Legislativo Judiciário Executivo

Com voto de Fux, há chances do julgamento contra Bolsonaro ser anulado? Entenda

O PontoPoder conversou com especialistas em Direito Penal e Constitucional para entender a questão processual

Dois homens estão sentados em cadeiras de couro na cor bege, em um ambiente formal de tribunal. À esquerda, Fux, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), veste toga preta e escreve em um livro. À direita, um homem de terno escuro e gravata listrada permanece sentado com expressão séria. Trata-se de Jair Bolsonaro. Entre eles, há uma divisória de acrílico transparente. Em primeiro plano, sobre a mesa, há um frasco de álcool em gel.
Legenda: Para Fux, o caso que envolve Bolsonaro devia ser analisado pelo Pleno do Supremo ou mesmo pela Primeira Instância da Justiça Federal.
Foto: Fellipe Sampaio/STF

Terceiro ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) a votar no processo sobre a trama golpista de 2022, nesta quarta-feira (10), Luiz Fux defendeu a nulidade do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outros sete réus na Primeira Turma. A Corte analisa a ação penal (AP) 2668, relativa ao “núcleo crucial” da tentativa de Golpe de Estado.

Perfis bolsonaristas na internet, como os próprios filhos do ex-presidente, agarraram-se à leitura do ministro para tentar invalidar uma eventual condenação do político. Mas há chances reais de o julgamento de Bolsonaro e outros ser anulado? 

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Segundo especialistas ouvidos pelo PontoPoder, considerando a jurisprudência do Supremo, a probabilidade é baixa, mas não nula. Independentemente de como esse tópico específico vai se desdobrar na Corte, os seus efeitos políticos já são visíveis. 

É o que aponta Fernandes Neto, doutor em Direito Constitucional e especialista em Processo Penal pela Universidade de Fortaleza (Unifor). 

“(O voto de Fux) tem uma repercussão, claro, política, uma vez que esse dissenso vai alimentar uma narrativa dos adeptos do Bolsonaro. Se estabeleceria que o Supremo Tribunal, que o julgamento, estaria de alguma forma maculado. Com certeza terá esse reflexo político”, avalia.

Competência x cerceamento de defesa

Como adiantado pelo próprio ministro, seu voto divergiu tanto em questões preliminares apresentadas pelas defesas como no mérito em relação ao posicionamento dos seus antecessores. 

O relator Alexandre de Moraes e Flávio Dino se posicionaram nessa terça-feira (9) pela condenação dos réus, pela validade da delação premiada de Mauro Cid e contra anistia aos acusados. Desses três pontos, Fux se manifestou expressamente a favor da legalidade da delação.

Por outro lado, opinou pela “incompetência absoluta” da Primeira Turma em julgar a ação penal, devido à ausência de prerrogativa de foro dos acusados, e pela nulidade do julgamento, em decorrência da “disponibilização tardia de um tsunami de dados” nos autos, que teriam dificultado o direito à ampla defesa dos réus. 

Para ele, o caso devia ser analisado pelo Plenário do Supremo ou mesmo pela Primeira Instância da Justiça Federal. 

"Os réus não têm prerrogativa de foro, porque não exercem função prevista na Constituição. Se ainda estão sendo processados em cargos por prerrogativa, a competência é do plenário do STF. Impõe-se o deslocamento do feito para o órgão maior da Corte", justificou. 

Quanto ao cerceamento de defesa, ele acolheu argumentação dos advogados dos réus sobre a ocorrência de “document dump” ainda na fase de instrução. A alegação foi rejeitada pela Primeira Turma em março, ocasião em que Moraes ressaltou que defesa e acusação tiveram acesso aos mesmos documentos. Mas a questão voltou nesta semana. 

"Por isso, em razão da disponibilização tardia de um tsunami de dados, ‘data dump’, sem identificação suficiente e antecedente minimamente razoável para os autos processuais, eu confesso que tive dificuldade para elaborar um voto imenso. Eu acolho a preliminar de violação à garantia constitucional contraditória e da ampla defesa e reconheço a ocorrência de cerceamento e, por consequência, declaro a nulidade do processo desde o recebimento de denúncia", disse.

Mesmo com apontamentos sobre a invalidade do processo, o ministro Luiz Fux fez exposição de voto sobre o mérito das acusações da Procuradoria-Geral da República (PGR), apresentadas em fevereiro e aceitas pelo STF em abril deste ano.

“Este posicionamento é inovador, pois ele recebeu a denúncia, tanto no início quando no julgamento da admissibilidade, sem fazer qualquer ponderação a respeito”, avalia Nestor Santiago, advogado criminalista e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Unifor. 

Em relação ao questionamento sobre o “tsunami de dados”, Santiago acredita que, por ter surgido na fase de instrução, é um problema “novo”, que pode ser levantado a qualquer momento do processo.

“Como são questões que nós chamamos de ordem pública, não há preclusão. Então podem ser levantadas a qualquer tempo, desde que vigente o processo”, complementa, ainda, Fernandes Neto.

Julgamento de Bolsonaro pode ser anulado? 

Para o proferimento da sentença – seja pela condenação, seja pela absolvição – estão pendentes apenas os votos de Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, que completam o time de magistrados da Primeira Turma do STF. A previsão é que isso ocorra até sexta-feira (12). 

Ancorados no entendimento de Luiz Fux, a defesa pode tentar anular o processo. Se ele for seguido pelos colegas na argumentação sobre a validade do julgamento, cabem embargos infringentes ao Pleno do Supremo. Assim, o assunto será apreciado não só pelos ministros da Primeira Turma, mas pela totalidade do STF. 

