Como conversar com crianças e adolescentes sobre segurança nas escolas
Especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste destacam que a escola é local seguro e acrescentam a importância de acolher, dialogar e buscar entender o sentimento dos mais jovens
As ações de violência envolvendo escolas do Brasil têm resultado em diferentes debates ligados a distintas áreas, que vão além da educação e se relacionam também com segurança pública e saúde mental. E diante das diferentes dúvidas e questionamentos relacionados ao assunto, assim como encontrar meios de proteger as pessoas e combater as violências, surge o desafio de falar com crianças e adolescentes sobre esses temas.
Existe uma idade certa para tratar do tema? A escola não é mais um lugar de segurança? Se a gente silenciar estamos protegendo ou desprotegendo as crianças e os adolescentes? Como lidar com os nossos medos para que possamos também enfrentar os medos dos mais jovens? Essas e muitas outras questões perpassaram a rotinas de pais, responsáveis e professores ao longo dos últimos dias.
Diante desse cenário, os próprios estudantes têm levado aos responsáveis dúvidas para além da matemática, português, história, ciências e etc. Em meio à disseminação de informações falsas e episódios de violência, a escuta e o acolhimento são determinantes para manter o equilíbrio e as atividades.
Então, como falar com crianças e adolescentes sobre esse cenário?
"O assunto deve ser tratado porque, seja pelas mídias ou pelos colegas, o tema vai aparecer, desde as crianças menores aos adolescentes. Então, temos que qualificar esse debate". A opinião é da psicopedagoga Ticiana Santiago, integrante do Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisa sobre a Criança (Nucepec) da Universidade Federal do Ceará (UFC).
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Questionada pela reportagem sobre a melhor forma de falar com os mais jovens, Ticiana Santiago orienta que o diálogo deve acontecer considerando o nível de conhecimento e de maturidade do estudante.
É muito importante usar uma linguagem clara diante desse contexto e responder às perguntas que eles trazem, desmistificando a representação que têm sobre isso. Quando a gente omite fatos ou coloca como tabu, isso cria uma representação muito maior
Na linguagem dos jovens
Quem acompanha uma criança ou adolescente pode utilizar recursos para se aprofundar sobre violência nas escolas, como acrescenta a especialista. "Com as crianças, é interessante que a gente faça desenhos e ofereça uma escuta mais sensível. Com os adolescentes, é importante que a gente faça um debate em relação às fake news, de repente, com documentários e notícias", exemplifica Ticiana.
Seja qual for a estratégia adotada, os pais ou responsáveis devem transmitir segurança aos estudantes.
"A família deve se oferecer como rede de apoio: 'estou com você', 'você não está sozinho ou desamparado', 'isso não vai acontecer toda hora', 'isso não vai acontecer da forma como está sendo disseminado'”, completa. Entre os especialistas, uma recomendação comum: não se pode ignorar os sentimentos.
"Manter uma tranquilidade autêntica, que a gente não tente negligenciar a dor e o sofrimento, mas que a gente consiga elaborá-lo procurando escutas qualificadas para falar sobre isso tantas vezes a gente considerar necessário", frisa Ticiana.
Esse processo de escuta também deve ser para entender a realidade do estudante, como acrescenta João Paulo Pereira Barros, professor doutor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC).
“Para crianças que tiveram acesso a boatos ou notícias sobre o tema, que trazem esse tema para professores ou para a família, é importante acolher o que é trazido e dialogar em torno disso, perguntando, por exemplo, o que a criança já sabe sobre o assunto, como se sente diante dele, por que o está trazendo para a conversa”, destaca.
Essa escuta permitirá acolher possíveis medos, que fazem parte desse momento em que o assunto está em maior em pauta e precisam ser validados e nomeados, sem potencializá-los mediante abordagens sensacionalistas e aterrorizantes
O momento também contribui para a identificação de possíveis usos problemáticos da internet, como avalia o também coordenador do Grupo de Pesquisas e Intervenções sobre Violência, Exclusão Social e Subjetivação (Vieses).
