Projetos culturais das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste terão pontuação extra na Seleção Petrobras Cultural 2024. O edital do programa prevê cota mínima de 15% dos recursos para cada região do País, com prioridade para as regiões com menor representação histórica em projetos aprovados. Ao todo, serão R$ 250 milhões em iniciativas de todo o País, contemplando ações que vão de festivais e festas populares a games e exposições no metaverso.
Na cerimônia de lançamento do edital, que contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da ministra da Cultura Margareth Menezes, entre outras lideranças políticas, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates ressaltou que o edital tem como intuito privilegiar “sem vergonha nenhuma de dizer isso, as regiões que normalmente não conseguem apresentar projeto ou não conseguem vencer”.
Cada estado terá pelo menos dois projetos contemplados, o que garante a participação efetiva de todos os estados nordestinos. Projetos que incluam mais de uma região também terão pontuação maior na seleção.
O retorno do programa Petrobras Cultural também traz, pela primeira vez, foco em diversidade e inclusão, com reserva de 25% para projetos com realizadores que sejam de grupos sub-representados ou que tratem de temáticas relacionadas às vivências desses grupos. Outra novidade é que, pela primeira vez, o edital foi elaborado em parceria com o Ministério da Cultura (MinC).
O edital considera de grupos sub-representados mulheres, pessoas negras, pessoas oriundas de povos indígenas, comunidades tradicionais, inclusive de terreiros e quilombolas, populações nômades e povos ciganos, pessoas LGBTQIAPN+, pessoas com deficiência e integrantes de outros grupos em situação de vulnerabilidade/sub-representação na sociedade.
“Vamos acrescentar ainda mais coisas, porque ainda tem algo de orçamento livre, que são para entidades e iniciativas que a gente tradicionalmente apoiava e deve voltar apoiar. A gente, aos poucos, vai recuperando os níveis históricos que a Petrobras tem aplicado no setor”, afirmou Prates.
O programa Petrobras Cultural já apoiou mais de 4 mil projetos culturais desde seu início, em 2003. Durante o Governo Bolsonaro (2019-2022), o ex-presidente chegou a tecer críticas ao incentivo da estatal à cultura e praticamente encerrou o programa. Em 2020, foram investidos R$ 18 milhões. Já em 2021, apenas R$ 10 milhões foram destinados a projetos artísticos. Em 2022, foram R$ 22 milhões. Agora, os R$ 250 milhões anunciados se unem aos R$ 150 milhões que já estão sendo executados pela companhia.
Nordeste: descentralização do programa dá fôlego a artistas e renova audiência
Um dos apresentadores da cerimônia de lançamento, o ator, diretor e dramaturgo Silvero Pereira aproveitou a ocasião para destacar que o programa da Petrobras foi um dos responsáveis por diversos projetos centrais em sua carreira, como a turnê nacional do espetáculo BR-Trans, o filme Bacurau (2019) e o Festival de Cinema de Vitória, do qual é apresentador.
Para Silvero, com a reformulação que visa atingir todos os estados brasileiros e coloca o Nordeste como prioridade, o programa possibilita que os artistas cearenses possam produzir sua arte onde moram, sem ter que ir em busca do sonho de viver de cultura no eixo Rio-São Paulo.
“Eu sou de uma geração que briga por esse lugar de que a gente não precisa sair da nossa região. Essa iniciativa de garantir pelo menos 15% do orçamento faz com que produtores locais continuem acreditando no seu trabalho no seu lugar”, explica. “E, além de produzir os seus projetos, também façam com que mais empregos sejam gerados e mais pessoas possam também acreditar de viver de arte e cultura no seu próprio lugar”.
O artista, que também é colunista do Verso, conta que, por meio do incentivo federal, espera que o Ceará consiga começar a sanar algumas dívidas históricas que têm com artistas da terra.
“A gente teve uma queda imensa da produção teatral nos últimos anos. Nós temos uma música extremamente potente, que vai desde a Capital até o Cariri, e isso precisa ser valorizado. E também temos as festas populares, que é um outro segmento que está dentro desse edital que é de extrema importância, porque a gente não pode deixar de perder esse movimento cultural que existe”, conclui.
A atriz, jornalista e roteirista pernambucana Ademara Barros, que também esteve presente no lançamento do edital, também defende a possibilidade de artistas de regiões como o Nordeste não precisarem fazer o mesmo movimento que ela teve que fazer – ir para o Rio em busca de mais oportunidades no cinema e no teatro.
"O Nordeste é uma grande potência de produção cultural do Brasil inteiro, uma referência para todo o Brasil", ressalta. "Mas a gente sabe que até hoje, muitas vezes, pra gente conseguir ter esse contato, conseguir perpassar pelo meio do entretenimento e tudo mais, a gente tem que se deslocar demais e vir para cá. São editais como esse que acabam descentralizando isso de uma forma mais democrática", completa.
Para a artista, tão ou mais importante que ser visto em outros estados e regiões é poder promover sua arte onde se está, para "fazer uma nova audiência e também voltar a gerar interesse na nossa própria audiência". Ademara ainda pontua que essa é uma grande chance de outras regiões conhecerem a multiculturalidade dos estados nordestinos, deixando de lado a ideia de que os nove estados se resumem a um só modo de fazer cultura.
