Dia da Tradução: Caetano Galindo, Débora Landsberg e Nina Rizzi refletem sobre papel do tradutor
Profissionais compartilham processos criativos e indicam caminhos para futuros tradutores
Para que um livro de um autor internacional chegue em nossas mãos, é preciso percorrer um longo percurso. Nesse entremeio, estão muitas horas de pesquisa, consultas ao dicionário e ponderações sobre a língua traduzida, assim como, claro, sobre a nossa, a “brasileira”. O Dia Internacional da Tradução, celebrado neste 30 de setembro, é uma forma de não esquecer o papel imprescindível da figura do tradutor, sujeito ponte que abre o caminho entre os mundos do conhecido e do desconhecido.
Mas como funciona o trabalho de um tradutor? Em entrevista ao Diário do Nordeste, Caetano Galindo, Débora Landsberg e Nina Rizzi comentaram sobre processos criativos, compartilhando detalhes sobre as próprias trajetórias e apontando caminhos para os jovens que desejam trabalhar como tradutores no futuro.
Há certos fios que conectam os três: o prazer com as palavras, o zelo pela profissão e o comprometimento com as obras traduzidas.
‘Ser fiel às possibilidades e riquezas’
Com cerca de 60 livros traduzidos em línguas como romeno, inglês, italiano e dinamarquês, Caetano Galindo vê a tradução como um processo que vai além de trocar palavras de uma língua para outra. “É uma questão de compreender personagens e mecanismos de representação, e de ser fiel ao original, sim, mas também à língua brasileira e às suas possibilidades e riquezas".
Quando inicia um trabalho, o tempo da tradução pode variar, podendo ser desde um trabalho de três meses, até décadas, como é o caso de Finnegans Wake — no qual se debruça há 20 anos. Referência nacional, com mais de duas décadas de experiência como tradutor literário, Galindo ficou conhecido por traduzir obras de James Joyce, T.S Elliot, J.D.Salinger, e Ali Smith. A tradução de Ulysses — em que trabalhou por 10 anos — abriu portas para novas recomendações e encomendas de trabalho.
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Além de tradutor, Galindo é escritor, pesquisador e professor universitário. Para ele, a "retradução" é um mundo inteiro. Ele gosta e se diverte traduzindo diálogos, piadas e trocadilhos, mas prefere evitar consultar livros que já possuem traduções no Brasil. "Acho que o interesse da retradução, para o mercado, é justamente a ‘refeitura’, do zero, segundo critérios que não eram vigentes na época dos projetos anteriores."
Nesse percurso, Galindo realiza escolhas cuidadosas, trabalhando com uma tradução que puxa ou desloca o leitor da narrativa do livro em um ritmo semelhante ao que o autor faz na língua original.
Por exemplo, no livro "Franny & Zoey", de Salinger (mesmo autor de “O Apanhador no Campo de Centeio”), o personagem Zoey — um jovem um tanto incompreendido, prepotente e solitário — utiliza muito a palavra "buddy" para se referir à própria mãe. O termo, em uma tradução direta, significa "companheiro(a)", mas Galindo optou por traduzir como "minha filha".
Em relação a escolhas como essa, ele comenta: "O ideal é encontrar alguma coisa que não exatamente 'signifique' o mesmo que o original, como às vezes as pessoas pensam, mas sim algo que 'execute' a mesma função, gere o mesmo efeito. O que alguém como aquela pessoa diria naquela situação se estivesse no Brasil? Trata-se de um processo que vai bem além de trocar palavras por outras palavras, expressões por outras expressões”.
E qual conselho Galindo daria para os futuros tradutores? Antes de tudo, que mergulhem nessa profissão apenas "se for mesmo uma 'vocação'", já que é um trabalho com pouco retorno financeiro. Acima de tudo, diz: leia. Muito.
"E na nossa língua, isso que é relevante [a leitura]. Amplie teu repertório, de todo tipo: literatura, canção, teatro, filme, série, bons, ruins, pop, chiques, velhos, novíssimos, tudo. Dominar um espectro amplo de variedades de emprego do português é tua maior arma. Além disso, se você é mulher, se você não é branco, se você vem de fora dos ‘centros’, corre pra cá: estamos precisando de vocês."
Remontando quebra-cabeças
Tradutora de Sally Rooney no Brasil, Débora Landsberg trabalha no ramo há quase duas décadas. Como Galindo, possui uma longa fila de livros traduzidos. Dentre os quase 70 títulos, estão produções de Orhan Pamuk, Toni Morrison, Shirley Jackson, Michelle Obama e Jennifer Egan.
