Cearense passa o Natal em hospitais há 20 anos para levar alegria a internados
Rosane Azevedo é uma das 500 voluntárias do projeto Natal de Amor, em Fortaleza.
Se alguém do futuro dissesse que um panfleto mudaria para sempre a vida de Rosane Azevedo, ela não acreditaria. Mas foi assim que aconteceu. Ao frequentar um centro espírita em Fortaleza, a professora recebeu um pedaço de papel no qual constavam detalhes sobre um projeto natalino cujo objetivo era levar apoio e alegria a pessoas internadas.
Interessou-se, ligou para o número informado e foi convidada a participar. Desse dia em diante, já são 20 Natais em meio a corredores e leitos de hospital, unida a gente que aguarda, ansiosa, aquela presença boa, de pessoa desejosa de fazer o bem.
“Desde o primeiro momento em que entrei no hospital e senti aquela forma diferente de fazer o Natal – acolhendo os doentes que estão ali, me doando por meio de um gesto de amor, levando alegria a um ambiente tão sofrido – passou a ser algo extremamente gratificante”.
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A data passou até a fazer mais sentido, principalmente porque não age sozinha. Cerca de 500 integrantes do Natal de Amor – iniciativa totalmente voluntária e não-governamental, com 29 anos de história – saem das próprias casas na tarde de 25 de dezembro para ocupar todas as instituições de saúde pública em Fortaleza e na Região Metropolitana.
Munidos de gorros vermelhos, sem qualquer tipo de conotação religiosa, eles adentram os recintos cantando e ressoando as melhores energias. Aproximam-se dos internados e levam palavras de consolo, conforto e esperança. Mais que gesto verbal, a presença é o verdadeiro diferencial da ação que elege a empatia como o maior presente de fim de ano.
“No total, levamos mais de seis mil itens aos hospitais. A intenção é que cada pessoa receba o brinde como um gesto simbólico, que se torna importante porque ela recebeu das mãos do Papai Noel no dia de Natal e veio cheio de amor e fé, otimismo e esperança”, conta.
Preparação para o grande dia
Até que esse instante aconteça, muitos movimentos são realizados. Basta virar o novo ano para que a equipe de voluntários se reúna e planeje a próxima edição. Metas são traçadas e passos são avaliados. A partir do mês de outubro, inicia-se contato com os hospitais para checar possíveis alterações na quantidade de leitos.
O cálculo é necessário: outro dos propósitos da iniciativa é entregar um presente simbólico para cada paciente de todos os hospitais públicos assistidos pela ação, o que demanda outro tipo de esforço. Reunião de voluntários semanas antes da visita para embalar todos os itens em pequenos pacotes é um bom exemplo.
“O momento de doação já começa ali porque tiramos um dia do nosso mês de dezembro – período que, por si só, deixa todo mundo atarefado – para se entregar a esse projeto e organizar kits e embalagens, separados por hospital. A meta é chegar em cada paciente e fazer nosso trabalho da melhor forma possível no dia 25”, explica Rosane.
Ao longo das duas décadas nessa dinâmica carinhosa, esse espírito agregador permaneceu intacto, mas muita coisa mudou. Uma delas diz respeito ao próprio alcance do Natal de Amor. O projeto começou quando um grupo de amigos resolveu se unir para angariar contribuições – a exemplo de donativos, produtos de higiene e brinquedos – e levar para uma pequena comunidade do município de Guaiúba, local onde moravam familiares de um dos integrantes.
O ponto de virada aconteceu já neste instante, quando arrecadaram muito além do estipulado e resolveram fazer uma doação ao Instituto Doutor José Frota, em Fortaleza. Frente à alegria da realização, combinaram de continuar a ação no ano seguinte, ampliando o raio de alcance para outros hospitais. De repente, estavam em todos os hospitais públicos da Capital e Região Metropolitana, e com um time ainda maior.
“Era tudo bem simples nas primeiras edições: não havia músicos, e às vezes os voluntários não conseguiam ter contato com os pacientes, faziam só entregar no setor de Serviço Social do hospital… Mas aquilo fazia tão bem que resolveram dar continuidade. Assim foi plantada a semente, e o Natal de Amor foi crescendo”, detalha Rosane.
“Apesar de tudo acontecer no exato dia de Natal – e algumas pessoas comentarem ser uma data para estar com a família – esse é um momento que faz com que a gente abra mão de estar ali, com nossos pares, mas sabendo que muitos deles participam com a gente, se não de forma direta, ao menos de modo indireto”
Interessados em participar do projeto, basta seguir o perfil da ação no instagram, mandar mensagem via Direct ou por meio do WhatsApp por meio do link na bio.
Vida transformada
Quando questionada sobre a mudança de vida proporcionada por tantos instantes emblemáticos, Rosane traz à tona acúmulo de emoções: dos pacientes assistidos, dos voluntários participantes, da própria história. Alguns dos mais significativos, elenca, envolvem pessoas que um dia conheceram o projeto ao estarem internadas e depois, já curadas, voltaram à mesma instituição para devolver o gesto de solidariedade.
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O contrário também acontece, de um voluntário precisar se internar e passar a ser visitado, ao invés de visitar. “São momentos sempre muito marcantes”, destaca. “Outras vezes, acontece de algum paciente falecer durante a nossa visita porque, infelizmente, havia chegado o momento dele. Ficamos ali, cantando de forma tranquila, enviando preces para aquela pessoa que estava partindo naquele momento. É tudo muito significativo”.
O ano de 2013, contudo, brilha de forma diferente para a professora. Foi quando perdeu o filho mais velho após luta de dez meses contra a leucemia. Faleceu em novembro, pouco mais de um mês antes do Natal. Embora repleta de dor e saudade, não titubeou e participou do Natal de Amor mesmo assim. Precisava participar.
“E mesmo com toda a emoção que vivenciei – de olhar para as pessoas no leito de hospital e lembrar do sofrimento que ele passou – de certa forma também senti gratidão a Deus por ter me dado oportunidade e força de continuar o trabalho e estar ali também, até por ele. Tenho certeza de que ele ficaria feliz em me ver participando do Natal de Amor”.
Não à toa, o desejo muito certo de continuar. Dobrar o tempo e seguir por mais 20, 40, 60 anos, a quantidade de tempo boa para que mais pessoas renasçam de novo e de novo e de novo. “Aprender a doar um pouco de nós, do nosso tempo, da nossa saúde até, e ter possibilidade de fazer uma visita a quem não está saudável é forma de entender o que Jesus nos ensinou. Que a gente pode fazer algo por alguém”.