Ana Estaregui busca relações secretas dos bichos e das coisas em novo livro de poesia

Lançamento da Editora 34 conta com 97 poemas carregados de beleza e singularidade.

Escrito por
Beatriz Rabelo beatriz.rabelo@svm.com.br
Imagem de capa do livro fazer círculos com mãos de ave e da poeta ana estaregui.
Legenda: Ana Estaregui escreve uma poesia marcada por elementos da natureza.
Foto: Divulgação e Alexandre Wagner.

“O que há de vir já está se cumprindo”. Assim escreve Ana Estaregui em seu livro “Fazer círculos com mãos de ave”, lançado em novembro deste ano. Em quase cem poemas, a escritora busca mostrar o muito de belo que ainda existe no mundo, como os rastros deixados pelos bichos, o corpo que adentra vazios e as imagens que germinam sobre as paisagens. 

Sua escrita caminha em um passo conjunto com aqueles que lançam seu olhar para a natureza a fim de acessar outras possibilidades de linguagem. Ao Diário do Nordeste, Ana citou o exercício de manusear a realidade, estando no limiar entre a natureza e a cultura. 

"É muito arrogante achar que só nós temos linguagem, que só nós temos a inteligência, mas será que as plantas se comunicam? O que elas estão dizendo? A inteligência se dá de muitas formas, que não apenas a verbal", afirmou.

Ela propõe, então, um modo de experimentar com as palavras, algo muito similar ao que vem sendo realizado por Marília Garcia, que falou sobre a poesia, a escrita e o movimento de pensar com as mãos. E não apenas Garcia, como outros escritores dessa cena da poesia contemporânea.

De certo modo, o conjunto da obra de Estaregui, incluindo o lançamento publicado pela Editora 34, integra a frutífera safra de livros de poesia que vêm marcando o mercado editorial brasileiro. 

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Formas de olhar o mundo

Em tempos de catástrofes, desastres e crimes ambientais, Ana Estaregui tem uma perspectiva esperançosa, como se ela apontasse o vislumbre do que um filósofo já havia dito: “o velho mundo está morrendo, o novo demora a nascer”. Mas nasce.

E é de forma calma, sem pressa, do mesmo modo como responder a perguntas, que Estaregui parece construir sua poesia. Durante a entrevista, explicou que sua poesia demora um tempo para ganhar corpo. Às vezes, quando começa, não sabe bem para onde vai. Descobre no caminho. 

E o processo que lhe fornece respostas. “Talvez a gente escreva sempre as mesmas coisas e esteja sempre na direção de um único poema”, expõe em um dos primeiros textos do livro.

Sua escrita nasce com uma escuta atenta às outras linguagens. Com segurança, revelou o desejo e a curiosidade em ouvir outras vozes. Pensar pela margem — talvez até pela terceira margem do rio, aquela de Guimarães Rosa. Somos feitos do que vemos.

Montagem da escrita

Há ainda um processo de montagem e desmontagem da escrita e da palavra. Longe de trabalhar com a visão romântica do poeta, aquele dotado de uma inspiração divina, ela caminha pela estrada de um artista construtor

Ela é uma poeta que estuda a palavra, coloca uma lupa sobre o mundo. Sua escrita surge da experimentação, daquilo que sente e do muito que lhe atravessa. No processo de escrita, busca entender a alma das palavras e a relação secretas entre as coisas.

“Eu acho que a poesia é uma possibilidade de acessar a linguagem de uma outra forma. O Roland Barthes fala dessa linguagem fora do poder. A poesia te permite manusear a realidade de certa forma”.
Ana Estaregui
Poeta

“Acho que quando você consegue dar nome às coisas, o seu mundo aumenta. Quando você lê um poema e aquilo te abre outra perspectiva de mundo, de sensibilidade, você passa a perceber as coisas de outra forma”, acrescenta.

Assim, Estaregui escreve que as mãos pensam por minúcia, que regula o ouvido para que ouça, e que cria para depurar o que se vê.

“Escrever a nuvem na página faz perceber melhor a nuvem no céu”, afirma em um dos poemas, enquanto outro mostra que o corpo de uma baleia flutuando se torna ilha no oceano, alimento para os animais e aves marinhas, refúgio para tartarugas. Até, por fim, fundar abaixo de si uma cidade branca quando os ossos naufragam por completo. 

“A morte talvez seja isso, o movimento de se espalhar em mil partes, virar alimento de aves, aprender a cantar”.

Serviço

Livro “Fazer círculos com mãos de ave”
Quanto: R$ 57,00
Onde comprar: Editora 34

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