Onda de calor e chuva de granizo? O que explicam os eventos climáticos incomuns registrados no CE

Recordes pluviométricos foram pulverizados, importantes reservatórios atingiram volumes que não eram conquistados há quase uma década, onda de calor e até chuva de granizo

Escrito por André Costa , andre.costa@svm.com.br
Legenda: A normal climatológica para o ano é de 800,4 milímetros, índice que já fora batido antes mesmo do fim do ano
Foto: Kid Jr/Arquivo

Quando o ano de 2022 iniciou, nem o mais otimista cearense esperava que tantos fatos climáticos inesperados acontecessem de forma conjunta. Recordes pluviométricos foram pulverizados, importantes reservatórios atingiram volumes que não eram conquistados há quase uma década, onda de calor e até chuva de granizo no semiárido nordestino.

Teve de tudo. Um ano atípico e que entra para história. A começar pelas chuvas que iniciaram ainda em janeiro e se estenderam ao longo de quase todo o ano. Para se ter uma ideia, nos 290 dias iniciais de 2022, em apenas 26 dias a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) não registrou precipitação em nenhum dos 184 municípios do Estado.

A meteorologista do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Morgana Almeida, detalha que a ocorrência destes eventos não tão comuns tem relação direta com as alterações no sistema climático.

"A influência do homem, com desmatamento e emissão de gases do efeito estufa tem contribuído para mudar os padrões climáticos, como por exemplo, aumento da temperatura (maior frequência e maior intensidade das ondas de calor ou frio)  e chuva (aumento da frequência dos eventos extremos quer seja de muita ou pouca chuva, secas) em praticamente todos os pontos do globo", explicou.

Bons volumes de chuva

A frequência das chuvas em 91% dos dias deste ano contribuiu para elevar a média pluviométrica do Ceará. A normal climatológica para o ano é de 800,4 milímetros, índice que já fora batido antes mesmo do fim do ano. Conforme a Funceme, até agora o volume observado é de 904,6 mm, ou seja, 13% acima da média histórica anual. 

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Legenda: Prefeitura de Fortaleza planeja ações para quadra chuvosa de 2023
Foto: Arquivo/Diário do Nordeste

Os bons e inesperados resultados não param por ai. Em março de 2022 a Funceme contabilizou, em um único dia, chuva em 181 das 184 cidades cearenses, tornando-se o dia mais chuvoso daquele mês desde 1973, ano em que a Funceme iniciou o monitoramento climático no Ceará. 

Naquela data, apenas as cidades de Tejuçuoca, Milhã e Mulungu não tiveram registro de pluviometria informado à Funceme.

Fora o período da quadra chuvosa (fevereiro-maio) os recordes foram igualmente batidos. No mês de junho, há 18 anos não chovia em tantos dias consecutivos como o registrado neste ano. As chuvas foram regulares entre o dia 1º ao dia 12 de junho, depois tiveram um intervalo de redução e, no dia 21 recomeçaram, estendendo até o dia 26.

Algumas cidades conseguiram se destacar neste ano. Em São Gonçalo do Amarante, no Litoral do Pecem, as chuvas foram quase duas vezes superiores ao que é esperado para todo o ano. A média histórica anual do Município é de 945,6 mm e, até este início de outubro, a Funceme já contabiliza 1.728,8 mm.

São ao menos 19 cidades cearenses cujo volume observado de chuva já é 50% superior à média pluviométrica. Este índice não era alcançado desde 2009. Naquele ano, 74 cidades fecharam o período com precipitações acima dos 50% além da média histórica.

Bom aporte hídrico

Diante das robustas chuvas observadas em 2022, os principais açudes cearenses puderam, finalmente, deixar para trás um amargo e preocupante volume hídrico até então armazenado. O Orós, segundo maior reservatório do Estado, mais dobrou de volume entre o início do ano e fim da quadra chuvosa.

Em janeiro o açude tinha apenas 22,49% e, ao fim de maio, chegou a 49%, trazendo uma segurança de abastecimento para as cidades das quais dele depende de pelo menos dois anos. No mês seguinte (junho), mas um feito conquistado: o açude Orós rompeu a marca dos 50% de água aportada, patamar este que não era atingido há exatos 8 anos.