"É uma oportunidade de a gente pluralizar a forma de fazer cultura de cada um, mostrar as potências plurais que cada estado tem. Até porque todo mundo precisa trabalhar e a gente precisa continuar gostando de ser artista, e para isso a gente precisa de dinheiro, como qualquer outra profissão”.
Metaverso e IA: Petrobras aposta em “nova forma de pensar cultura”
Fato curioso sobre o edital é que uma das linguagens mais tradicionais em termos de incentivo cultural pelo programa, o cinema, divide espaço em um dos eixos temáticos com a nova – e ampla – definição “cultura digital”.
Durante coletiva, Prates apontou que a escolha foi feita porque o cinema já caminha junto ao às novas tecnologias, e que, entre outros produtos, games também poderão ser contemplados no eixo temático.
O gerente de patrimônio cultural da estatal, Milton Bittencourt, explicou que projetos para o metaverso e/ou feitos com auxílio de inteligência artificial também poderão ser contemplados, mas ainda não há definição de como será feita a análise neste último caso.
“Estamos aguardando projetos. Lógico que para a gente também é um território a ser desbravado, essas novas formas de vivenciar a cultura através do mundo digital”, pondera. “Mas é uma realidade e precisa ser compreendida – sempre no sentido de valorizar as pessoas que estão envolvidas com o desenvolvimento e a produção dessa arte”, completa.
Na categoria, são esperados ainda projetos para streaming, webséries, videomapping, entre outros. “Mas esperamos ser surpreendidos também, né? Já que é uma área tão nova, que tá sempre se renovando. Estamos com o coração aberto para as novas tecnologias na cultura”, conclui.
Investimento em cultura é contrapartida para o povo
No lançamento do edital, a ministra Margareth Menezes reforçou o caráter nacional do programa, que deve chegar “em todos os lugares”, e que a gestão atual “acredita muito na força da economia da Cultura”. A gestora lembrou que, para além do Petrobras Cultural, a Pasta acompanha a execução da Lei Paulo Gustavo e da Lei Aldir Blanc, além da continuação do Plano Nacional de Cultura Aldir Blanc.
“Também estamos buscando diálogo com outras empresas da sociedade civil para que elas se conscientizem desse valor, que existe um retorno no aporte à cultura. Para além da questão do emprego, ela também fortalece a nossa identidade nacional. A diversidade cultural brasileira nos liberta”, pontuou.
A cerimônia de lançamento foi encerrada com um discurso de cerca de 20 minutos do presidente Lula. Entre as declarações feitas, o petista fez menção ao desmonte do setor cultural ocorrido durante a gestão Bolsonaro e afirmou que o retorno do programa Petrobras Cultural é uma chance de a estatal voltar a ocupar lugar de destaque junto ao setor criativo, e afastar projetos e leis de incentivo à cultura de conexões inverídicas a processos de corrupção.
“A contrapartida que uma empresa do tamanho da Petrobras tem que dar a um povo que tanto fez para que ela fosse criada é investir em coisas que interessam ao povo. E cultura pode não interessar a um ditador, cultura pode não interessar a um negacionista, mas cultura, simplesmente, interessa ao povo tanto quanto interessa um prato de comida”, afirmou.
Na ocasião, Lula ainda citou a presença do “triunvirato financeiro do Governo” – BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica, cujos presidentes estavam na plateia – e destacou que “a cultura também precisa de crédito, porque gera emprego e distribuição de renda”.
Seleção Petrobras Cultural 2024: como participar?
A chamada pública contempla quatro eixos temáticos: Ícones da Cultura Brasileira, direcionado a iniciativas de grande porte, como espaços e coletivos artísticos; Cinema e Cultura Digital, que visa retomar a parceria histórica da Petrobras com realizadores audiovisuais do Brasil e inclui ainda games, webséries e outros produtos virtuais, como criações para o metaverso; Produção e Circulação, focada na difusão de música, dança, teatro e artes visuais; e Festivais e Festas Populares, que visa impulsionar novos eventos ligados às artes cênicas e salvaguardar manifestações tradicionais.
As inscrições já estão abertas, são gratuitas e podem ser feitas no próprio site da Petrobras, clicando neste link. A seleção dos projetos será feita por pareceristas internos e externos em cinco etapas: triagem, análise de conteúdo, aderência, pontuações adicionais e definição dos selecionados.
Podem se inscrever pessoas jurídicas com CNPJ válido, de natureza cultural com ou sem fins lucrativos, de direito privado, sob controle de brasileiros natos, naturalizados ou de estrangeiros residentes no Brasil há mais de três anos. Não são aceitas inscrições de pessoa física, MEI (microempresa individual), ou EI (empresa individual).
Serviço
Seleção Petrobras Cultural 2024
Quando: Até às 18h do 8 de abril de 2024, no site da Petrobras
Inscrições gratuitas
*Repórter viajou ao Rio de Janeiro a convite da Petrobras