O dispositivo vale para divergências de, no mínimo, dois votos quanto à nulidade e ao mérito das ações. É a regra adotada pelo Supremo por jurisprudência formada em 2018, no julgamento do Caso Maluf (AP 968-AgR, Plenário, Rel. Min. Edson Fachin). 

Contudo, se Fux seguir sozinho nesse tópico, a defesa pode opor embargos de declaração visando a anulação do julgamento. O recurso, nesse caso, seria analisado pela Primeira Turma, podendo repetir o resultado anterior. Mas os advogados podem tentar inovar, já esse entendimento é jurisprudencial, não regimental.

“É possível – e é muito natural – que a defesa, dado um voto só divergente (que caberia embargos declaratórios), possa assim mesmo impetrar o embargo infringente no sentido de tentar a modificação da jurisprudência e o reconhecimento do embargo para o Pleno”, observa Fernandes Neto, doutor em Direito Constitucional e especialista em Processo Penal pela Universidade de Fortaleza (Unifor).

Encaminhado para uma análise mais ampla, a defesa, em tese, poderia ter mais chances de sucesso. Tudo isso, entretanto, ainda está no campo da especulação. 

Caso a argumentação de nulidade fosse vencedora, o processo teria que ser remetido para o juiz competente, que, segundo a análise de Fux, seria a primeira instância da Justiça Federal ou o Plenário do STF, o que levaria a um recomeço do processo com a redistribuição para outro relator.

Precedentes

Os problemas levantados pelo ministro não são objetos inéditos de discussão na Corte. Segundo Fernandes Neto, quanto à questão do foro por prerrogativa de função, o STF já formou precedentes atestando a sua competência no julgamento de ex-detentores de cargo político.

Um exemplo é a análise conjunta do Habeas Corpus 232.627 e do Inquérito 4787, em março deste ano. A teste fixada foi a seguinte:

“A prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício.”

O mesmo vale para a alegação de que, se for legal o julgamento no Supremo, isso deve ser feito no Pleno, não em órgão colegiado. “Há sempre a possibilidade de mutabilidade das decisões, mas o plenário já deliberou acerca da competência tanto do Supremo Tribunal Federal, como da sua turma para julgar esses processos”, pondera Fernandes Neto.

Pelo princípio do colegiado, pontua, ainda, o julgador pode divergir sobre uma temática específica, mas seguir a definição do tribunal sobre a temática, “reconhecendo-se vencido, mas ressaltando sua discordância”.

Nulidade do foro x Alexandre Ramagem

Ainda sobre esse tópico, vale destacar que, entre os réus, há um com foro privilegiado. Trata-se de Alexandre Ramagem (PL), eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro em 2022. 

Na trama golpista, segundo a PGR, ele teria usado a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), quando diretor do órgão, para monitorar adversários políticos de Bolsonaro e atuado para sustentar a narrativa de fraude nas eleições. 

Uma parte da ação penal contra o parlamentar foi suspensa pela Câmara dos Deputados, que acionou a proteção constitucional por atos praticados durante o mandato. O STF seguiu o Legislativo em março, consolidando a suspensão do processo em relação a dois dos cinco crimes imputados a Ramagem pela PGR. Os delitos em questão teriam sido praticados após a sua diplomação. 

À época, Fux encaminhou a suspensão parcial. No voto desta quinta-feira, contudo, ampliou o entendimento e opinou pela suspensão total das acusações contra Ramagem

Relembre quem são os réus do ‘núcleo crucial’ da trama golpista 

  1. Jair Bolsonaro: ex-presidente da República;
  2. Alexandre Ramagem: ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin);
  3. Almir Garnier: ex-comandante da Marinha;
  4. Anderson Torres: ex-ministro da Justiça e ex-secretário de segurança do Distrito Federal;
  5. Augusto Heleno: ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI);
  6. Paulo Sérgio Nogueira: ex-ministro da Defesa;
  7. Walter Braga Netto: ex-ministro de Bolsonaro e candidato a vice na chapa de 2022;
  8. Mauro Cid: ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.

Quais são as acusações contra o ‘núcleo crucial’? 

Na denúncia apresentada ao STF, a PGR aponta que os réus participaram da elaboração de um plano que previa o sequestro e o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro do Supremo, Alexandre de Moraes. 

Além disso, a acusação aponta que os envolvidos produziram uma “minuta de golpe” com o objetivo de decretar medidas de exceção no Brasil para tentar reverter o resultado das eleições gerais de 2022, impedir a posse de Lula e garantir que Bolsonaro seguisse no poder. 

Outro fato que norteia o julgamento é o suposto envolvimento dos réus nos atos golpistas do dia 8 de janeiro de 2023, que culminaram na depredação de instituições públicas na Praça dos Três Poderes, em Brasília. 

O que está em julgamento?

O STF julga a ação penal 2668, que trata da denúncia oferecida pela PGR. São acusados 31 réus, divididos em quatro núcleos:

  • Núcleo 1: envolve oito réus, incluindo Bolsonaro, e é considerado o núcleo "central" ou "crucial" da articulação golpista.
  • Núcleo 2: conta com seis réus que são acusados de disseminar informações falsas e ataques a instituições democráticas.
  • Núcleo 3: é formado por dez réus associados a ataques ao sistema eleitoral e à preparação da ruptura institucional.
  • Núcleo 4: sete réus serão julgados por propagação de desinformação e incitação de ataques às instituições.
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