Valorização da cultura, diversidade de públicos, Oscar e ocupação orgânica das ruas marcam Carnaval de Fortaleza em 2025
Cultura local, misturas musicais, torcida do Oscar e mais elementos formaram caldeirão cultural plural nas programações oficiais e independentes da Capital
Da tradição dos maracatus da avenida Domingos Olímpio ao festejo bufão na Praça da Gentilândia, dos cortejos independentes ocupando vias públicas de Fortaleza ao impacto de ativar palcos em diferentes regionais da Cidade, o Ciclo Carnavalesco se provou, em 2025, contexto para ensinar e aprender.
Entre dias de chuva e de sol, a folia na capital cearense ficou marcada pela valorização da cultura nos mais diversos formatos e expressões, com foco especial na própria Cidade e no Brasil representado no Oscar. Um “Carnaval plural”, como definiu Helena Barbosa, gestora à frente da Secretaria da Cultura de Fortaleza (Secultfor).
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Democracia cultural como proposta
Em um ciclo composto por um Pré-Carnaval com 11 dias de programação descentralizada por 20 polos e um Carnaval que levou atrações para sete palcos, a Cidade foi espaço de aprendizados para foliões de diferentes gerações e, também, para a própria gestão.
A festa foi a primeira experiência para colocar a promessa de cultura para toda a Fortaleza em prática em meio a desafios de troca de equipes da Prefeitura.
“Na minha trajetória, tenho esse perfil de acreditar que uma democracia cultural só é alcançada quando há amplo acesso às oportunidades de estar consumindo cultura e arte. A gente aproveitou o Carnaval como um evento estruturante, para experimentar um formato que pensasse essa descentralização”, partilha Helena em entrevista ao Verso.
“Foi um ponto louvável a mudança para uma execução mais descentralizada, contemplando outras regiões que também têm manifestações e que merecem essa valorização”, avalia Juliana Eva.
Cantora, trompetista, produtora cultural e educadora musical, ela atua há 10 anos como artista no Ciclo Carnavalesco de Fortaleza, compondo bandas, maracatus e grupos de cultura popular. Em 2025, a cearense estreou a versão carnavalesca do projeto Juliana Eva & Erva Doce Jam e compôs cortejos do projeto Farra na Jangada.
“Foram visíveis os desafios de mudança de gestão, mas percebo que (a atual) tem uma intimidade maior com o que vem sendo construído no Carnaval de Fortaleza”, avalia.
Como demanda, a artista defende o incremento do valor dos apoios da Prefeitura para blocos, agremiações e artistas, “para continuar valorizando grupos que sempre estão fazendo Carnaval o ano inteiro”.
“Para muita gente, Carnaval é a culminância de um modo de viver, de uma cultura que está sendo semeada e germinada coletivamente o tempo inteiro”, define.
Ao passo que reconhece dificuldades e demoras da estrutura burocrática para acessar os recursos, Juliana celebra e destaca a consolidação de tradições, como os desfiles da avenida Domingos Olímpio.
"Coisas de nossa terra"
O local recebeu agremiações de maracatus, afoxés, blocos e escolas de samba ao longo dos quatro dias de programação, com aprendizados que se acumulavam entre brincantes na avenida e o público que acompanhava os desfiles.
Integrante do Maracatu Rei de Paus na infância, nos anos 1970, a enfermeira Francisca Valéria Martins de Oliveira levou o filho Luiz Guilherme, de 10 anos, para ver os primos se apresentarem no segundo dia da programação no polo, no domingo (2).
"Muito lindo, muito bom”, celebrou o menino, para orgulho da mãe. “É maravilhoso, porque ele vai aprendendo a ver as coisas, as coisas da vida de nossa terra, de Fortaleza", ressaltou Francisca.
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"Carnaval na veia" em estado de festa
Outras lições de vida foram partilhadas no Benfica no sábado (1º), durante o retorno do Unidos da Cachorra para o bairro no qual surgiu. Também brincante veterana e moradora do local, Maria Aparecida Aires de Freitas driblou uma momentânea mobilidade reduzida para acompanhar o bloco do coração.
“A Cachorra quem começou foi o Gildo (fundador e presidente do bloco) com meus irmãos, só que os meninos foram pra outros projetos. Era lá na Marechal, sempre acompanhei. Toco tamborim, é Carnaval na veia”, atestou.
No mesmo Benfica onde dona Maria Aparecida ensinou sobre a importância da festa, uma turma de mais de 20 alunos de um curso de palhaçaria aproveitou o Carnaval como sala de aula para marcar a conclusão da formação.
Em meio à programação da Praça da Gentilândia, o professor Alysson Lemos propôs ao grupo uma experiência imersiva para exercitar a comicidade, o humor, a improvisação e a sátira.
"Trabalhamos com esse estado de festa”, definiu. “Trabalhamos com essa energia de bando. Tem gente que vai se aclopando. Até o fim do dia, (tem) até uns cinquenta", brincou.
