Com taxa de serviço a 15%, ainda vale a pena pagar 'gorjeta' em Fortaleza? Veja impactos para garçons
Recentemente, a taxa ficou mais alta em restaurantes da Capital
A taxa de serviço em bares e restaurantes de Fortaleza é essencial para o rendimento mensal de garçons, conforme trabalhadores ouvidos pelo Diário do Nordeste. Em alguns casos, essas 'gorjetas' aumentam a remuneração em até 50%, impedindo que os ganhos desses profissionais se limitem a um salário mínimo.
Recentemente, consumidores relataram uma elevação na taxa de serviço. Historicamente fixada em 10%, ela pode ser cobrada em valores maiores, que podem chegar a 12%, 13% e até 15%, conforme relatos.
Na Capital, pelo menos dois restaurantes — ambos de alto padrão — aumentaram o percentual pago pelos clientes da taxa de serviço. As redes Coco Bambu e Outback orientaram que a cobrança subisse para 12%.
Independentemente dessa alta, garçons ouvidos pela reportagem relatam que parte desse valor é repassado; o restante é dividido entre os demais profissionais dos estabelecimentos, como maître, cozinheiros e assistentes.
Alta da taxa de serviço foi acordada com o sindicato, diz setor
As duas redes de restaurantes de Fortaleza que optaram pela alta de 10% para 12% na taxa de serviço procuraram fazer acordos com a entidade que representa os trabalhadores na Capital e em demais municípios do Estado.
As informações foram compartilhadas por Joana D'arc, presidente do Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores no Comécio Hoteleiro e Similares (Sintrahortuh).
"São restaurantes com infraestrutura para efetuar esse tipo de cobrança e tem o perfil de cliente. Outras empresas não solicitaram ainda. Quando solicita, a gente diz que não tem estrutura", aponta.
Procurado pela reportagem, o Coco Bambu não retornou o contato até o fechamento deste material. Por meio da assessoria de imprensa, o Outback confirmou essa alta na taxa de serviço. A rede esclareceu que o pagamento é "opcional e a adoção fica inteiramente a critério do cliente".
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"Em todas as unidades, a porcentagem sugerida é de 12%. A forma de divisão é definida em acordos com os sindicatos da categoria em cada localidade", explica a rede, que conta com três restaurantes em Fortaleza.
Conforme Joana D'arc, a orientação feita pelo sindicato é de que o garçom receba metade da taxa de serviço, e o restante dos profissionais cozinha, os demais 50%. Tudo deve ainda estar descrito no contracheque dos trabalhadores
"O garçom vai receber 50%, o mâitre vai receber 10%, a cozinha vai receber, pessoal dos serviços gerais também, contanto que a gente coloque essa regra no acordo coletivo para que todos recebam essa porcentagem. Quando não tem no contracheque do trabalhador, a gente intima a empresa para poder que ela coloque", elucida.
Como funciona o pagamento do serviço para os garçons
O Diário do Nordeste ouviu garçons que trabalham em bares e restaurantes da cidade, seja de carteira assinada ou por diárias, como freelancer. A identidade deles será preservada a pedido dos profissionais.
Todos eles foram unânimes: os estabelecimentos em que trabalham não repassam integralmente o valor da taxa de serviço. A quantia recebida por esses garçons representa apenas uma parte paga pelos clientes, enquanto o restante é dividido entre os demais profissionais que atuam no serviço (mâitre, cumim, cozinheiros e assistentes, por exemplo).
Um desses trabalhadores é um garçom freelancer que já atuou em dezenas de bares e casas noturnas da Capital. Ele trabalha no ramo há oito anos e desempenha o serviço conforme a demanda e a necessidade.
O que esse profissional destaca é que o somatório do valor pago pelas taxas de serviço não aparece no contracheque salarial, seja quando ele atuou de carteira assinada, seja quando o contrato é freelancer.
Outro ponto importante ressaltado por esse garçom é de que o pagamento da taxa de serviço varia conforme o estabelecimento: "Tem cantos que é por quinzena, tem cantos que é mensal, que vende e já recebe junto", define.
"Quando vamos trabalhar em um certo restaurante, ele informa que dá 5%, 6% da taxa de serviço. Tem restaurante que dá 8%. O restante pode ser dividido pela equipe e não vem no contracheque. Eles informam o valor que vendemos, ou podemos tirar diretamente na maquineta para ter uma noção", enumera o garçom.
Funcionário de cafeteria alega receber a maioria das taxas de serviço
Outro garçom ouvido pela reportagem atua no ramo há sete anos em Fortaleza. Ele trabalha de carteira assinada em uma cafeteria na área nobre da cidade. Ao longo de cinco dias por semana, nos atendimentos, ele atende as mesas e faz outros trabalhos, como limpeza.
Os 10% da taxa de serviço, no entanto, não ficam integralmente com ele. "Recebemos 7% e a soma geral do mês (das taxas) é dividida para todos os funcionários", conta.
Acerca da alta na taxa de serviço para porcentagens acima de 10% em Fortaleza, ele relata que não tem conhecimento sobre locais que praticam esse valor. O garçom diz que cerca de 50% do seu salário vêm das taxas.
É muito importante, pois sem ela receberia apenas um salário mínimo, que mal dá para sobreviver. A taxa às vezes chega a mais de um salário, sendo mais que 50% da minha renda".
