Ana Estaregui busca relações secretas dos bichos e das coisas em novo livro de poesia
Lançamento da Editora 34 conta com 97 poemas carregados de beleza e singularidade.
“O que há de vir já está se cumprindo”. Assim escreve Ana Estaregui em seu livro “Fazer círculos com mãos de ave”, lançado em novembro deste ano. Em quase cem poemas, a escritora busca mostrar o muito de belo que ainda existe no mundo, como os rastros deixados pelos bichos, o corpo que adentra vazios e as imagens que germinam sobre as paisagens.
Sua escrita caminha em um passo conjunto com aqueles que lançam seu olhar para a natureza a fim de acessar outras possibilidades de linguagem. Ao Diário do Nordeste, Ana citou o exercício de manusear a realidade, estando no limiar entre a natureza e a cultura.
"É muito arrogante achar que só nós temos linguagem, que só nós temos a inteligência, mas será que as plantas se comunicam? O que elas estão dizendo? A inteligência se dá de muitas formas, que não apenas a verbal", afirmou.
Ela propõe, então, um modo de experimentar com as palavras, algo muito similar ao que vem sendo realizado por Marília Garcia, que falou sobre a poesia, a escrita e o movimento de pensar com as mãos. E não apenas Garcia, como outros escritores dessa cena da poesia contemporânea.
De certo modo, o conjunto da obra de Estaregui, incluindo o lançamento publicado pela Editora 34, integra a frutífera safra de livros de poesia que vêm marcando o mercado editorial brasileiro.
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Formas de olhar o mundo
Em tempos de catástrofes, desastres e crimes ambientais, Ana Estaregui tem uma perspectiva esperançosa, como se ela apontasse o vislumbre do que um filósofo já havia dito: “o velho mundo está morrendo, o novo demora a nascer”. Mas nasce.
E é de forma calma, sem pressa, do mesmo modo como responder a perguntas, que Estaregui parece construir sua poesia. Durante a entrevista, explicou que sua poesia demora um tempo para ganhar corpo. Às vezes, quando começa, não sabe bem para onde vai. Descobre no caminho.
E o processo que lhe fornece respostas. “Talvez a gente escreva sempre as mesmas coisas e esteja sempre na direção de um único poema”, expõe em um dos primeiros textos do livro.
Sua escrita nasce com uma escuta atenta às outras linguagens. Com segurança, revelou o desejo e a curiosidade em ouvir outras vozes. Pensar pela margem — talvez até pela terceira margem do rio, aquela de Guimarães Rosa. Somos feitos do que vemos.
Montagem da escrita
Há ainda um processo de montagem e desmontagem da escrita e da palavra. Longe de trabalhar com a visão romântica do poeta, aquele dotado de uma inspiração divina, ela caminha pela estrada de um artista construtor.
Ela é uma poeta que estuda a palavra, coloca uma lupa sobre o mundo. Sua escrita surge da experimentação, daquilo que sente e do muito que lhe atravessa. No processo de escrita, busca entender a alma das palavras e a relação secretas entre as coisas.
“Eu acho que a poesia é uma possibilidade de acessar a linguagem de uma outra forma. O Roland Barthes fala dessa linguagem fora do poder. A poesia te permite manusear a realidade de certa forma”.
“Acho que quando você consegue dar nome às coisas, o seu mundo aumenta. Quando você lê um poema e aquilo te abre outra perspectiva de mundo, de sensibilidade, você passa a perceber as coisas de outra forma”, acrescenta.
Assim, Estaregui escreve que as mãos pensam por minúcia, que regula o ouvido para que ouça, e que cria para depurar o que se vê.
“Escrever a nuvem na página faz perceber melhor a nuvem no céu”, afirma em um dos poemas, enquanto outro mostra que o corpo de uma baleia flutuando se torna ilha no oceano, alimento para os animais e aves marinhas, refúgio para tartarugas. Até, por fim, fundar abaixo de si uma cidade branca quando os ossos naufragam por completo.
“A morte talvez seja isso, o movimento de se espalhar em mil partes, virar alimento de aves, aprender a cantar”.
Serviço
Livro “Fazer círculos com mãos de ave”
Quanto: R$ 57,00
Onde comprar: Editora 34