“É possível traçarmos orientações, evidenciando, por exemplo, os problemas dos discursos extremistas e de ódio no ciberespaço, enfocando aspectos que nos tornem mais seguros diante da violência, verificando a veracidade das informações que recebemos”, frisa.
Caso seja notado algum tipo de sofrimento, pode-se buscar uma resposta multidimensional com apoio da escola e de profissionais da saúde mental.
“Com crianças e adolescentes, é possível pactuar que estratégias podemos adotar para aumentar nossa sensação de segurança, fortalecendo redes de apoio, para que não lidemos sozinhos ou sozinhas com os medos e os desafios ligados à questão da violência escolar”, conclui.
Não compartilhar violência
Além do trabalho feito dentro das unidades de ensino, as famílias possuem uma função importante, inclusive, na palma das mãos. O comportamento nos grupos de mensagens é determinante para não ampliar o temor à violência.
"Não ficar disseminando informações em grupos, principalmente, quando não forem conferidas. Mas até mesmo quando forem checadas, isso gera um efeito contágio de uma emoção que reverbera e acaba acionando outros medos de questões ainda da pandemia, por exemplo", orienta Ticiana.
Espalhar boatos de violência, mesmo que com a boa intenção de alertar parentes, amigos, colegas, acaba por criar ou potencializar o pânico coletivo, como pondera João Paulo. Isso dá margem para medidas simplificadoras aos problemas complexos.
A realidade dos Estados Unidos, como cita o especialista, mostra que amplos investimentos majoritariamente em segurança não foram eficazes.
“Isso nos mostra que medidas como rondas escolares, polícia armada nas escolas, botão de pânico, salas com trancamento interno, tudo isso pode até ser adotado, mas tem um limite, não havendo evidência científica que aponte o impacto positivo desse enfoque em medidas estritamente securitárias e punitivistas”
=Essas medidas não atacam uma das raízes do problema, que é o crescimento do reacionarismo extremista e armamentista que chega até os jovens e pode tornar a escola um ambiente cada vez mais hostil à convivialidade e ao acolhimento das diversidades de formas de existir=
Cultura de paz
Ticiana Santiago contextualiza os casos de ansiedade, problemas de saúde mental ocasionados na pandemia e um incentivo à violência que chega nas novas gerações.
"A gente veio de um movimento de cultura de ódio, de movimento em que o patriarcado, a violência e o 'fazer arminha', o denunciar o professor foi muito valorizado. Agora, temos que incentivar os laços de solidariedade e apoio mútuo. Mesmo na dor, a gente pode acolher mães, pais e crianças", arremata.
Nesse sentido, João Paulo alerta para a relevância de combater ideologias extremistas que naturalizam a violência e ódio, o que passa pela necessidade de discutir sobre masculinidade tóxica, racismo, misoginia e preconceitos por orientação sexual e de gênero, entre outras.
O especialista cita algumas medidas importantes para a redução da violência nas escolas
- Controle do acesso à armas de fogo e política de desarmamento;
- Controle, por parte das plataformas digitais e do poder público, do funcionamento de grupos extremistas e da disseminação de discursos de ódio;
- Ampliação de ações de promoção de cuidado psicossocial e saúde mental na escola;
- Fortalecimento da escola como espaço de encontro, diálogo, diversidade, acolhimento,convivência plural e democrática e reflexão crítica sobre os problemas sociais.
A falta de liberdade para o diálogo e a compreensão da diversidade pode ter como resultado atos violentos.
“A escola foi muito massacrada e perseguida nos últimos anos. Professores e escolas foram transformados em inimigos internos e ultraprecarizados, ou seja, se tornaram cada vez mais vulneráveis à violência”, observa.
Como denunciar
No Estado Ceará, para denunciar ações ou ameaças de violência envolvendo escolas, a população pode recorrer ao número de te;efone 181 ou Whatsapp (85) 3101.0181.
Há ainda outro canal, nacional, de denúncia sobre possíveis ameaças a escolas, clique aqui.
As denúncias em todos os canais são anônimas.