O que dá para comprar com R$ 200 hoje e antes da pandemia? Veja levantamento
A reportagem do Diário do Nordeste, com base em pesquisa de preços do Procon Fortaleza, montou cesta de compras com valores de 2019 e de 2022
O forte aumento de preços, principalmente dos produtos essenciais, tem criado um dos mais complexos quebra-cabeças paras famílias conseguirem encaixar todos os gastos no orçamento. Em muitos casos, além da substituição por marcas e itens mais baratos, a alternativa tem sido a exclusão de produtos da rotina.
Levantamento realizado pelo Diário do Nordeste, com base em levantamento de preços do Procon Fortaleza nos supermercados da Capital, aponta que, em abril de 2019, antes da pandemia, o fortalezense conseguia sair do supermercado com 27 itens pagando apenas R$ 200,76.
Três anos depois, com quase o mesmo valor (R$ 199,36), é possível comprar apenas 14 itens.
A cesta de compras escolhida inclui itens das categorias de frutas e verduras, alimentação em geral, carnes e aves, padaria, higiene pessoal e limpeza doméstica.
A reportagem levou em consideração o valor médio entre os preços mínimos e máximos de cada item encontrados na pesquisa do Procon.
Se os mesmo 27 produtos adquiridos com R$ 200,76 em 2019 fossem comprados em abril deste ano, o consumidor gastaria cerca de 45% a mais, desembolsando R$ 293,80.
Confira a diferença da cesta de produtos adquiridos em 2019 e em 2022:
Acúmulo de fatores
O pesquisador do FGV Ibre, Matheus Peçanha, lembra que, especialmente de 2020 para cá, tem sido observado um acúmulo de choques de custo, com foco principalmente em alimentos.
Uma dessas causas são os episódios climáticos extremos, como o La Niña que provocou uma seca generalizada no Brasil em 2020 e impactou a colheita de grãos, como arroz, feijão, milho e soja, consequência que alcançou ainda a produção de carnes e até de energia.
Em 2021, após a seca, o País ainda enfrentou uma geada severa, vitimando, dessa vez, o segmento de horti-fruti. Já este ano as fortes chuvas e previsões de nova geada já acendem o alerta para possíveis prejuízos no agronegócio novamente.
"A gente está saindo de um problema climático para outro, e ainda tem a lógica da demanda externa mais câmbio impactando o setor agroexportador, diminuindo ainda mais a disponibilidade interna, o que gera também uma pressão por preço", explica.
Veja também
Concomitante a um aumento de preços decorrente da baixa na oferta, a população ainda enfrenta redução da renda nominal, ou seja, o que ela recebe de rendimentos diminuiu quando as pessoas foram demitidas, quando o informal não pôde mais trabalhar durante o isolamento social mais rígido, quando as alternativas disponíveis são subempregos, a exemplo do transporte e entrega por aplicativo.
"Se fosse só a inflação e todo mundo mantendo a renda no mesmo patamar, já seria ruim, com a renda real caindo. Não bastassem os preços em alta, muita gente teve a renda deprimida. Isso, principalmente para as famílias mais pobres, que a inflação se acumula principalmente em alimentos, é terrível"
Retirada de direitos
O supervisor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Reginaldo Aguiar, ressalta que a deterioração de uma série de direitos sociais nos últimos anos também tem contribuído para a sensibilidade das famílias brasileiras agora.
Ele lembra que, especialmente de 2017 para cá, diversas garantias foram reduzidas ou praticamente destruídas, de forma que não assegurar o mínimo de proteção social. Somado às elevadas taxas de desemprego atuais, o cenário se encaminha para uma tempestade perfeita.
"É interessante que nesse momento em que mais precisamos cuidar temos perda de direitos, temos o fim das políticas públicas. Precisamos rever todas essas desregulamentações que levaram a população ao atual estado das artes"
Aguiar recorda que ainda em 2019 começou a ser percebido elevações consideráveis no valor da carne vermelha, tendência que foi abrangendo cada vez mais produtos desde então. À época, os consumidores passaram a procurar substitutos, como a proteína de porco, de frango, ovos, etc.
No entanto, a substituição por itens alternativos e marcas mais baratas já não tem sido suficiente, levando ao corte no consumo em quantidades e produtos, provocando o aumento da insegurança alimentar.
"As pessoas passaram a optar por pular alguma refeição, ou não vestir para ter o que comer, não pagar a luz, o aluguel. Isso tem sido crescente ao longo dos anos e nada é feito", alerta.
Veja também
Medidas protecionistas
Com o aquecimento global e o cada vez maior descompasso climático, o pesquisador do FGV Ibre, Matheus Peçanha, pontua a necessidade de medidas com foco na preservação ambiental para retardar episódios ainda mais drásticos.
"Temos vivido problemas climáticos sérios nos últimos anos e que não dão trégua e continuamos sem uma política de desmatamento zero no cerrado e Amazônia. O mundo todo está preocupado com isso e parece que andamos na contramão. A gente está sentindo o preço disso nos preços"
Ele também defende medidas mais intervencionistas no que diz respeito às exportações para estabilizar a oferta interna e aliviar a pressão inflacionária. Com a demanda externa elevada e a desvalorização cambial do real, muitos produtores dão preferência ao mercado internacional.
Peçanha reforça que diversos países no mundo já estão adotando esse tipo de prática, deixando ainda mais evidente a necessidade dessas limitações também no Brasil.
"Seria uma medida bem mais intervencionista, mas mundo todo está tomando essas medidas protecionistas e a gente está sentindo isso na gôndola. Então, ou a gente se defende nessa mesma moeda ou a gente confia no mercado e o consumidor acaba pagando o pato", conclui.