Conheça Davi Bandeira, cantor do Cariri que se inspira em Matuê e Bad Bunny e projeta pop cearense

Artista de 33 anos lançou terceiro disco no início deste mês

Escrito por
Ana Beatriz Caldas beatriz.caldas@svm.com.br
Música de Davi Bandeira representa o pop cearense contemporâneo
Legenda: Música de Davi Bandeira representa o pop cearense contemporâneo
Foto: Gabes Man/Divulgação

Promessa da cena musical cearense, o cantor Davi Bandeira sonha grande enquanto se prepara para entrar em turnê com os shows de seu novo álbum, “Contra a Lei”. Aos 33 anos, o artista lança obra que reflete seu lado popstar e suas principais referências, que vão das divas pop dos anos 2000 aos trappers de sucesso da atualidade, sem deixar de lado a música popular caririense.

Lançado no início deste mês, o disco “Contra a Lei” é o terceiro de Davi e se posiciona como um reflexo da cena pop contemporânea. O trabalho reúne dez músicas curtas sobre temas como amor, autoconhecimento e liberdade sexual. Tudo rápido, com efeitos vocais e sintetizadores.

A influência do funk, do trap e do reggaeton toma conta do álbum, refletindo as inspirações do artista em nomes como Matuê, Duquesa e Bad Bunny.

Com destaque para faixas como “Fiesta” e “Fantasia” – ambas já com videoclipes no YouTube –, o álbum fez o artista chegar aos 100 mil ouvintes mensais no Spotify, marca impensável para quem, há quase uma década, quase desistiu de se dedicar à música pela falta de incentivo e apoio.

Natural de Fortaleza, mas criado em Juazeiro do Norte, Davi fez parte de diversos projetos sociais na infância, onde teve os primeiros contatos com o teatro, o desenho e a música. Em 2012, decidiu cursar Teatro na Universidade Regional do Cariri (Urca), o que o fez se aproximar de outros artistas da região e se dedicar a experimentos cênicos. 

Dois anos depois, decidiu colocar no mundo um videoclipe de seu primeiro single, “Pervertido”, uma performance feita sem muita pretensão e com elementos que havia aprendido nas aulas de teatro.

Em menos de dois dias, o vídeo viralizou, mas não como o artista sonhava: em páginas de fofocas e memes, as pessoas riam da apresentação experimental, o que o desmotivou e o fez “recalcular a rota”.

“Na época, muito menino, eu fiquei ‘meu Deus do céu, isso aqui vai acabar com todos os meus sonhos, não sei o quê’, aí a minha reação foi tirar [o vídeo do ar]. Foi um susto”, lembra, com bom humor. “Hoje eu jamais teria tirado, mas naquele momento, pra mim, foi assustador”, completa.

A má recepção da primeira empreitada se tornou uma lição. Decidiu estudar e pensar em como transformar seu amor pela música em algo que fosse a sua cara, mas também comercialmente viável. Assim vieram os dois primeiros trabalhos de Bandeira, o álbum Ariano (2018) e o EP Davi Bandeira (2019), já voltados pro pop, mas com musicalidade mais leve e com ares de nova MPB.

A repercussão das canções mais maduras trouxe experiências bem mais positivas do que o primeiro experimento. O primeiro single oficial da nova fase, “Fica do Meu Lado”, chegou a ser trilha sonora do programa The Voice Kids 2020 e figurar em rádios do Cariri.

Artistas da região também receberam bem os álbuns e o impulsionaram a seguir, assim como seus pais, que diziam a Davi para levar as críticas na esportiva. Naquele momento, o público não ria mais, e Davi começou a enxergar um caminho possível de novo.

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A volta ao pop dançante 

Capa de 'Contra a Lei' (2025)
Legenda: Capa de 'Contra a Lei' (2025)
Foto: Gabriel Renné/Divulgação

O impulso do disco de estreia fez com que Davi decidisse mudar para São Paulo para tentar a carreira musical por lá. Na capital paulista, começou a trabalhar em um shopping para conseguir se manter, mas quando a pandemia veio, em 2020, voltou para a casa dos pais, em Juazeiro do Norte. 