Legenda: O açude Castanhão mais que dobrou de volume neste ano, saindo de preocupantes 9% de sua reserva total para quase 24%

O gigante das águas também pulverizou recordes. O açude Castanhão, maior reservatório público para múltiplo uso das águas da América Latina também mais que dobrou de volume neste ano, saindo de preocupantes 9% de sua reserva total, que é de  6,7 bilhões de metros³, para quase 24%, o maior volume em 7 anos. Somente em 2022, o Castanhão conquistou mais de 1 bilhão de metros cúbicos de água aportada.

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Os aportes no Castanhão também são motivos de destaque. De janeiro a junho (180 dias) deste ano, em somente cinco oportunidades o Açude Castanhão não conquistara recarga hídrica advinda das chuvas. Nos demais 97,23% dos dias daquele intervalo, o açude obteve aporte.

Se os maiores açudes cearenses tiveram boas conquistas, os menores não ficam atrás e também têm muito a comemorar. Em junho deste ano, mês que marcou o fim da quadra chuvosa, o Ceará tinha 42 açudes sangrando, melhor número dos últimos 13 anos.

Apenas em 2009 o Ceará tinha mais reservatórios em situação de sangria. Em 1º de junho daquele ano, eram 98 sangrando.

Barragens rompidas 

Bons volumes de chuva, quando registrados de forma localizada e em um curto período de tempo, podem trazer sérios impactos negativos, como aconteceu nas cidades de Várzea Alegre, Cedro e Carnaubal. Neste último município, no começo de março, as precipitações derrubaram poste, alagaram casas, ruas e uma escola.

Em Cedro, também no mês de março, a cheia do açude Ubaldinho forçou a saída de moradores de suas casas. À época, aproximadamente 50 famílias precisaram deixar suas habitações.

Na cidade de Várzea Alegre, barragens romperam e deixaram famílias ilhadas. Há mais de 15 anos não era registrado algo parecido no Município. Pelo menos 60 famílias foram atingidas. 

Legenda: Dezenas de famílias foram atingidas pelas fortes chuvas em Várzea Alegre
Foto: Divulgação/Prefeitura

Onda de calor

O ano de 2022 não foi marcado apenas pelos volumes pluviométricos. Quando as chuvas cessaram, em meados de setembro, teve início uma onda de calor sem precedentes. No começo de outubro, o Ceará teve em 4 dos 5 dias do mês, ao menos uma cidade entre as 10 mais quentes de todo o País, que conta com 5.568 municípios.  

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Pouco depois, no dia 8, os termômetros no município de Barro, no Sul do Estado, marcaram impressionantes 41,7 graus Celsius. A sensação térmica se aproximou dos 45 graus, índice próximo aos verificados em países africanos, como Gana (43,3ºC) e Zambia (42,2ºC). Naquela data, nenhuma outra das 5.568 cidades do País marcou temperatura tão alta.

Médias das temperaturas máximas mensais para esses meses:

  • Setembro: 31.10°C
  • Outubro: 31.26°C
  • Novembro: 31.07°C
  • Dezembro: 30.67°C

Legenda: Outubro tem sido marcado pelas altas temperaturas no Ceará
Foto: Arquivo/Diário do Nordeste

Do calor ao gelo

Chuvas e altas temperaturas, em dadas medidas, são comuns no Ceará. Cair gelo do céu, no entanto, não é tão habital. Ainda assim, em 2022, teve chuva de granizo em pleno Semiárido nordestino. Ela foi registrada na cidade de Iguatu, na região do Centro-Sul.

Chuva de granizo advém de nuvens do tipo 'Cumulonimbus', cuja peculiaridade se caracteriza por sua grande extensão vertical podendo chegar até a 12 km e temperaturas de 60 graus Celsius negativos.

Para que esta nuvem se forme e cause as chuvas de granizo, contudo, alguns fenômenos climáticos precisam atuar de forma conjunta, como forte circulação de ventos, umidade do ar e também o calor, convergem para a ocorrência desses eventos. 

"Em nuvens Cumulonimbus, os movimentos verticais, para cima e para baixo, são muito fortes e a formação de granizo é relativamente comum dentro dessas nuvens, e dependendo do tamanho, elas conseguem atingir o solo, ainda na forma de gelo", detalhou a gerente de meteorologia da Funceme, Meiry Sakamoto. 

Ainda conforme a especialista, a proximidade de regiões montanhosas pode contribuir para que essas nuvens atinjam esse grande desenvolvimento. A cidade de Iguatu possui áreas de montanhas em seu entorno.

 

 

 

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