Jovens cearenses ganham R$ 3 mil com 'freela fixo'; conheça modalidade que dispensa CLT

Apesar da remuneração ser atrativa, especialistas alertam para a falta de vínculo formal

Escrito por
Luciano Rodrigues luciano.rodrigues@svm.com.br
Foto que contem homem segurando bastão de luz e celular enquanto captura uma foto. Ele veste camisa preta e tem cabelo cacheado.
Legenda: Ednardo Rocha atua como assistente de mídias sociais e modelo no segmento de freelancer fixo
Foto: Arquivo Pessoal

Os trabalhadores autônomos, em geral, aqueles que não estão ocupados mediante carteira assinada, constituem parcela significativa da população cearense.

Incluem-se nessa categoria os chamados freelancers, no passado, denominados de profissionais que viviam de 'bicos'. 

Atualmente, além do trabalho esporádico ou "freela fixo", eles podem ter certa regularidade na ocupação, e os 'freelancers fixos' estão ocupando parte de postos de trabalho.

São representados por profissionais que não têm carteira assinada, mas cumprem obrigações em um mesmo local pelo menos uma vez na semana. 

Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego apontam que, em abril deste ano, o Ceará tinha 1,42 milhão de pessoas trabalhando com carteira assinada.

Esse dado não engloba o universo dos freelancers fixos. Mesmo sem usufruir dos benefícios de um vínculo formal, os profissionais ganham remunerações que podem ultrapassar a casa dos dois salários mínimos.

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É o caso de Ednardo Rocha. Ele trabalha de carteira assinada como assistente de mídias sociais em um estúdio de tatuagem em Fortaleza, mas realiza a mesma função como freelancer fixo semanalmente, além de também atuar como modelo esporadicamente.

Pela própria natureza do trabalho, ele acredita que a sua atuação é focada em um complemento da renda que recebe trabalhando formalmente, e já chegou a faturar mais de R$ 3 mil por mês apenas nesta modalidade informal.

"Os trabalhos como freelancer são uma forma de complementar minha renda, além de me proporcionarem mais liberdade criativa e financeira. O valor é bastante variável, dependendo da quantidade de demandas que surgem no mês, mas já consegui faturar mais de R$ 3 mil em um único mês apenas como freelancer", aponta.

'Pegar um freela': segmento informal em expansão

Pela natureza volátil e as necessidades mensais de cada pessoa, não há dados concretos sobre a quantidade de pessoas que praticam ou não trabalhos como freelancer no Ceará.

Essa modalidade do "freela fixo" pretende ser expandida por Ednardo Rocha à medida que for preciso.

Há pouco mais de um ano precisei trancar minha faculdade por não conseguir conciliar os custos dos estudos, aluguel e outras despesas fixas. Desde então, tenho buscado ampliar minhas atividades como freelancer para, em breve, conseguir retomar meus estudos de forma mais estável.
Ednardo Rocha
Assistente de mídias sociais e freelancer fixo

Foto que contém homem vestido de preto com expressão positiva enquanto segura caneco de chope
Legenda: Além dos trabalhos como assistente de mídias sociais, Ednardo Rocha atua como modelo em freelancer fixo
Foto: Arquivo Pessoal

Essa flexibilidade é a principal vantagem elencada por Lídia Ribeiro. Ela é estudante de Medicina Veterinária na Universidade Estadual do Ceará (Uece) desde o segundo semestre de 2023, e há pouco mais de um ano passou a trabalhar como freelancer fixa como atendente em uma cervejaria, além de desempenhar o trabalho como cuidadora de gatos em domicílio (catsitter). 

"Consigo fazer o que posso no momento que quero. Se tenho uma prova da faculdade na quarta, por exemplo, na terça escolho não trabalhar. Essa escolha é muito importante para mim, porque como estou na faculdade em tempo integral, para mim um trabalho CLT não seria conveniente. Teria de abdicar de alguma cadeira da graduação", argumenta.

Atualmente, ela trabalha aos fins de semana, pelo menos um dia, em uma cervejaria. Como catsitter, a atuação depende da semana.

Ela chega a faturar pouco mais de R$ 1 mil mensais como freelancer fixa, mas ao contrário de Ednardo Rocha, não pretende aumentar sua disponibilidade nesse segmento. 

"Resolvi reduzir minha carga horária. Estou trabalhando no máximo três vezes na semana juntando catsitter e cervejaria. Não pretendo expandir porque pode acabar atrapalhando a minha faculdade. Estou no freelancer para conseguir conciliar com a graduação", afirma a estudante.

