Amigas de metrô trocam presentes de Natal após se conhecerem durante viagens
Encontro natalino aconteceu na última semana de novembro e renovou a inusitada amizade.
Nem seis horas da manhã, e a linha sul do Metrô de Fortaleza testemunha raridade: se para alguns apanhar transporte público nesse horário pode ser infernal, para um grupo de mulheres a história é outra.
Elas conversam, gargalham e partilham a vida entre os assentos do coletivo. Sobem em praticamente cada estação, e a entrada de cada uma no veículo é um acontecimento. São cumprimentadas, festejadas, por vezes até aplaudidas. Um deslumbre.
Em número de sete, tornaram-se as amigas de metrô. Nunca haviam se visto antes até se conhecerem assim, pegando o mesmo transporte todos os dias, mesmo horário e vagão, o três. O laço fraterno ficou tão sólido que recentemente transbordou. Foi quando realizaram o primeiro Amigo Secreto, ou melhor, Amigo Doce, na casa de uma delas, regado a tudo aquilo que já vivenciam nas viagens de Maracanaú ao Centro: diversão, escuta e amizade.
“A ideia de fazer esse encontro foi porque, como estava chegando o fim do ano, a gente queria se reunir. Só que eu não queria que fosse dentro do vagão, mas um momento só nosso pra conversar, falar sobre a vida... Combinei com elas e deu certo. Aconteceu no dia 29 de novembro, quando dava na agenda de todas”, conta Ana Paula Gonçalves, 41.
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Mais jovem do grupo com idades predominantemente acima dos 50, a pescadora foi idealizadora da confraternização natalina e também, há alguns meses, criadora do grupo “Amigas do Metrô”, no WhatsApp. Gosta de estimular a turma a ir além dos encontros no transporte porque sente que ali encontrou verdadeiro espaço de acolhimento.
Não à toa, além da troca de presentes, a casa da própria Ana Paula, na Pavuna – divisa entre Maracanaú e Pacatuba, Região Metropolitana de Fortaleza – protagonizou brincadeiras e muitas alegrias durante o encontro combinado. Dinâmicas e jogos favoreceram com que cada uma conhecesse um pouco mais daquelas que fazem os dias serem melhores.
“A presença delas é muito importante porque, quando as conheci, estava passando por um momento difícil, e elas me ajudaram. Vou levá-las para a minha vida toda”, comemora Ana Paula. “Tem gente que não gosta muito da nossa alegria, mas penso que só em a gente amanhecer vivo já é importante. Temos que agradecer sempre. Por que acordar mal-humorado? Tem que acordar alegre, sorrindo, vivendo a vida”.
Melhorar o dia a dia
O conhecimento das amigas de metrô por este repórter que vos escreve aconteceu por meio de prosa com dona Graça Sampaio, 62. Simpática, não demorou a revelar, entre os assentos da estação do Mondubim, enquanto aguardávamos o trem, como a dinâmica fraterna acontece, e o quão bem o grupo tem feito ao próprio cotidiano dela.
“Comecei logo dizendo que estava com dor no joelho, pra pegar um canto pra mim. Foi assim que sentei perto delas e iniciei a amizade”, ri. “São amigas maravilhosas, amo nossa parceria. É tudo muito sincero. Quando dona Olga entra, aí é que a alegria chega mesmo. Aquele sorriso, aquela bênção… É bom demais”.
Vendedora de bolsas junto ao esposo, José Augusto, no Galpão da Felicidade, feira da José Avelino, ela credita à união de mulheres até uma transformação sobre o próprio ofício. Em algum momento do trajeto, dadas as dificuldades, pensou em desistir do trabalho. Logo as amigas entraram em ação nos poucos minutos de convivência no metrô para mudar aquele panorama. Trazer um pouco mais de garra à companheira, talvez.
Aconteceu. “Disseram que, mesmo que não desse pra eu vim ao trabalho todo dia, que fosse pelo menos uma ou duas vezes, mas não deixasse de ir. Dona Olga, por exemplo, tem 74 anos, e diz que não pensa em parar. Ela é uma inspiração. Diz que a melhor coisa que tem é trabalhar. Isso faz muito sentido pra mim”, divide a comerciante.
“Aquela alegria toda delas no início da manhã faz muita diferença no meu dia. É muito bom embarcar no metrô e saber daquelas pessoas que gostam muito da gente. Nunca passei por isso antes, é a primeira vez. E sem nenhuma intenção, porque, quando a gente entra ali, nosso destino é o trabalho. Mas, de repente, vem essas pessoas e mudam a nossa vida”.
Ensinar e aprender
Tão citada por dona Graça, dona Olga é a mais experiente do grupo e uma das vozes da sabedoria entre as amigas. Lembra do que já vivenciou na própria trajetória e gosta de orientá-las. Ela embarca na estação Vila Manoel Sátiro e, tão logo atravessa a porta automática, ganha o carinho de quem está aguardando a chegada.
“Fomos nos falando, nos comunicando, brincando umas com as outras… Quem não gostou, se afastou; quem gostou, ficou”, sentencia a contadora e consultora de beleza sobre o grupo. Extremamente católica, sempre está com blusa em alusão a algum santo. Apanha o metrô cedinho para ir à missa, não sem antes colaborar com a limpeza da igreja.
Esse espírito de fé e carinho é o que a faz protagonizar outros instantes junto às parceiras. Além de colocar os papos em dia, por vezes trazem café, chá, bolo. Cantam parabéns nas ocasiões de aniversário, e nunca deixam de celebrar o que precisa ser celebrado.
“Como sou a mais velha da turma, quando tem uma que está com problemas, digo ‘mulher, não chore, não. Se respeite. Quem não se respeita não merece respeito. Se ame’. E falo pra elas se sentirem amadas, importantes. Meu lema de vida é ‘Não fujo de quem me busca, não choro por quem me deixa’”, diz.
“Ao mesmo tempo, também aprendo demais com elas. A vida é uma troca diária. À medida que você dá, você recebe. A gente aprende com todo mundo, com crianças, idosos, com alguém da sua idade. Basta querer, ter sabedoria na vida e Deus no coração”.
As amigas de metrô seguem aliadas. Principal arma contra todo e qualquer mal, o sorriso. Próximo ano, o encontro natalino deve ser um churrasco. É o que pretendem e buscam. Entre as estações, novos motivos para ajustar os trilhos.