'Reduflação': conheça fenômeno que mascara alta inflação

Fabricantes reduzem volumes e quantidades dos produtos, mas não abaixam os preços

Escrito por Lívia Carvalho , livia.carvalho@svm.com.br
Legenda: Supermercados preparam estratégia para competir com atacarejos
Foto: Fabiane de Paula/SVM

Sabão que não é mais de 1 kg ou achocolatado em pó com menos de 400 gramas, tudo praticamente pelo mesmo preço. Ao mesmo tempo que as cestas de compras dos consumidores diminuem, alguns produtos também estão encolhendo.

O fenômeno, conhecido como reduflação, não é novo, mas acelerou desde o último semestre de 2021 com a alta da inflação no Brasil.

No ano passado, por exemplo, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado como indicador oficial da inflação do país, fechou em 10,06%. Neste ano, o acumulado dos últimos 12 meses (até abril) já é de 12,13%.

O economista e professor da SBS School, Ulysses Reis, explica que o fenômeno (conhecido como ‘shrinkflation’, em inglês) “se tornou uma forma de mascarar a inflação” a partir de 2019. No início do século XX, essa redução era utilizada como uma forma de se adequar aos perfis das famílias, que estavam diminuindo.

Em vez de subir o preço do produto, as empresas estão usando uma estratégia para manter esse produto na prateleira dos mercados. O cliente tem uma impressão de que não houve um aumento grande de preço, mas o volume diminuiu, então, no fim das contas, houve um pequeno aumento no valor”. 
Ulysses Reis
economista

Entre a lista dos produtos que sofreram esse encolhimento estão o de consumo habitual, como alimentos e itens de limpeza. A reportagem do Diário do Nordeste fez uma pesquisa para averiguar quais os principais que tiveram mudança. Veja abaixo: 

1. Sabão em barra

Legenda: Sabão em barra sofreu redução de 10% no peso
Foto: Diário do Nordeste

2. Iogurte 

Legenda: Iogurte sofreu redução de praticamente 11% do peso
Foto: Diário do Nordeste

3. Barra de chocolate

Legenda: Barra de chocolate sofreu redução de 10% no peso, mas informações não são legíveis ao consumidor
Foto: Diário do Nordeste

4. Suco em pó

Legenda: Peso do suco em pó foi reduzido em 20%
Foto: Diário do Nordeste

5. Molho de tomate 

Legenda: Redução do peso do molho de tomate foi de 11,8%
Foto: Diário do Nordeste

6. Pão de forma 

Legenda: Redução do peso do pão de forma foi de 4%
Foto: Diário do Nordeste

7. Achocolatado em pó 

Legenda: Redução do volume do achocolatado em pó foi de 7,5%
Foto: Diário do Nordeste

8. Biscoito integral 

Legenda: Peso do biscoito integral reduziu em 20%
Foto: Diário do Nordeste

9. Toalhas de papel 

Legenda: Tamanho do rolo de toalhas de papel sofreu redução de 9,1%
Foto: Diário do Nordeste

10. Sabão líquido

Legenda: Volume do sabão líquido reduziu em 10%
Foto: Diário do Nordeste

Impacto no orçamento familiar 

Com as quantidades reduzidas e preços quase inalterados, a reduflação promove um impacto nos orçamentos familiares, especialmente agora com a crise alastrada e os altos valores de insumos básicos.  

"É uma forma de a pessoa não perceber que ela está comprando, gastando o mesmo dinheiro e comprando menos. Não é uma coisa que a pessoa normalmente perceba, só percebe quando é muito atenta ou quando começa a perceber que algo que costumava comprar durava mais ou que o pacote de biscoito está mais fino, por exemplo”, destaca Reis.  

No caso de um achocolatado em pó, antes comercializado com 400 gramas, por exemplo, a diminuição foi de 30 gramas e porção utilizada para o preparo de um copo de 200ml de leite indicada pelo fabricante é de 20 gramas, ou seja, a redução foi de pouco mais de um copo.  

