De esquilo a tatu-bola: Ceará tem 8 mamíferos terrestres ‘criticamente em perigo’ de extinção; lista
Mapeamento aponta a situação de conservação das espécies existentes no Estado e o alerta sobre os bichos que podem deixar de existir no território
Sem que a maioria dos cearenses perceba, a vida nas florestas está progressivamente diminuindo no Estado. Tatu-canastra e anta, por exemplo, com certeza já não vivem mais aqui. A onça pintada, o queixada, o tamanduá-bandeira e as populações nativas do bicho preguiça, provavelmente, também foram extintas.
E outros 4 bichos também podem sumir, como torna nítida a Lista Vermelha de Fauna Ameaçada do Ceará. A análise compreende 126 mamíferos terrestres presentes no território.
O Diário do Nordeste teve acesso com exclusividade ao levantamento feito no Programa Cientista-Chefe, da Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (Sema). Essa é a primeira vez que a lista é elaborada e deve compor o Livro Vermelho com informações sobre a situação de conservação das espécies viventes no Estado.
Confira a lista dos mamíferos terrestres classificados como criticamente em perigo de extinção, alguns já provavelmente desaparecidos do território cearense:
- Bicho-preguiça (Bradypus variegatus) [provavelmente extinto]
- Tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) [provavelmente extinto]
- Onça-pintada (Panthera onca) [provavelmente extinto]
- Porco-do-mato/Queixada (Tayassu pecari) [provavelmente extinto]
- Quati (Nasua nasua)
- Morcego (Chiroderma vizottoi)
- Esquilo da serra/Caxinguelê (Guerlinguetus brasiliensis)
- Tatu-bola (Tolypeutes tricinctus)
Isso significa que caso não sejam realizadas ações de preservação, esses animais podem deixar de existir no Ceará, como ressalta Hugo Fernandes, professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e coordenador do levantamento.
“Estão na ponta do penhasco, diante de impactos pontuais elas desaparecem do nosso mapa. É o caso do esquilo, que só existe na Serra da Aratanha, o tatu-bola e de várias espécies que precisam de ações urgentes para evitar a extinção”.
Outros grupos, como mamíferos marinhos, aves, répteis e anfíbios serão elencados em novas listas ao longo do ano. Com esse material será possível definir políticas públicas para a preservação dos bichos.
“O Ceará já indica um grave cenário de defaunação, que é a perda de fauna. Nós temos duas espécies que foram extintas do Ceará, o tatu-canastra e anta”, frisa o biólogo Hugo Fernandes, coordenador do levantamento.
A perda de espécies acontece, principalmente, por questões locais como caça, desmatamento, poluição - também do tipo atmosférica e sonora - e até atropelamentos. Com isso, o resultado é o desequilíbrio ambiental do território.
Extinção é para sempre, não é importante só quando a espécie some do planeta, mas de um determinado lugar, que pode ser de uma serra ou cidadezinha, porque perdemos todo o serviço ecossistêmico"
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Impactos em todo o ecossistema
Quando há menos polinizadores, a agricultura está ameaçada. Sem um predador de topo, bichos menores podem crescer em população e afetar a produção de agricultores familiares, por exemplo.
O caso da anta extinta pode ser relacionado à redução de novas árvores de umbu, já que o animal espalhava as sementes.
“Extinção sempre causa um processo grave e desencadeado de impactos ambientais. Quando a gente aponta que espécies estão prestes a ser extintas, estamos falando que precisamos nos mover agora para evitar isso”, alerta o especialista.
Dessa forma, o levantamento das espécies com risco de extinção deve nortear políticas públicas, aprovação de empreendimentos, criação de unidades de conservação, entre outras estratégias ambientais.
“Estamos falando de território e recurso público, de real política pública, porque não é um documento que um dia podem usar, mas utilizado a partir do momento em que é publicado”, frisa.
Como foi feito o levantamento
Há cerca de 5 anos começaram as articulações para a produção das listas vermelhas de espécies ameaçadas no Ceará. Em 2019 foram realizadas as primeiras reuniões e a portaria para a definição da análise foi publicada no ano seguinte.
Esse é um processo complexo que dá início no apanhado de publicações acadêmicas, como teses e dissertações, dos animais presentes no Ceará. Participam 18 instituições públicas e privadas, como universidades, organizações não governamentais e institutos ambientais.
“Tivemos que buscar informações em museus e coleções não só no Ceará, como fora do Brasil, documentos históricos. O trabalho de levantamento prévio foi muito grande para gerar a lista e saber o que tem”, lembra Hugo.
A partir daí foram elaborados inventários de todas as espécies presentes no território cearense para, então, classificá-las quanto ao status de conservação. Isso é feito com um método internacional.
“A gente reúne informações biológicas e ecológicas disponíveis sobre cada uma delas, uma base de dados, e para cada espécie a gente utiliza um roteiro metodológico, um protocolo elaborado pela International Union for Conservation of Nature (IUCN)”, destaca.
O coordenador contextualiza que são feitas cinco rodadas com especialistas de atuação nacional e internacional. Também é feita uma audiência pública antes de definir o estado de conservação das espécies.
Parte considerável das espécies analisadas foram classificadas como data deficiente (DD) ou dados insuficientes na tradução do inglês.
“Nós tivemos um índice de DD alto, quase 20% das espécies, o que significa que o Estado do Ceará precisa investir muito em ciência básica para entender quais espécies temos, dados biológicos e ecológicos básicos, para que a gente consiga de fato determinar o estado de conservação”, aponta Hugo.
Base para políticas públicas
A Lista Vermelha de Fauna Ameaçada do Ceará funciona como um mapeamento da situação dos animais e o que pode ser feito para manter a preservação.
Isso significa que a aplicação de recursos públicos e até a autorização para a construção de empreendimentos deve considerar as informações da lista
“Você consegue indicar quais são as ameaças, porque está na ficha de avaliação de cada espécie. Propor estratégias de mitigação e manejo que possam mitigar esses impactos a curto, médio e longo prazo”, detalha Hugo.
Também é importante que essas informações estejam regionalizadas, como defende Luis Ernesto Bezerra, professor no Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Cientista-Chefe de Meio Ambiente.
“Reunimos um conjunto de informações, com relação a cada espécie, categorizamos no nível de conservação e damos prioridade aquelas que estão em perigo”, ressalta.
Com informações detalhadas sobre os bichos também é possível definir estratégias mais precisas para a conservação.
“Dependendo do grau de criticidade da espécie, ou da ecologia, fazer projetos de reprodução em cativeiro para tentar recuperar a população”, indica Luis.
A relação com animais ameaçados deve ser replicada para outros grupos, com inventário já realizado, como destaca o cientistas.
“Até o final do ano nós vamos publicar o livro vermelho, são duas coisas diferentes, porque a lista é com o status. O livro vai trazer as informações que permitiram dizer que aquela espécie está naquela categoria”, conclui.