Freelancers fixos exaltam CLT, mas veem que modalidade precisa de adaptações

Ambos os trabalhadores que atuam como freelancer fixo reforçam que a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) é um avanço importante para os direitos dos brasileiros.

Nos atuais moldes de trabalho, entretanto, é preciso adequações a fim de entender as novas dinâmicas de mercado.

Foto que contém uma carteira de trabalho sendo assinada
Legenda: Empregos formais no Ceará ultrapassam a casa do milhão, mas convivem com informalidade crescente
Foto: Divulgação/Governo do Ceará

"Trabalhar como freelancer me permite organizar meus horários de acordo com minha rotina, sem precisar moldar completamente minha vida ao trabalho. A CLT é extremamente importante por garantir direitos e estabilidade diante de imprevistos. No entanto, vejo que o atual modelo precisa ser atualizado para se alinhar melhor com a realidade do mercado de trabalho atual, cada vez mais dinâmico e digital", pondera Ednardo Rocha.

Ser freelancer não é escolha, é algo que tenho que fazer ou então não tem outra possibilidade de trabalho. Acho importante a CLT, conquista importante para os trabalhadores, mas agora não é possível. É importante ter direito a certas garantias, mas todas as pessoas que conheço da faculdade abdicam de algumas cadeiras, chegam mais cedo ou mais tarde justamente porque os horários não são compatíveis com a graduação".
Lídia Ribeiro
Estudante de Medicina Veterinária e freelancer fixa

Freelancer fixo pode ser considerado vínculo trabalhista, diz especialista

Em geral, os trabalhadores de carteira assinada precisam cumprir determinadas cargas horárias e obedecer regras específicas.

Para o vice-presidente da Comissão de Direito do Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), Daniel Aguiar, isso tem acontecido inclusive com os freelancers fixos.

Trabalhos como garçons ou seguranças em bares e restaurantes aos fins de semana, por exemplo, com horário para entrar e para sair, podem ser considerados como vínculo empregatícios, como alerta o especialista.

"Se for feito com regularidade pode gerar vínculo trabalhista sim! Mesmo que seja uma vez por semana. Para casos como esse que foi criado o contrato intermitente na reforma trabalhista. Caso seja comprovado na justiça o vínculo trabalhista e que a carteira na realidade deveria estar assinada, a pessoa tem direito às verbas rescisórias (...) proporcionais ao valor do salário mensal, que na realidade será abaixo do salário mínimo caso trabalhe poucos dias", destaca.

O especialista ainda relaciona os freelancers fixos com os contratos entre pessoas jurídicas (PJs), representadas principalmente pelos microempreendedores individuais (MEI).

Atualmente, essa discussão sobre a regularidade ou não do vínculo empregatício dos PJs está com tramitação suspensa no Supremo Tribunal Federal (STF).

"Os contratos entre pessoas jurídicas são para prestação de serviços e também o contrato do autônomo até mesmo pessoa física. Contudo, ainda existe possibilidade de ser revista a fraude na Justiça do Trabalho e tal discussão ser suspensa por conta do STF", lamenta Daniel Aguiar.

Modalidade pode criar 'subempregos', diz economista

A economista e diretora de relacionamento com público da Associação Brasileira de Recursos Humanos no Ceará (ABRH-CE), Desireé Mota, reflete que muitos empresários optam por essa modalidade pela redução de despesas contratuais.

"O trabalho freelancer ocorre quando estão previstos elementos da relação de emprego como pessoalidade, ou seja, só a pessoa contratada pode prestar o serviço, e o pagamento pelo trabalho prestado e/ou realizado de forma contínua e habitual. Tem menor burocracia e não tem exigências legais", considera.

Foto que contém entregador de aplicativo, com capacete branco e camisa azul, em cima da mota com mochila laranja. Ele está parado
Legenda: Parcerias entre empresas e entregadores de aplicativo são comuns, mas discussão sobre vínculo empregatício é urgente
Foto: JL Rosa/Diário do Nordeste

Para Desireé, ainda que haja continuamente o crescimento do número de pessoas trabalhando de carteira assinada no Ceará, a modalidade de "freelas fixos" pode contribuir para uma redução no quantitativo de trabalhadores formais.

"O uso de freelancer fixos impacta negativamente na geração de empregos formais e na concorrência desleal. No Ceará, reflete em cenário de desemprego elevado ou subemprego; baixa formalização no mercado e empreendedorismo por necessidade. Pode também limitar o desenvolvimento econômico, impactando na arrecadação, previdência e insegurança social", diz.

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