A diversidade de públicos do Carnaval é ponto de destaque da folia na avaliação da secretária Helena Barbosa, em especial em territórios que receberam programação a partir da descentralização neste ano.
“Tinha muita criança e muito idoso, em todos os polos você via a família completa. A gente também quebrou fronteiras de só a juventude estar dentro da programação de Carnaval, mas toda a família, independente do bloco”, celebrou.
Misturas musicais e valorização da cultura local
Aliada à descentralização geográfica e etária, Fortaleza também comprovou o espírito de reverência à própria cultura.
Da homenagem a Ednardo, que cantou sucessos da carreira no Aterrinho da Praia de Iracema no primeiro dia da folia, às fantasias dos foliões, elementos tipicamente cearenses e nordestinos deram o tom da festa.
Provando que a festa é democrática em Fortaleza, o palco do Aterrinho acolheu diferentes gêneros musicais para animar o público, indo do homenageado à banda Nação Zumbi, passando por Don L, Xamã, forró das antigas, axé e pop.
Foram músicas de cearenses como Ednardo, porém, que inspiraram um grupo de amigas que pulou Carnaval na Praça da Gentilândia também no sábado (1º). Ednardo, inclusive, foi representado nas fantasias, como explicou a jornalista Helena Félix.
“A gente sai todo mundo junto todos os anos. O tema deste ano é ‘Carnaval de rua é a melhor festa do mundo’. Hoje a gente faz uma homenagem aos compositores cearenses, com ‘Carneiro’, ‘Pavão Mysteriozo’ (com letras de Ednardo), ‘Zanzibar’ (letra de Fausto Nilo)...”, exemplificou.
“O melhor Carnaval do mundo pra gente é o nosso carnaval aqui, no Benfica, onde a gente vem nos quatro dias. Temos que valorizar nossa cultura, a música cearense”, atestou a foliã.
No Bloco Iracema Bode Beat, já consolidado no Carnaval de Fortaleza e que foi uma das atrações que comandou a festa no domingo (2), no Mercado dos Pinhões, o célebre cortejo e a apresentação da banda também foram marcados pelas referências à cultura local.
“A gente é um bloco bem aqui das áreas, do Mercado dos Pinhões, da rua dos Tabajaras, Centro. Nos cortejos, é como se a gente revivesse o trajeto do Bode Ioiô na Cidade”, define Nayra Costa, vocalista da Banda Bode Beat.
Torcida pelo Oscar em programação "paralela"
Somando-se às programações oficiais, uma série de iniciativas independentes também fez festa nas ruas da Capital, caso de blocos como Solto na Buraqueira e É Só Isso Mesmo, que saíram no Benfica também no domingo (2).
“A gente faz questão de manter a tradição dos carnavais de blocos que circulam pelas ruas, fora dos circuitos tradicionais”, definiu Maurício Lima, um dos organizadores do É Só Isso Mesmo. Em ambos, a expectativa pelo Oscar brasileiro — concretizada na noite daquele dia — se misturou à folia.
“Achei muito bonitas as fantasias, muitas com conexão com o Oscar, com a Fernanda Torres. Várias pessoas se alegrando por esse momento único com o jeitinho brasileiro de comemorar uma conquista coletiva e que diz muito sobre nossa história”, destacou Juliana Eva.
Apesar de não serem, de fato, parte da programação carnavalesca deste ano, a iniciativa de alguns estabelecimentos que exibiram a cerimônia do prêmio em Fortaleza também se somou à festa do período.
Fortalecimento coletivo da folia
Projeto composto por Juliana Eva, a Farra na Jangada se apresentou na terça (4), último dia de Carnaval, tanto na programação oficial, no Benfica, como compondo cortejo do bloco independente As Gata Pira, que levou programação para a Praça dos Leões.
As experiências ligadas tanto ao ciclo oficial quanto às agendas paralelas, na defesa da artista, fortalecem o Carnaval de Fortaleza.
“O que fica mais forte é a consolidação dessa construção coletiva do Carnaval. É bonito ver coisas que continuam acontecendo e vão crescendo, se fortalecendo, principalmente blocos independentes que estão criando tradições e fortalecem o coletivo de uma maneira objetiva e subjetiva”
Valorização foi, enfim, palavra-chave do Carnaval de Fortaleza em 2025. “O fator mais importante foi a alegria dos foliões, na (programação) institucional ou não. Muitas pessoas me abraçaram felizes pelas atrações, pela possibilidade de ter festa perto de casa”, ressaltou Helena.
“Esse retorno dos foliões, de como se sentiram acolhidos, para mim foi muito importante, seja na Praia de Iracema, na Sargento Hermínio, no Solto na Buraqueira”, elenca. “Era felicidade de estar num lugar seguro, de poder trazer a família, de estar perto do palco, de estar em seu lugar”, arrematou a secretária.