Sua cidade diminuiu? Saiba por que o território do Ceará reduziu 25 quilômetros quadrados
Nova tecnologia de mapeamento indica limites municipais com mais precisão e todas as cidades cearenses tiveram, ainda que minimamente, mudança na área do território
O Ceará, na verdade, é 25,7 km² menor do que o mapa utilizado no Censo de 2010, conforme o novo dimensionamento publicado no Censo Demográfico 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Por meio do georreferenciamento, que é um levantamento com apoio de satélites, se chegou ao tamanho exato: 148.895 km². Na prática, o desenho do Estado permanece o mesmo, mas o mapeamento da área foi corrigido com uma redução de 3.600 campos de futebol.
Nesse processo, os dados Censo 2022 mostram que todas as cidades do Ceará tiveram algum tipo de redução ou acréscimo em seus territórios, se comparados aos tamanhos registrados no Censo de 2010, ainda que tenham sido mudanças mínimas. Portanto, os municípios do Estado agora estão um pouco maiores ou menores que os últimos levantamentos oficiais.
Além da tecnologia mais moderna e precisa para realizar o georreferenciamento, a redução de territórios de cidades do Ceará tem como causa as disputas por território, que vêm sendo debatidas entre prefeitos, com a mediação da Assembleia Legislativa do Estado.
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A cidade com maior crescimento foi General Sampaio, que ganhou 23% de área, passando de 187,1 km² para 230 km². Por outro lado, Acarape encolheu 18,9% entre um censo e outro, com o território de 160,3 km² reduzido para 130 km². Fortaleza também está na lista: a área de 314,9 km² caiu para 312 km², o que representa uma perda de 0,92%.
As alterações podem impactar a arrecadação de recursos, porque quanto maior a área e a população de um lugar, mais recursos devem ser encaminhados pelas esferas estadual e federal. Por causa disso, as mudanças são motivo de conflitos históricos entre municípios cearenses.
O detalhamento dessa dinâmica foi consultado pelo Diário do Nordeste nos dados de área total das unidades territoriais em km² do novo Censo, disponibilizados na quarta-feira (28), em comparação com as informações anteriores, de 2010.
Os ajustes no mapa cearense são feitos numa parceria entre IBGE, Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece) e Assembleia Legislativa. Esse trabalho é necessário pelo surgimento de tecnologias capazes de dimensionar os limites municipais com mais precisão.
O cálculo da área territorial do País, estados e municípios é realizado anualmente pelo IBGE, como explica Cleyber Nascimento, analista de políticas públicas do Ipece. Em geral, os limites podem ser afetados por 3 fatores.
- 1. Natureza legal ou judicial: Modificações na subordinação político-administrativa de algumas localidades por decisões judiciais (Liminares e Mandados) ou por parecer normativo da Procuradoria Federal no IBGE; ou publicação de nova legislação pelo Governo Estadual, descrevendo os limites municipais.
- 2. Atualizações de limites territoriais: atualizações de limites territoriais comunicadas oficialmente ao IBGE pelos órgãos estaduais responsáveis pela divisão político-administrativa e/ou Assembleias Legislativas no âmbito dos Acordos de Cooperação Técnica – ACT, existentes ou via fornecimento de insumos cartográficos, Relatório Técnico e Parecer Técnico ao IBGE.
- 3. Ajustes e refinamentos cartográficos: Atualização das linhas de contornos dos polígonos de referência em virtude de novos insumos cartográficos e melhores técnicas com a evolução das geotecnologias aplicadas no monitoramento da dinâmica da divisão territorial brasileira.
Cleyber destaca as mudanças trazidas pelo Projeto Atlas de Divisas Georreferenciadas dos Municípios Cearenses, que foi desenvolvido para resolver problemas relativos à indefinição de limites municipais, administração em área legal pertencente a outro município, distorção em dados estatísticos e na arrecadação de impostos e transferências constitucionais, como lista.
“A última lei que consolidou os limites intermunicipais do estado do Ceará tinha sido a Lei nº 1.153 de 22 de novembro de 1951, ou seja, há mais de 65 anos atrás, quando o Ceará somente detinha 95 municípios”, detalha o analista.
Desde então, foram criadas 89 cidades – até chegar aos atuais 184 municípios – por meio de leis. Contudo, esse processo de divisão dos territórios deixou falhas.
“Algumas leis de criação de municípios citavam pontos de limites geográficos não mais existentes no território, ocasionando problemas que dificultam a gestão territorial”, explica Cleyber.
Por isso, o Atlas de Divisas atualizou os limites municipais por meio da lei estadual 16.821/2019. “As atualizações de limites municipais no âmbito do Projeto Atlas foram realizadas a partir de solicitações dos municípios envolvidos, considerando-se o sentimento de pertencimento da população e a situação administrativa histórica”, conclui.
Francisco Lopes, Superintendente do IBGE no Ceará, explica que as informações debatidas pela Assembleia e sancionadas pelo Governo do Estado são implementadas nos mapas.
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Com relação à nova lei de delimitação dos municípios, que está totalmente georreferenciada, é fruto de um trabalho conjunto entre a Assembleia Legislativa, o Ipece e o IBGE
Todos os limites dos municípios foram revistos, foram realizadas audiências públicas com os prefeitos, o trabalho foi apresentado e quando havia necessidade de alteração foram assinados acordos
Os técnicos do Ipece e da Assembleia foram nos limites descritos em leis municipais e utilizaram equipamentos com apoio de satélite para encontrar o real início e fim dos territórios.
“Os estados mais adiantados são, na ordem, Santa Catarina e Ceará. Outros trabalhos estão fazendo o georreferenciamento na Bahia”, completa Lopes.
Impacto para os municípios
Júnior Castro, presidente da Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece) e prefeito de Chorozinho, contextualiza o descontentamento das cidades que perdem área nesse processo.
“Alguns municípios continuam com alguns problemas em relação às questões territoriais por se sentirem prejudicados e isso está sendo discutido pela própria Assembleia. Mas a grande maioria (dos casos) foi votada há um bom tempo e o Censo usou esses dados”, completa.
Isso acontece porque a redução do território pode ocasionar uma menor arrecadação de recursos estaduais e federais. Além disso, o município corre o risco de perder algum recurso natural ou comércios, por exemplo.
A alteração dos limites municipais também está relacionada a um processo de identificação da população com o espaço. Por vezes, algumas pessoas se sentem parte de um município que não faz parte por vivências e a relação histórica com o espaço.
No entanto, isso não entra para a conta oficial que norteia as políticas públicas para a criação, por exemplo, de escolas e postos de saúde numa cidade. “Alguns municípios se sentem prejudicados porque tem uma população maior pelo senso de pertencimento”, frisa Júnior.
A reportagem entrou em contato com as gestões municipais de General Sampaio e de Acarape para questionar sobre os impactos das mudanças nas áreas dos territórios ainda na segunda-feira (5), mas não obteve resposta até esta publicação.
Impasses históricos
No último ano, Alto Santo teve área e população reduzidas, enquanto Tabuleiro do Norte ganhou espaço e habitantes, após atualização oficializada pelo IBGE. As alterações de território movimentam discussões atuais sobre indefinições geográficas.
O Diário do Nordeste noticiou pelo menos 8 municípios com conflitos, entre 5 e 50 anos, sobre o real dimensionamento desses lugares.
As definições territoriais passam por diálogo entre os representantes e são acompanhadas pelo Comitê de Estudos de Limites e Divisas Territoriais (Celditec) da Assembleia.