Amante dos livros, sabia desde cedo que queria trabalhar com literatura, mas o foco em tradução ocorreu ao descobrir uma habilitação em tradução no curso de Letras da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro. Assim, na faculdade, começou a atuar na área, descobrindo que muitas vezes o processo de trabalho depende da demanda do momento e do acordo com a editora.
Seu último trabalho chegou às livrarias na última semana: a tradução de “Intermezzo”, livro da escritora irlandesa Sally Rooney, conhecida pela obra “Pessoas Normais” (2018). Assim como em “Belo Mundo, Onde Você Está” (2021), houve um lançamento simultâneo no Reino Unido e no Brasil. "Confesso que acho divertida essa corrida contra o tempo".
Débora traduz as obras de Sally desde o primeiro livro. A encomenda foi feita antes mesmo dele ser publicado no Reino Unido. Ela aceitou de bom grado mergulhar na escrita de Sally, marcada por introspecções e diálogos crus. “Diziam que ela seria um fenômeno, mas é claro que nem sempre essas previsões se concretizam", afirmou. No caso de Rooney, a profecia foi cumprida.
Nesse trabalho, Débora destaca que o mais gratificante é poder lidar com o próprio texto, pensando em como "remontar o quebra-cabeça" em português para que o leitor, ao ler o livro traduzido, tenha a mesma sensação que o original teve. "Também é muito gratificante saber que alguém leu a tradução e gostou ou ver alguém analisando o estilo do autor e perceber que você conseguiu reproduzir as características que precisava reproduzir".
"Não gosto de ler o trecho antes de traduzir, então vou traduzindo meio às cegas, descobrindo o texto, e depois releio arrumando o texto. Nessa releitura, o desafio é não arrumar demais o texto, não botar ordem no que precisa ser caótico. Também foi nessa hora que precisei tomar as decisões inevitáveis ao mesmo tempo em que tentava preservar as ambiguidades do original em português".
Assim como Galindo, Débora recomenda aos interessados na profissão a leitura de muitos livros, principalmente em português. "E textos de todos os gêneros e épocas".
Mergulho em outras culturas e perspectivas
Traduzir é tornar acessíveis novas culturas, mundos, modos de fazer, brincar, ser e estar no mundo. É dessa forma que Nina Rizzi, paulista radicada no Ceará, vê o trabalho do tradutor. "É um trabalho muito empático, de você se aprofundar em outra cultura, em um texto que parte da população brasileira não teria acesso se não fosse traduzido", afirma.
O processo de tradução está presente na vida de Nina Rizzi há mais de 20 anos. O que começou como uma forma de aprendizado sobre a linguagem, passou a ser um trabalho "profissional" em 2018. "Traduzir me ensina sobre a linguagem, sobre como a gente pensa, e revela quem a gente é".
Assim como Débora e Galindo, Nina explica que o tempo dedicado a um trabalho depende da disponibilidade dela e do cronograma da editora, podendo ser finalizado em semanas ou meses.
Com uma tradução que foca em obras com temáticas de raça e gênero, a pesquisa é uma importante parte de seu processo. Nina é zelosa e atenta com as palavras e expressões. Por isso, pesquisa. Pesquisa sobre raça, histórias, formas de expressões e costumes.
"Gosto muito porque posso brincar, encontrar outras maneiras de dizer, principalmente com os livros infantis, que tendem a ser mais criativos e permitem que a gente coloque a criatividade em cena, fazendo um jogo lúdico com rimas, ritmos e aliterações. É desafiador, mas divertido".
Além disso, destaca: "Meu trabalho tem um foco em raça, classe e gênero, tem a ver com muitas pesquisas minhas, minha própria poesia. E é muito importante ver que o mercado tem se aberto mais para essa poesia [negra], essa infância negra e o pensamento negro, como de James Baldwin".
Em sua caminhada, vai descobrindo outras maneiras de falar sobre questões sociais, culturais e políticas. "Às vezes precisa de um jogo, entender o contexto para encontrar, naquele momento, a tradução mais adequada. Exige muita pesquisa". Dentre alguns dos autores traduzidos, estão: James Baldwin, bell hooks, Nikki Giovanni e Chimamanda Ngozi Adichie.
Durante a conversa com o Diário do Nordeste, Nina ainda acrescenta a relevância de pessoas de outros perfis estarem ocupando o espaço da tradução, que por muito tempo foi majoritariamente ocupado por homens brancos.
"Há alguns meandros da vida, que estão dentro do texto, que pessoas brancas ou homens talvez não consigam acompanhar. E mesmo se eles tivessem uma pesquisa muito intensa, não existem mulheres negras fazendo tradução também? Mulheres que são completamente invisibilizadas? Então, é importante ocupar esse lugar sim".