Por que o salário mínimo está longe do ideal de R$ 6,7 mil? Entenda motivos
O piso de rendimentos no Brasil, atualmente, é de R$ 1.212, mas o valor ideal, segundo o Dieese, para uma família de 4 pessoas, é de R$ 6.754,33
O salário mínimo no Brasil, atualmente fixado em R$ 1.212, sempre esteve muito longe do ideal indicado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), definido em R$ 6.754,33 (para uma família de quatro pessoas).
E o cenário, que nunca foi tão positivo, segundo especialistas, precisaria de um grande ajuste nas estratégias econômicas e políticas para reverter perspectivas e voltar a elevar o poder de compra do trabalhador.
Segundo dados do Dieese, registrados desde 1994 — ano de implementação do real como moeda oficial do País —, apesar de longe do recomendado, a proporção entre o mínimo real e o ideal vem melhorando se considerarmos a série histórica.
A menor relação registrada foi em abril de 1995, quando o mínimo era de R$ 70 e o ideal indicado pelo Dieese, R$ 812,78. Os valores indicam uma proporção de 8,612%.
Desde então, essa relação para o rendimento mínimo de uma família de até 4 pessoas tem melhorado consideravelmente, chegando ao pico de 27,095% em março de 2012. Naquela época, o piso salarial no País era de R$ 622, enquanto o valor indicado pelo Dieese era de R$ 2.295,58.
Atualmente, no entanto, essa proporção tem oscilado no patamar entre 18% e 21%. Desde março de 2022, data do último levantamento, o mínimo está fixo em R$ 1.212, representando apenas 18,953% do ideal indicado pelo Dieese, de R$ 6.394,76.
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Peso da inflação
De acordo com Wandemberg Almeida, conselheiro do Conselho Regional de Economia (Corecon-CE) no Ceará, esse afastamento, considerando os últimos anos, entre o mínimo real e o ideal, se deu pela pressão inflacionária no preço de produtos e serviços que tem impactado as cadeias econômicas.
O conflito entre Rússia e Ucrânia ajudou a elevar os valores de revenda dos combustíveis derivados de petróleo e dos alimentos à base de trigo, por exemplo.
"Infelizmente o reajuste do salário não vem acompanhando a inflação e fazendo com que muitas empresas não seguissem essa métrica e regras para manter o salário do trabalhador com ganho real. Isso acaba sendo prejudicial, e olhar a importância disso, veremos que o salário mínimo deve fornecer moradia digna, um bom transporte, alimentação, gastos com saúde e educação, previdência. Mas infelizmente, o valor não atende às necessidades e acaba gerando incômodos no final", disse.
O economista, contudo, ponderou que, para o nível atual de atividade econômica do Brasil, o valor do salário mínimo é aceitável para não haver riscos a alguns indicadores econômicos no longo prazo.
"Para a nossa economia, infelizmente, por questões ficais e os cuidados, esse valor atual é aceitável, mas para a nossa economia, pensando no crescimento nos últimos anos, nós poderíamos conceder um valor mais digno para o trabalhador brasileiro. A pessoa viver com um salário de R$ 1,2 mil fica fora do controle porque os preços estão subindo demais e a inflação está corroendo o orçamento das famílias", comentou.
Por que o salário está longe do ideal?
A perspectiva é corroborada pela professora de MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV), Virene Matesco, que destacou o fato do salário mínimo estar longe do patamar necessário para atender a demanda completa das famílias brasileiras.
Contudo, a economista alertou para os riscos de uma elevação, neste momento, do salário mínimo ao patamar ideal, que poderia gerar riscos financeiros às empresas e ao sistema previdenciário brasileiro.
Ela destacou que muitas empresas teriam de fechar as portas ou demitir muitos funcionários por conta do alto custo tributário do trabalho no Brasil.
Além disso, como o valor do mínimo também exerce influência sobre as contribuições previdenciárias, o Governo Federal poderia enfrentar novas crises de pagamentos de benefícios após uma elevação brusca.
"O nosso salário mínimo está defasado, mas não sei se o ideal seria R$ 6 mil. Um salário mínimo de R$ 6 mil é irreal para o momento que o Brasil está vivendo porque se quebraria a maioria das empresas. O custo do trabalho é elevado. Para cada salário mínimo pago, o empresário gasta 60% em custos adicionais, então o custo é muito alto e o desemprego iria explodir, que já está em 12%", disse.
Mecanismos de atualização
Virene também explicou que o reajuste do salário mínimo obedece aos resultados da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) — medidor da variação de preços de um conjunto de bens de consumo e serviços básicos —, o que impediria a aplicação de atualizações mais volumosas.
Outro ponto ressaltado por Virene é que antes de promover reajustes maiores para o salário mínimo, o Brasil ainda precisaria resolver alguns problemas econômicos, como os baixos índices de crescimento.
Durante os anos dos governos do PT (Lula e Dilma Rousseff), Virene mencionou que houve muitos reajustes acima da inflação. Contudo, o mundo estava um momento de crescimento econômico gradual e havia espaço para aumento da dívida pública nacional, algo aproveitado pelos presidentes da época.
Apesar disso, os investimentos feitos pelo Governo não teriam sido suficientes para manter os níveis de evolução da economia nacional para garantir novos reajustes em patamares semelhantes.
"A qualidade do gasto público é muito ruim. São gastos fluídos, e a gente gasta muito e mal. Se gastássemos em boas escolas, boas estradas, boa segurança, a economia andava. Imagina esse orçamento secreto nas eleições, que serão as mais caras da história brasileira, sendo aplicado em ativos importantes. Se houvesse crescimento, então o endividamento não seria um problema porque o dinheiro iria gerar resultado", explicou.
Estratégias de crescimento
Para reverter os baixos níveis de desenvolvimento, o Brasil precisaria voltar a estruturar as reformas (tributária, política e administrativa), segundo Virene, e focar em soluções direcionadas ao trabalhador. A regressividade do sistema tributário, que penaliza as camadas mais pobres; a qualidade dos investimentos; e uma reformulação de algumas estruturas políticas no País seriam a prioridade para a economista.
"O Brasil não conclui as reformas. Todos os governos falam, mas não fazem. O sistema tributária é injusto, mas ninguém faz nada. Nossa educação é de péssima qualidade e sem educação não temos como aumentar a produtividade para que o trabalhador possa se tornar ainda mais eficiente. Responsabilidade nos gastos e não gastar desenfreadamente, investindo em ativos fixos que a população irá usufruir. Além de uma reforma política", disse.