Um abre-alas para a cultura de Fortaleza
O maior desafio da nova secretaria, sem dúvidas, é gerir a pasta em consonância com os interesses dos artistas e da população

Comecei o ano nesta coluna escrevendo em comemoração a dois grandes marcos: a nova Secretaria da Cultura de Fortaleza e as medidas de descentralização do Ciclo Carnavalesco da cidade. Sigo os celebrando, mas o texto a seguir, além de uma primeira crítica, visa contribuir propositivamente à gestão.
Em 2025, pela primeira vez, grupos artísticos que fazem parte da construção do Carnaval de Fortaleza participaram apenas uma vez do ciclo. Apesar de compreender a posição da secretaria de oportunizar vagas para que novos artistas cheguem à cena carnavalesca, quando isso acontece sem o devido debate com a classe, gera inúmeros ruídos, desgastes e frustrações.
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No edital de convocatória há alguns pré-requisitos para a participação artística, entre eles a experiência mínima de dois anos com eventos carnavalescos e um portfólio/clipping que comprove a atuação dos proponentes, incluindo materiais como matérias de jornais e flyers de eventos. Ao ser divulgado o resultado preliminar do edital, inúmeros artistas foram inabilitados, justamente, por não cumprirem esses e outros pré-requisitos.
Logo depois, com o resultado final, vê-se que grande parte dos artistas que foram inabilitados tiveram suas inscrições aceitas. Temos aqui o primeiro problema: o que a banca avaliadora, de fato, leva em consideração? Isso precisa e deve ser questionado e esclarecido, ainda que a contratação dos artistas não seja obrigatória.
Em segundo lugar, após a aprovação, o que foi considerado pela curadoria do ciclo? Pergunto isso, porque, em minha opinião, vi uma programação construída sem priorizar bandas e artistas que estão levantando o movimento de carnaval há anos. Aqui não se trata de privilegiar alguns e outros não, mas de reconhecer quem vem, ano após ano, dedicando-se a construir a identidade dessa festa em Fortaleza e que deve, sim, ter suas apresentações priorizadas.
Não digo isso somente pelo bloco que fiz parte por tantos anos, mas por entender que o carnaval da cidade precisa ser pensado estrategicamente, entendendo o que temos de mais potente, o que é mais a cara de cada polo, como é possível preservar e fortalecer os artistas de sempre, sem deixar de dar abertura para que novos nomes surjam e engrossem esse caldo.
Não é fácil, mas isso não pode ser deixado de lado. O desafio de democratizar a cultura tem que andar de mãos dadas com o compromisso da manutenção de quem se doa por essa iniciativa há anos.
A única saída, realmente, é a construção coletiva, que perpassa desde os espaços de escuta e mediação com o poder público, como as audiências na Câmara Municipal, até planejamento a partir dos conselhos e de auto-organização dessa classe em fóruns, criando uma dinâmica de processo contínuo, ao invés de perpetuar a prática de decisões verticais, que dificultam o diálogo.
Nossa sociedade segue em uma disputa polarizada, onde não podemos nos deter ao “menos pior”, mas, sim, criar um projeto político propositivo e que mude a vida das pessoas.
A cultura é uma ferramenta chave para isso e precisa de novas metodologias de execução, com atenção à dignidade de uma categoria historicamente menosprezada, entendendo que a arte é uma arma quente contra a ameaça da extrema-direita.
Desde o início, sabíamos que não seria fácil. O maior desafio da nova secretaria, sem dúvidas, é gerir a pasta em consonância com os interesses dos artistas e da população. Contudo, sigo confiante de que os próximos carnavais sejam melhores. Há tempos esperamos pela oportunidade de alavancar ainda mais o carnaval de Fortaleza. São inúmeras as expectativas de novos caminhos, que possibilitem um setor cultural vivo, atento e forte. Sigamos nesse abrir de alas da cultura.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor