Filme cearense ‘O Melhor Amigo’ une comédia romântica e ‘musical tropical’ em trama sobre amor e comunicação
Novo longa do cineasta Allan Deberton (“Pacarrete”) é inspirado em curta do diretor lançado há 10 anos e estreia nos cinemas nesta quinta-feira (13)
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Há mais de 10 anos, o curta “O Melhor Amigo”, do cearense Allan Deberton, foi postado no YouTube e chegou a mais de 1 milhão de visualizações. “Adorava acompanhar a repercussão. As pessoas se viam, tinham empatia ou entendiam ele como parte de um longa que não existia. ‘Cadê o resto do filme?’, ‘agora que tá ficando bom’ (risos)”, rememora o diretor nascido em Russas em entrevista ao Verso.
Foi nessa época que o cineasta compreendeu o potencial que a história de Lucas — um adolescente que viaja para Canoa Quebrada com o amigo Felipe e se percebe apaixonado por ele — tinha para ser ampliada: “Achei tudo muito curioso e pensei ‘talvez dê pra transformar num longa’”. O fruto dessa “demanda” espontânea estreia nos cinemas nesta quinta-feira (13).
No formato de longa, “O Melhor Amigo” segue Lucas (Vinícius Teixeira), um jovem adulto frustrado com o atual namoro que viaja para a praia em busca de tranquilidade. Lá, acaba reencontrando Felipe (Gabriel Fuentes), uma paixão da época da faculdade, o que reacende o passado e confunde planos de futuro.
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Novos personagens e novo gênero
Além do protagonista e do interesse romântico, ambos já presentes no curta, se somam à história outras personagens, com destaque para o núcleo de performers da boate Sal & Pimenta, formado por Denis Lacerda, Rodrigo Ferreira, Muriel Cruz e Souma. Há, ainda, presença de Cláudia Ohana, Mateus Carrieri e Gretchen na obra.
Como diferencial crucial em relação ao curta, o novo filme de Allan agrega o gênero musical para a obra. Sucessos dos anos 1980, como “Escrito nas Estrelas” e “Mais Uma De Amor (Geme, Geme)”, compõem a trilha sonora.
A decisão em apostar no gênero fez parte de um processo espontâneo. Além de atualizações na trama — como fazer do encontro entre Lucas e Felipe, na verdade, um reencontro —, Allan escolheu “peças fundamentais do curta que valeriam a pena ir para o longa” a partir das reações dos comentários do YouTube.
“O espírito do curta era colorido, com uma certa musicalidade, praiano, com um elenco jovem. Isso já foi norteador para o que seria o longa”, avança o diretor. Neste processo, assim como em outros projetos, Allan criou junto uma playlist que se alinhava a essas características.
“Ela já era nostálgica. Eu desejava trazer isso justamente para poder fazer um paralelo com a nostalgia que o protagonista tem em relação ao Felipe, a música podia reafirmar esse passado”, explica.
Tornar a obra um musical, no entanto, era algo que Allan “queria evitar” — e não por falta de gosto pelo gênero. “Eu adoro, já produzi dois espetáculos de teatro musical”, garante. Justamente pelas experiências, o diretor sabia das exigências de uma obra do tipo.
“Tecnicamente é um gênero muito complexo, exige esforço na execução. Entendendo esse desafio, eu buscava evitar, mas quando as músicas foram sendo licenciadas e percebi que falavam de amor romântico, nostalgia, vi que elas poderiam ser amplamente narrativas. Quando a gente foi percebendo que era possível, me aventurei. ‘Pode dar muito errado, mas pelo menos vai ser diferente, vamos tentar fazer um musical tropical’”
Elementos de tempos distintos
A lista de canções performadas em “O Melhor Amigo” inclui também “Amante Profissional”, da banda Herva Doce, e “Perigo”, da cantora Zizi Possi. A trilha sonora oitentista e outros elementos saudosistas coexistem com diversos aspectos contemporâneos, como aplicativos de pegação e representação de relacionamentos abertos.
“Gosto de trabalhar a questão do tempo em um lugar misterioso, como se a gente não conseguisse identificar exatamente. Em ‘O Melhor Amigo’, existia um interesse em não apontar um ano específico e exercer uma temporalidade em que a gente exponha as questões da comunicação de forma contemporânea mantendo o passado”, elabora o cineasta.
Essa intenção é evidenciada, por exemplo, quando Lucas e Felipe vão a um restaurante onde cada mesa tem um telefone fixo por meio do qual é possível ligar para outros clientes e paquerar.
Tal imagem, Allan partilha, o acompanhava desde a infância em Russas, quando escutou uma tia conversar com amigas sobre um bar em Fortaleza em que o método de flerte era esse.
“Nunca vi esse bar, mas fiquei imaginando e no curta, lá atrás, ela foi executada. No longa (também), mantendo o espírito do curta e a comunicação como um tema — porque o filme fala sobre comunicação, não-comunicação, e isso é colocado hoje num lugar mais prático por conta dos aplicativos”, aponta.
Mais do que mudanças dos tempos, Allan quis apostar em mudanças entre fases da vida. “Diferentemente do curta, os personagens estão mais amadurecidos, a gente está colocando eles pela casa dos 26, 27 anos. Achei de bom tom amadurecer a discussão, mas sem perder a oportunidade de que o filme pudesse se comunicar também com o público original do curta”, explica.
Histórias descentralizadas
Curiosamente, o segundo longa de Allan, assim como o primeiro, aposta em contar uma história que descentraliza as narrativas da capital para outros espaços. “Pacarrete”, estreia dele, narra uma história que se passa em Russas.
Em “O Melhor Amigo” , Canoa Quebrada é a locação majoritária — ainda que as sequências de boate, por exemplo, tenham sido gravadas no Valentina Club, no Centro de Fortaleza. Finalmente, há poucos meses Allan filmou o terceiro longa, “Feito Pipa”, em Quixadá.
No entanto, como Allan adianta, o próximo trabalho dele, “Adoção”, será “feito em Fortaleza por completo”. “Vou brincar um pouco mais com a urbanidade agora”, diz.
“Esse olhar para descentralizar existe de forma natural, porque vim do interior, saí por volta dos 18 anos. Meu olhar é do interior”, compreende. “Tento fazer isso emprestando a experiência de espaços aos quais tive acesso. Tanto o curta quanto o longa (de ‘O Melhor Amigo’) vieram de sensações de quando fui para Canoa Quebrada pela primeira vez”, exemplifica.
A experiência pessoal também guiou os caminhos de “Feito Pipa”, mas dessa vez a partir da vivência do roteirista André Araújo. “Ele também é do interior, é um filme muito particular para ele nas relações humanas, personagens, e naturalmente foi sendo ‘levado’ para o interior”, afirma.