Artista denuncia ter obra removida de exposição em Fortaleza: ‘Censura’

Trabalho “KilomboAldeya”, de Matheus Ribs, estava na Galeria Liberdade, no Palácio da Abolição.

Escrito por
Diego Barbosa diego.barbosa@svm.com.br
(Atualizado às 07:19, em 03 de Dezembro de 2025)
Na imagem, uma bandeira retangular, predominantemente verde-escura. No centro, há um losango vermelho que contém um círculo preto. A borda superior do círculo preto tem um semicírculo branco com o texto em vermelho
Legenda: Obra foi idealizada em 2021 e tem circulado o país.
Foto: Reprodução/Redes sociais.

Pela primeira vez no Ceará para expor um trabalho, o artista visual e cientista político carioca Matheus Ribs foi surpreendido por fato inusitado: a obra de autoria dele foi removida de uma exposição na Galeria Liberdade, localizada no Palácio da Abolição, sede do poder político cearense. “KilomboAldeya” faz releitura da bandeira nacional, trocando o lema “Ordem e Progresso” por “KilomboAldeya” – referência a territórios indígenas e afro-brasileiros. 

Segundo ele, o convite para expor em Fortaleza aconteceu há pouco mais de um mês por meio do coletivo cearense Aparecidos Políticos, de arte e política. O grupo está à frente de “Se não for agora, um dia será”, mostra coletiva que revisita Memória, Verdade e Justiça por meio de 20 obras. Além de integrar o projeto, “KilomboAldeya” também foi chamada para fazer parte de exposição no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura.

Conforme Matheus, no sábado (2) grupos entraram em contato solicitando a retirada da obra do Palácio da Abolição. “Essa foi a informação que eu recebi da própria coordenação da galeria, do coletivo Aparecidos Políticos e da direção do Museu da Imagem e do Som”, relata.

A reportagem solicitou entrevista com a direção do Museu da Imagem e do Som do Ceará – responsável pela gestão da Galeria Liberdade e também entrou em contato com a assessoria do Instituto Mirante, que gere os equipamentos. Até o fechamento deste texto não obteve retorno.

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O que até então eram apenas ligações, tornaram-se, nas palavras do artista, “uma ordem solicitando a realocação da obra para mais próximo da galeria”. A primeira justificativa, relembra, foi o receio com relação ao espaço – de ser invadido por grupos descontentes com a situação. A segunda foi o fato de que a galeria se restringe somente à estrutura, e não ao panorama externo no Palácio.

“Este último ponto, por sinal, é curioso, já que outras obras não tiveram problema de estar nesse espaço”, diz. Na sequência, Matheus foi convocado a pensar conjuntamente com a equipe responsável pela exposição a realocação da obra. “Entendi esse episódio já como sinalização de uma censura, o que deixei muito claro numa reunião com a direção do MIS, com a secretaria executiva do Instituto Mirante e com a coordenação da Galeria Liberdade”.

No fim das contas, após ceder e consentir com a possibilidade, a reinstalação do trabalho foi feita. De acordo com o artista, “o Museu da Imagem e do Som e o Instituto Mirante me garantiram que não voltaríamos a ter problema com essa obra”.

Contudo, na última quinta-feira (27), o carioca conta que recebeu uma mensagem da coordenação da Galeria Liberdade afirmando que “KilomboAldeya” foi removida completamente do novo lugar onde havia sido colocada. “Não fui informado, não me ligaram, não disseram onde está a obra… Ela só foi removida sem nenhum tipo de diálogo”, detalha Matheus.

Obra foi censurada no Rio de Janeiro

Não é a primeira vez que “KilomboAldeya” passa por situação semelhante. Em julho, o trabalho foi censurado no Festival Sesc de Inverno, realizado em Itaipava, distrito de Petrópolis (RJ).  Na ocasião, a Guarda Civil Municipal retirou a obra do evento sob alegação de “desrespeito ao símbolo nacional”.

Agora, no Ceará, a sensação de Matheus – com raízes no Estado, uma vez a família ser de Guaraciaba do Norte – é de lamento. “Estava muito feliz de trazer essa obra pra cá, de poder voltar depois de tanto tempo, desde a infância".

Segundo conta, nada mais aconteceu formalmente em relação ao caso. O artista não tem nenhum registro escrito da remoção do trabalho, nem sabe onde a obra está guardada. Ele relata ter passado por uma negociação para a realocação e ter recebido a garantia de que não teria mais problema.

Quando questionado sobre o motivo de “KilomboAldeya” provocar esse tipo de movimentação, é direto: “Acho que tem uma dificuldade de reescrever no espaço público outras narrativas que não sejam as narrativas oficiais ligadas à colonização. Não estou alterando institucionalmente a bandeira nacional, mas me apropriando desse símbolo para rediscutir outras coisas, como a existência de quilombos e aldeias indígenas nesse país, e fazer a inclusão dessas populações na História do Brasil”.

Nesse sentido, lembra, inclusive, da fala de uma pessoa quilombola durante montagem da exposição no Dragão do Mar na qual “KilomboAldeya” participará, "Quilombolas - Tecendo territórios de liberdade", com abertura neste sábado (29). “Ela falou, ‘se não conseguem me ver numa bandeira, será que conseguem me ver na História desse país, conseguem garantir os meus direitos?’”.

Próximos passos

Matheus Ribs acionou a Fundação Nacional de Artes (Funarte) e aguarda resoluções. Ele também fez uma publicação nas redes sociais na qual relata todo o fato, encerrando com a frase: “Ao remover a obra, o governo reafirma o histórico pacto de silêncio que tenta neutralizar qualquer tentativa de reescrever o espaço público desde perspectivas negras, indígenas e decoloniais”.

“O que eu gostaria era de realmente encontrar as autoridades responsáveis por esses equipamentos para pensarmos outra possibilidade de trabalhar essa obra, pensar numa ação educativa”.

 

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