De volta à cidade onde cresceu, em isolamento, Davi voltou a criar. Produziu o segundo disco, Intenso (2023), mais uma vez de forma independente, e lutou contra a lembrança das críticas que recebeu nos primeiros anos da carreira, agora mais próxima geograficamente.

“No início, fui muito questionado, e até consigo compreender, porque aqui a gente é um celeiro de cultura popular. Aí vem um menino que quer misturar um monte de coisa, que quer ser o ‘Michael Jackson do Cariri’, ri. “Mas eu falava ‘não, gente, eu não quero ser ninguém, eu só tô juntando tudo que gosto, todas as linguagens”, lembra.

O segundo disco levou o artista a se apresentar em outros estados pela primeira vez, o que o empolgou a ponto de fazer com que ele se lembrasse do sonho antigo que cultivava aos 15 anos, quando trabalhava como empacotador em um supermercado: se apresentar em palcos com tudo que um artista pop tinha direito, unindo elementos de dança e teatro.

Naquele mesmo ano, Davi começou a escrever as músicas de “Contra a Lei”, a maior parte em parceria com o amigo Tonnigo, também artista caririense. A ideia era finalmente dar voz a quem queria ser, sem pensar nas possíveis repercussões negativas. 

“Eu acho que eu traumatizei tanto no meu primeiro lançamento que eu fugi muito do pop, sendo que era a coisa que eu mais queria fazer”, lembra.

Nos dois anos seguintes, o artista trabalhou como atendente e motoboy na pequena pizzaria dos pais para conseguir custear as gravações. Em paralelo, lutava contra o esgotamento físico e a frustração, que geraram um quadro depressivo. Para o álbum, no entanto, decidiu que daria a volta por cima, criando uma persona diferente de sua realidade, uma espécie de super-herói do pop.

“Quando eu acabei as atividades do Intenso, eu tive um esgotamento mental muito grande, porque eu estava me esforçando, queria muito que as coisas acontecessem, então estava trabalhando muito, de uma forma que não era saudável”, lembra. 

“Foi quando eu bati o martelo e falei ‘não quero mais falar sobre as minhas dores’. Aí eu lembrei do ‘Pervertido’, lembrei que queria ser um popstar e pensei ‘eu não sei o que vai acontecer com a minha vida, a gente não sabe quanto tempo a gente tem, depois da pandemia. Então, eu vou pirar em um disco”, conta.

Álbum colaborativo conta com produtor indicado ao Grammy

Persona de Davi em 'Contra a Lei' remonta à estética de um super-herói futurista
Legenda: Persona de Davi em 'Contra a Lei' remonta à estética de um super-herói futurista
Foto: Gabriel Renné/Divulgação

Além da sonoridade que reflete o que faz sucesso nos principais charts mundiais, outro aspecto de “Contra a Lei” se assemelha a produções de artistas independentes na atualidade: a produção feita de forma fragmentada e colaborativa. 

Produziram o disco junto a Davi os artistas George Luqas (que também compôs algumas das letras), VVictor, Frug4l, Jota no Beat, Luhz e Enzo Dicarlo – este último um dos responsáveis pela produção do disco “Coisas Naturais”, de Marina Sena, indicado ao Grammy Latino na categoria “Melhor Álbum de Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa”. 

A capa foi feita por Gabriel Renné, que já fotografou alguns dos maiores nomes do pop brasileiro, como Pabllo Vittar e Iza, e a direção criativa é de Edson Bailey, que já trabalhou com artistas como Anitta e Gloria Groove.

Segundo Davi, a busca por nomes consolidados nacionalmente e nomes de artistas importantes no Cariri segue a mesma lógica natural de entender quem poderia somar às ideias que ele já tinha para o álbum. Muitos deles, destaca, já eram parceiros anteriormente; outros, acreditaram na ideia e fizeram até preços mais baixos para fazer “Contra a Lei” acontecer.

