‘Clínica de Reabilitação para Homofóbicos’ convida a aprender sobre respeito em espaços de Fortaleza
Em intervenção urbana, artistas ocupam locais públicos da Cidade propondo "cura" da homofobia
“Se você tem se sentido homofóbico, nós temos a solução”. Seja em faixas ou panfletos, caixas de som com jingles ou adesivos nas traseiras de ônibus, a mensagem ecoada pelos performers Eduardo Bruno e Waldírio Castro tem ocupado diferentes espaços públicos de Fortaleza ao longo de outubro.
A afirmação faz parte da intervenção urbana “Clínica de Reabilitação para Homofóbicos”, uma performance que convida o público a construir outro olhar para a homofobia estrutural e, então, outra prática de respeito às diferenças.
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“Impactos da homofobia estrutural”
Nesta segunda (21) e na quinta-feira da próxima semana (31), a performance será apresentada respectivamente na Praça das Artes, na Maraponga, e na Avenida Beira-Mar, na altura da Praia de Iracema.
Ao longo do mês, a “clínica” já passou pela Messejana e pela Feira do Álvaro Weyne. Anteriormente, a intervenção já foi apresentada em outras oportunidades no Crato e em Fortaleza.
A ideia, como explica Eduardo, surgiu em 2019, após o casal de artistas apresentar a instalação “O que pode um casamento gay?” no Centro Cultural Banco do Nordeste, em Fortaleza. Nela, uma faixa com os dizeres “Em terra de homofóbicos, casamento gay é arte” foi colocada na fachada do local.
Como lembra Eduardo, “foi indicado pela comunicação do banco que a obra fosse retirada, então, a partir desse fato, a gente começa a analisar os impactos da homofobia estrutural no Brasil, no mundo, na sociedade como um todo”.
“Todo mundo precisa se implicar”
Para a performance, Eduardo e Waldírio atuam nos espaços públicos em práticas como a entrega de panfletos, o uso de caixas de som e a abertura de faixas, sempre com vocabulários que emulam discursos de patologização muitas vezes enunciados contra pessoas LGBT.
Na “clínica” imaginada pelo casal, no entanto, é a homofobia que precisa de cura. “Se a gente leva em consideração que a homossexualidade foi despatologizada apenas em 1991, a gente está tratando de um debate bastante recente”, aponta Waldírio.
“Fabular uma clínica de reabilitação para homofóbicos e fazer isso por meio de uma intervenção na Cidade é uma oportunidade de convidar todo mundo a refletir criticamente sobre essa lente de mundo cis-hetero-masculina que reproduz discursos machistas, homofóbicos, sexistas”
A escolha dos bairros e espaços onde a performance tem ocorrido ao longo de outubro, explica Eduardo, se deu em busca de “interferir nessa paisagem urbana em diferentes horários e com diferentes públicos que também têm diferença de formação escolar, experiência de vida, visões de mundo”.
“A ideia era tentar articular que diversos públicos tivessem acesso a esse debate, até porque a questão da homofobia não está direcionada para um único público. Se ela é uma questão sistêmica e social, ela está direcionada para diferentes públicos e a sociedade como um todo precisa se implicar nisso”, reflete ele.
Reações nas ruas e no virtual
Conforme Eduardo, as reações do público às performances costumam envolver “piadas” e violência discursiva. “É muito comum a gente ouvir, antes de chegar, alguma fala, ou depois que a gente passa. Nunca na nossa cara, até agora”, partilha.
“Não é inesperado, porque na verdade isso denota o que a própria performance está discutindo. A homofobia é recreativa, estrutural, está nos momentos maiores e menores da sociedade”, reflete o artista.
Além da intervenção presencial, o trabalho se alarga também para o ambiente digital, uma vez que, nos materiais apresentados, o público é convidado a enviar mensagens para um número de WhatsApp.
Quando as pessoas entram em contato a partir dessa “estratégia intermídia”, como define Waldírio, “elas recebem uma mensagem automática primeiramente com uma pasta em que a gente separou diversos arquivos com materiais educativos acerca das problemáticas da homofobia”, explica.
Pelas mensagens, afirma Eduardo, é normal receber contatos que repetem as violências discursivas ouvidas nas ruas. No entanto, os artistas chegaram a receber recentemente conteúdos com símbolos nazistas e neonazistas.
Apesar de experiências do tipo, os performers ressaltam o potencial “pedagógico” da apresentação. A partir do trabalho, defende Waldírio, é possível “criar uma possibilidade de diálogo com estratégias pedagógicas e assim fortalecer a ideia de pensarmos em alianças a partir das diferenças”.
“Reabilitar” homofóbicos é possível?
Questionado se os artistas creem na “reabilitação” concreta de pessoas homofóbicas, Waldírio aponta “duas formas de compreender essa relação”.
“Há pessoas conservadoras que não estão interessadas no diálogo, reproduzem discursos machistas e homofóbicos de forma consciente, sabendo que é crime, que afeta, e para essas pessoas não tem como a gente conseguir estabelecer esse diálogo”, inicia.
No entanto, o artista também reconhece: “Tem pessoas que reproduzem discursos machistas e homofóbicos, por exemplo, simplesmente porque não tiveram contato com outras perspectivas”.
“Ao serem colocadas de frente com outras formas de ser, estar e se relacionar no mundo, elas aceitam o convite de estabelecer um olhar crítico com relação a isso que reproduzem inconscientemente”, avança.
“Trabalhos com poéticas queer transviadas podem gerar reabilitações, mas sobretudo com estratégias pedagógicas que construam uma oportunidade de diálogo. Esse é o maior desafio, encontrar esse caminho em um mundo conservador, um país conservador como o Brasil, mas a gente pode, por meio da arte, do ativismo, da pesquisa, gerar esses diálogos e tentar gerar mudanças, mesmo que lentamente”
A performance, destaca Waldírio, está voltada à realidade vivenciada por ele e Eduardo, mas é possível “estender essa clínica para outras problemáticas” — num gesto de “interseccionalidade do gênero, da sexualidade e da corporalidade”, como define.
“O nosso recorte enquanto duas bichas artistas foi o da homofobia, mas a gente compreende também que ela está associada a essas diversas redes que afetam grupos historicamente minorizados”, aponta.
“A gente pode pensar em clínica de reabilitação para transfóbicos, racistas, capacitistas e outras diversas fabulações que possam discutir problemáticas sociais”, convida.
Performance Clínica de Reabilitação para Homofóbicos
- Quando: dias 21 e 31 de outubro, de 18 às 19 horas
- Onde: dia 21 na Praça das Artes, na Maraponga, e dia 31 na Avenida Beira-Mar, na Praia de Iracema
- Gratuito.
- Mais informações: @imaginarios_arte