Do fragmento ao livro: 'Pensar com as mãos', de Marília Garcia, reúne ensaios sobre escrita e poesia

Obra chegou às livrarias no último mês, com textos que refletem sobre o processo da escrita

Escrito por
Beatriz Rabelo beatriz.rabelo@svm.com.br
(Atualizado às 18:50, em 13 de Junho de 2025)
Imagem de Marília Garcia, uma escritora de poesia que lançou o livro Pensar com as mãos
Legenda: Marília Garcia é escritora, poeta e tradutora, conhecida nacionalmente por obras como "Parque das Ruínas" e "Um teste de resistores"
Foto: Arte por Beatriz Rabelo com imagens de arquivo pessoal e divulgação

Conhecida por marcar a cena literária brasileira com seus livros de poesia, Marília Garcia lança "Pensar com as mãos",  uma série de ensaios sobre o ato de escrever. O livro surge como uma montagem de fragmentos, lembranças, trechos de poemas e referências a outros autores.

Uma escrita em camadas, que convida o leitor a pensar com o corpo inteiro, mas, principalmente, com as mãos. "Escrever é olhar com as mãos, manejar, moldar, pensar, procurar as frases (como em Pierre Alferi), anotar os versos, experimentar, testar”, afirma Marília em um dos primeiros capítulos do livro, publicado pela editora WMF Martins Fontes.

Marília é poeta, tradutora e pesquisadora. Já traduziu nomes como Annie Ernaux, Sylvia Plath e Georges Didi-Huberman. Nesse novo projeto, ela se aventura a encontrar novas formas de olhar para as palavras e para o próprio mundo. Suas epifanias? São compartilhadas com os leitores. 

Veja também

Em entrevista ao Diário do Nordeste, Marília citou que o projeto do livro começou a partir de um convite para integrar a Coleção Errar Melhor, organizada por Joca Reiners Terron. A partir daí, deu início ao processo: vasculhar textos antigos, escrever novas reflexões, montar, costurar e reordenar.

“Eu já tinha muitos textos ao longo de dez, quinze anos, publicados em revistas, sites, revistas acadêmicas, um material muito heterogêneo", disse. Dar sentido e coesão a tudo isso foi, então, parte do desafio da construção desse livro. 

Capa do livro Pensar com as mãos, de Marília Garcia
Legenda: Livro "Pensar com as mãos" foi lançado em maio deste ano
Foto: Divulgação

Múltiplas referências 

Na organização do conteúdo, a autora buscou criar uma linha de sentido entre os capítulos. As referências são muitas: William Carlos Williams, Laurie Anderson, Dora Ribeiro, Victor Heringer. Nessa montagem, também encontrou espaço para o cotidiano e para os detalhes que "passam batido". A isso, ela chama de “infraordinário”, conceito do pesquisador Georges Perec.

Ela destaca o que “se passa todos os dias e que volta todos os dias. O banal, o cotidiano, o óbvio, o comum, o ordinário, o infraordinário, o barulho de fundo, o hábito”. Essa citação de Perec foi publicada por Marília em seu livro "Parque das Ruínas".

A atenção ao banal, ao quase invisível, é resgatada mais uma vez na nova obra. “Materiais que estão na minha própria poesia voltam nesse livro, em outro contexto”, explicou. Assim, antigos fragmentos ressurgem sob nova luz, cruzando tempos e formas.

Além disso, Marília também cita o filme "Imagem e Palavra", de Godard, que serviu como inspiração. Na produção, o cineasta francês junta imagens, sons e texturas diferentes para formar uma unidade.

"Ele (Godard) faz uma montagem de materiais que são muito diferentes. Quando vê o resultado, embora sejam texturas diferentes, existe uma unidade que funciona no todo. Não sei se é o ponto de vista do olhar dele que faz funcionar, mas funciona. Então, um dos desafios do livro foi esse, de conseguir dar esse ponto de vista, de um material diverso que não tinha o mesmo tom". 
Marília Garcia
Poeta

Assim, ao longo de meses, praticou o gesto da montagem: colar pedaços, escolher a ordem, escutar as pausas, realizar cortes. "O livro é escrito ao longo de muitos anos, muitas temporalidades, muitos tempos, muitas leituras. Quando pegam o livro pronto, muita gente acha que a pessoa só senta e escreve", disse. Não é assim que funciona.

Em "Pensar com as mãos", a escrita se construiu a partir de muita releitura, escrita, edição, tradução, montagem. Uma operação manual, como aponta o próprio título.

Espaços para a poesia

A obra contou com alguns espaços de lançamento, como livrarias em São Paulo e universidades no Rio de Janeiro. "O livro ganha uma vida quando começa a circular, ganhar vida", afirma. 

No entanto, mesmo diante da boa recepção do público, Marília acredita que ainda faltam espaços para conversar sobre poesia. "Uma coisa que a gente perdeu foi espaço de uma leitura mais sistemática de poesia. No jornal, quase não tem espaço. Os suplementos costumavam publicar muitas resenhas, mas agora a gente não tem tido muito espaço de recepção do que sai". 

Por isso, sua escrita também é um chamado: a recolocar a poesia no centro do debate. Em tempos acelerados, Marília convida a olhar mais de perto, ler com mais calma. É preciso desacelerar, permitir que o corpo tateie as superfícies das coisas.

Talvez o que fique seja isso: o exercício paciente de sentir e montar os fragmentos de um mundo em pedaços.

Assuntos Relacionados