A macharada sem vergonha que odeia as mulheres
Por mais que a gente se diga envergonhado, por mais que você, dito homem sensível, diga que sente na pele, por mais que esteja indignado e solidário, por mais que tente eliminar o machismo em atos e palavras, por mais que faça sua parte, por mais que não entenda a covardia e monstruosidade dos seus semelhantes, por mais que peça punição contra a barbárie do feminicídio, nunca vai chegar ao entendimento completo, jamais sentirá na pele.
Somente no Ceará, foram 44 mortes de mulheres até o início deste dezembro. Infelizmente não ficará só nisso diante das festas e abusos de fim de ano.
Por mais que a gente, a macharada, abrace a causa, jamais sentirá o pavor de vislumbrar no beco, na próxima esquina, a sombra do inimigo, a ameaça do estupro que ronda as mulheres no Brasil cada vez que o relógio corre 11 minutos. Por mais que você até arrepie os pelos, jamais sentirá na carne.
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Por mais que você não entenda os machos que sempre buscam culpar as “loucas”, por mais que você condene o discurso na linha “incel” de ódio às mulheres, por mais que você julgue importante ter mais representatividade nas equipes de governo, por mais que você vá à passeata feminista, por mais que você ache bizarro o piadista da cultura do estupro...
Por mais que você se ponha no lugar da vítima, nunca saberá o terror que se instala no cérebro, pesadelo interminável, quando a sombra da macheza a persegue e a parada de ônibus está deserta.
Por mais que você resolva deixar de ser reaça e retire o seu apoio aos projetos de lei homofóbicos do Congresso. Por mais que você esqueça o passado de porco chauvinista. Por mais que você cresça e deixe de puxar os cabelos das meninas nos bares, festas e boates. Por mais que você saque e nunca mais caia na besteira de achar que existe “vadia para transar e santinha para o casamento”. Por mais que tudo isso seja um avanço, ainda é pouco, muito pouco, pouco mesmo para sentir o drama que apavora as mulheres no vagão do trem, na rua escura, no parque...
Por mais que ampliemos a vergonha para todos nós homens que colaboramos com a violência machista, por mais que façamos um “mea culpa” histórico, por mais que o crime hediondo seja punido exemplarmente, por mais que tenhamos uma ideia da maldade humana nos livros de ficção e na realidade... Por mais que tudo isso aconteça, estamos ainda muito distantes deste horror inominável.
Por mais que ralamos as nossas rótulas da culpa no “Ajoelhaço” anual da Cooperifa — pedido de perdão coletivo de homens na zona sul de São Paulo por erros e maus-tratos às mulheres —, por mais que a reeducação de hábitos e atitudes surta algum efeito... Mesmo assim, sinto muito, estaremos apenas começando a entender o desastre da “cultura do estupro”.
Por mais que sonhemos com outro tempo, o tempo da delicadeza, o implacável relógio nos despertará, daqui a 11 minutos, para mais uma ocorrência.
Por mais que você finja que não é com a gente, ei, acorda, te recomendo, urgentemente, a leitura do livro “Matou uma, matou todas" (Ed. Ação), do escritor e jornalista Klester Cavalcanti. Quem sabe, né, você desperte para a causa.
Um 2026 lindo e joiado para todos nós. Até a próxima.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.