“Acho que a confiança e o acreditar deles foram a cereja do bolo para eu ter a certeza de que eu posso tudo que eu quiser. Se outras pessoas conseguiram, a gente também pode conseguir”, pontua. “Não significa que vai ser fácil – mas também não significa que é impossível”, conclui.

Fazer pop no Ceará

Cantor é natural de Fortaleza, mas cresceu em Juazeiro do Norte
Legenda: Cantor é natural de Fortaleza, mas cresceu em Juazeiro do Norte
Foto: Gabriel Renné/Divulgação

Apesar das claras referências em artistas do circuito nacional e internacional, Davi se diz orgulhoso por poder fazer pop no Ceará, mesmo em meio aos desafios. Para ele, crescer no Cariri foi definitivo para que sua musicalidade chegasse onde chegou.

“Se você ouvir meus três álbuns, eles são muito diferentes, mas sinto que há uma unidade entre eles. Acho que essa mistura, essa brincadeira com estética, com interpretação, com a teatralidade, com a música, com as minhas raízes, tudo isso é o Davi”, comenta.

“Mas não quero que a minha música se limite só ao Ceará. Eu quero que o Ceará seja meu ponto de partida. E isso, graças a Deus, assim, com muita calma, tem acontecido”, celebra.

O artista destaca que o pop ainda é um ritmo pouco produzido e reconhecido no Ceará, mas que vislumbra um cenário de mudança. “Eu acredito que é um desafio muito grande, mas eu vejo como a formação de um movimento, sabe?”, destaca.

100.000
Ouvintes mensais é a marca atual no Spotify do artista cearense

Davi lembra que há elementos do pop na obra de diversos artistas consagrados que admira, inclusive no Cariri, como Junú, João do Crato e Zabumbeiros Cariris. “Eles têm uma performatividade, só que eles cantam música popular, no sentido de gênero”. Também cita a cantora Camaleoa, de Fortaleza, como um destaque, e conta que os dois têm conversado sobre possíveis parcerias.

“É importante para fortalecer a nossa cena. Tem vários outros artistas que sonham também, sabe? E os artistas pop aqui do Ceará existem, só que eles, assim como aconteceu comigo há 10, 11 anos atrás, são abafados, as pessoas dizem ‘ai, não é possível’. Aí você, por medo, por precisar trabalhar para pagar suas contas e várias outras coisas, desiste”, aponta.

O artista destaca que o Ceará, apesar de ser uma terra conhecida pelo amor ao forró, também tem outros destaques, a exemplo do trapper Matuê, que se tornou um dos maiores do nicho no País e ajudou a projetar o trap do Estado a nível nacional.

“O Matuê bateu no pé e ele falou ‘eu vou fazer isso aqui sim, eu vou levar a cena urbana cearense’ e ele chegou no topo. Hoje ele é o maior, e ele é do Ceará. Ele construiu um movimento sendo daqui, e levando o nosso nome”, comenta sobre o artista em quem se inspira.

No momento, Davi nunca esteve tão longe de desistir. Se prepara para começar a apresentar os primeiros shows de “Contra a Lei” em novembro, em teatros do Cariri, e planeja as próximas datas da turnê. Além do disco, ele lançou um documentário em que conta parte de sua trajetória e tem investido em divulgação nas redes sociais, com o intuito de alavancar os números tão esperados de um artista pop hoje em dia. 

Os primeiros shows serão mais intimistas e devem incluir elementos cênicos, quase como um retorno à experiência traumática de “Pervertido”. Para 2026, ele planeja um show maior, com balé e outros aspectos “para chegar em festivais”.

“Quero levar o que a gente produz aqui para outros lugares, mostrar que as pessoas nos seus interiores também têm capacidade. Elas também podem realizar seus sonhos e viver disso”, conclui.

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