O que justificam as reduções?  

De acordo com o economista, essas reduções que estão acontecendo atualmente estão relacionadas a dois fatores, principalmente: o quadro da inflação e a possível perda de faturamento dos fabricantes pela alta de preços.  

"Algumas marcas estão com medo de sair da gôndola ou desaparecer dos mercados. O cliente começa a olhar o preço e fazer substituição por outras marcas, é uma compensação da inflação. É também uma estratégia, porque as empresas querem aumentar o faturamento e usam essa jogada”, explica. 

Redução é legal? 

Apesar de não ser uma estratégia benéfica ao consumidor, a redução dos volumes dos produtos não é ilegal no Brasil. No ano passado, o Ministério da Justiça atualizou as regras que regulam sobre essas mudanças com a publicação da Portaria nº 392/2021. 

“A legislação prevê que a empresa que vai mudar uma embalagem tem que, obrigatoriamente, anunciar isso durante seis meses nas embalagens e tem que ser de forma muito evidente, que é o que não estão fazendo”, pontua Reis. 

O advogado e especialista em Direito do Consumidor, Leonardo Leal, destaca ainda que o fornecedor deve assegurar aos consumidores informações prévias e precisas sobre o produto ou serviço, como composição, características, quantidade, preço, entre outros. 

Embora não haja precisa expressa nesse sentido no Código de Defesa do Consumidor (CDC), passou a ser considerada prática abusiva a redução do quantidade de produtos já comercializados no mercado, que o consumidor poderia ter o hábito de já adquirir, sem que esta redução fosse amplamente e ostensivamente informada ao mercado".
Leonardo Leal
advogado

Em nota, o Ministério da Justiça, responsável pela plataforma Consumidor.gov, informou à reportagem que casos como esse “ainda estão em fase de averiguação preliminar, e não estamos falando sobre, para não divulgar as empresas que estamos investigando”.  

O que fazer caso verifique alguma infração?

Segundo Leal, cabe ao consumidor ficar atento às informações disponibilizadas pelos fornecedores, realizar pesquisas e verificações para garantia de alcance do melhor custo benefício.

"Caso encontre alguma infração ou deficiência de informação, poderá se utilizar dos canais de atendimento do fornecedor, visando esclarecimento, e também dos órgãos de defesa do consumidor, sendo possível tanto a instauração de procedimento administrativo em favor do consumidor, como a simples denúncia da prática abusiva", orienta.

Veja as principais regras da Portaria

  • A empresa precisa informar a redução, o quanto foi reduzido em termos absolutos e percentuais, como era antes e como ficou, nas embalagens;  
  • As mudanças devem estar indicadas no rótulo da embalagem modificada, em local de fácil visualização, em caixa alta, fonte negrito, cor contrastante com o fundo do rótulo; 
  • Todas as informações devem constar nas embalagens pelo prazo mínimo de seis meses (a regra anterior, previa o prazo de três meses).  

Fique atento 

O economista Ulysses Reis pontua algumas dicas para o consumidor ficar atento na hora das compras: 

  1. Faça fotos dos produtos que você normalmente usa, porque você chegar no mercado e perceber essas alterações. 
  2. Faça uma lista de compras. O dinheiro que a gente ganha hoje está muito difícil para não ter esse cuidado. 
  3. Caso faça uso de óculos, não o esqueça na hora das compras, assim será possível ler todos os detalhes das embalagens. 
  4. Vá com tempo para fazer as compras. Não faça correndo, pois assim os detalhes passam despercebidos. 
  5. Geralmente, essas mudanças de preço acontecem nas compras habituais (leite, café, pão, produtos de limpeza, etc), então fique atento para essas eventuais alterações que podem impactar no orçamento. 

Empresas se manifestam

Nestlé

Por nota, a Nestlé, fabricante do Alpino, Nescau e Nesfit, informou que a adoção de "novos formatos e tamanhos de embalagens pela empresa tem como objetivo acompanhar as tendências de mercado, garantir a adequação a inovações tecnológicas ou também padronizar a gramatura dos produtos das marcas, de forma a manter sua competitividade". 

