (ou protocolo) emitido a pelo menos 1 (um) ano;
  • Comprovante de residência emitido em municípios abrangidos pela Portaria do defeso.

De acordo com o Governo Federal, é possível fazer a solicitação de trinta dias antes da data de início do defeso até o último dia do período de defeso. Porém, o tempo de resposta à solicitação pode durar até 45 dias.

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