Ele revela haver clientes que querem fazer "pix por fora", ou seja, pagar diretamente a taxa para o profissional. Segundo o garçom, o dinheiro das gorjetas sempre chega para eles.
Divisão do valor não é clara
Outra garçonete de Fortaleza já tem quase dez anos entre trabalhos formais e informais em bares e restaurantes. Ela é categórica ao dizer que "os clientes não têm como saber se a taxa de serviço vem para a gente, e até a gente mesmo não sabe como é feita essa divisão".
Ou dono fica, ou é dividido entre todos da equipe. Geralmente tem gente que não paga. Tem canto hoje que prefere não ter gente com carteira assinada e ter apenas freelancer, onde eles pagam R$ 80 a 120 com ou sem refeição. Às vezes a comida é uma coisa totalmente insalubre, não tem canto para descansar e você trabalha oito horas ou mais horas em pé o tempo todo e não tem nada de descanso".
"Alguns cantos que trabalho são muito bons, mas outros deixam a desejar com todo mundo da equipe. A gente retira desse valor, de R$ 80 a R$ 120, o dinheiro para pagar o transporte para voltar para casa. Como voltamos muito tarde e não tem ônibus para todo canto, tem que se resolver com os aplicativos. É uma categoria que não tem auxílio de transporte que realmente valha a pena", argumenta.
Essa garçonete reforça que cabe ao cliente escolher pagar ou não a taxa de serviço, em consonância com o que está definido no Código de Defesa do Consumidor (CDC). Apesar disso, o estabelecimento pode acirrar a cobrança contra o profissional pelo motivo de o consumidor ter optado por não pelo pagamento da taxa.
"A casa fica reclamando o porquê de a pessoa não ter pago a taxa. Fica como se o culpado fosse o profissional. Quase não fica nada para a gente e nem sabemos como isso vem. Não são contas que eles conseguem divulgar para o funcionário. Muitas vezes o funcionário ganha uma coisa que nem sabe o que está ganhando", conclui.
Rateio da taxa de serviço é comum, avaliam especialistas
Na explicação de advogados ouvidos pela reportagem e que atuam no direito do consumidor, é permitido pela legislação que a taxa de serviço não seja integralmente repassada aos garçons, e que demais profissionais tenham direito à taxa.
"O restaurante pode dividir esse valor entre a equipe (garçons, cozinha, etc.), desde que isso seja claro e combinado com todos. A lei permite esse rateio. Muitos lugares fazem isso porque o trabalho é em equipe", diz Desiree Mota, economista e diretora de relacionamento com o setor público da Associação Brasileira de Recursos Humanos no Ceará (ABRH-CE).
Uma das disposições da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que versa sobre trabalhos formais, delimita que "a gorjeta será distribuída aos empregados segundo critérios de custeio e de rateio definidos em convenção ou acordo coletivo de trabalho".
"O restaurante não pode ficar com a gorjeta como lucro, pois é do conjunto dos trabalhadores. O empregador pode reter parte para custear encargos sociais e previdenciários, desde que isso esteja previsto no acordo coletivo", revela Daniel Aguiar, vice-presidente da Comissão de Direito do Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE).
Repasse para garçons freelancers é mais complicado
Essas questões legais ficam estabelecidas para os garçons que trabalham de carteira assinada, mas o desafio fica para os repasses feitos para os profissionais freelancers.
Quando o garçom é freelancer, diarista ou autônomo, ele não tem o mesmo mecanismo legal automático de recebimento via folha de pagamento. O restaurante não pode reter parte da taxa de serviço para encargos sociais no caso de freelancers, pois não há vínculo CLT. A retenção só pode acontecer se as partes ajustarem por contrato".
A presidente do Sintrahortuh declara que os representantes do sindicato visitam regularmente as empresas que aumentaram a cobrança da taxa de serviço, conforme definido pelos acordos coletivos realizados.
"Tem que ter mais da metade de trabalhadores vinculado à empresa, com carteira assinada para que ele tenha a taxa de serviço no contracheque. Fica difícil atingir o freelancer e saber como está a situação porque é esporádico. A gente não pode intervir", pondera.
Desiree Mota elenca os passos a serem seguidos pelos garçons em caso de descumprimento das normas: "Reclamar com o sindicato, denunciar ao Ministério do Trabalho (pode ser anônimo) e entrar com processo na Justiça do Trabalho".
O que fazer se não quiser pagar a taxa?
O pagamento da taxa de serviço para garçons é opcional, conforme estabelece a Lei nº 13.419/2017, conhecida como 'Lei das Gorjetas'. Isso significa que cabe ao consumidor decidir se deseja ou não contribuir, levando em consideração, inclusive, o impacto positivo que esse valor pode ter na renda dos profissionais do setor.
Vale lembrar que, para o cálculo da taxa de serviço, é desconsiderado o valor do couvert artístico, cobrado em alguns estabelecimentos com apresentações ao vivo.
O Procon Fortaleza enumera dicas para o cliente adotar caso não concorde com a alíquota a ser paga, conforme previsto no Código de Defesa do Consumidor:
- Negar o pagamento do valor excedente, já que a taxa de serviço é opcional;
- Exigir nota fiscal detalhada para verificar cobranças indevidas;
- Registrar reclamação no Procon ou acionar o Juizado Especial Cível, se quiser pedir ressarcimento ou reparação por danos.