Além disso, de acordo com a marca, as mudanças ocorrem em conformidade com a legislação vigente. "Assim, toda mudança de peso é devidamente comunicada no painel frontal da embalagem, destacando a informação “NOVO PESO”, o peso anterior e o novo, bem como a quantidade alterada, em termos totais e percentuais", diz. 

Ypê

A Ypê, por sua vez, afirmou que a linha de sabão em barra foi relançada "com novos benefícios para cada versão, evolução na ergonomia, com um formato anatômico que é mais aderente e facilita o manuseio. Mesmo com todo cenário de aumento expressivo do preço dos insumos, a Ypê procurou repassar o mínimo possível ao consumidor". 

"As novidades têm como objetivo atender às necessidades dos consumidores, que buscam produtos cada vez mais completos e eficientes", acrescentou.

A fabricante do sabão líquido Brilhante, Unilever explicou a embalagem foi modificada em 2019. "Respeitando todas as normas estabelecidas pela legislação vigente à época da mudança, reforçando a política de transparência, respeito e comprometimento com o consumidor na comunicação de suas mudanças". 

Mid

Em nota, a Ajinomoto afirma que a formulação dos refrescos em pó Mid passou, em outubro de 2020, por uma revisão.

"Isso levou a um aumento na sua concentração para proporcionar ainda mais praticidade na diluição. O peso do produto passou de 25 a 20 gramas, porém com o mesmo rendimento: 1 sachê de Mid de 20g é suficiente para preparar 1L de refresco. A informação sobre a redução no peso esteve presente na embalagem do produto no tempo exigido pelas normas brasileiras: 3 meses, e não houve impacto no sabor e no rendimento dos refrescos. Em relação ao valor do produto, se manteve o mesmo, dado que este continua a ser entregue com o mesmo rendimento de antes. Vale ressaltar, a Ajinomoto do Brasil mantém com seus consumidores uma relação de transparência, comunicando claramente todas as mudanças acerca dos produtos".

Bimbo

Já a Plusvita, marca tradicional de pão da Bimbo Brasil, disse em nota que está em constante aprimoramento para garantir a qualidade de seus produtos e atender as demandas dos consumidores.

"Ao adotar tamanhos de embalagens diferentes ou novos formatos, a marca acompanha as tendências de mercado com foco em não repassar valores e, mantendo a proposta mais atrativa ao consumidor. Estamos acompanhando o cenário econômico mundial, que está passando por um período de grande instabilidade, ocasionando assim o aumento dos custos de matéria-prima, sobretudo o trigo e o plástico, nossos principais insumos que cresceram a patamares bem superiores à inflação acumulada no período, que foi acima de 10%. Como consequência, tornou-se inevitável a redução de tamanho para que esse repasse não chegasse às gôndolas. Vale ressaltar que todas as alterações estão de acordo com a legislação vigente".

Vigor 

À reportagem, a Vigor Alimentos, fabricante do iogurte Viv, explicou que, d"evido ao aumento da inflação no país e, consequentemente, ao aumento dos preços de insumos que vem afetando a indústria como um todo, a Vigor fez um ajuste pontual no peso dos produtos da linha Vigor 3 Grãos líquido".

"A mudança, prevista em lei, está sendo comunicada na embalagem do produto e tem como principal objetivo manter a qualidade que a Vigor oferece em seus alimentos. Além disso, ela visa evitar o repasse total do aumento de custo de toda a cadeia produtiva para os consumidores. Com a adaptação do peso, a marca também se adequa competitivamente em relação a outras marcas do mercado".

Além disso, a empresa destacou que o ajuste não é uma prática recorrente e que a mudança segue as normas estabelecidas pelos Órgãos Reguladores. 

A reportagem aguarda os posicionamentos das demais marcas. 

 

 

 

 

 

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