‘Vi mais óbitos em 2 anos do que nos 33 de Medicina antes da pandemia’, relembra ex-secretário Cabeto
Passados 5 anos de pandemia, Ceará teve transformações sociais e no sistema de saúde

Chegou sufocando o corpo, a estrutura hospitalar e os profissionais da saúde. Aconteceu no dia 15 de março, quando os primeiros casos de coronavírus foram confirmados no Ceará, mas parece ter sido numa outra realidade. Em nove meses, no dia 1º de janeiro de 2021, a marca de 10 mil mortes foi ultrapassada. Pouco tempo depois, em maio daquele ano, já haviam partido 20 mil avós, mães, pais e filhos. Asfixia.
Diante desse contexto, o médico cardiologista Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho, conhecido como doutor Cabeto, esteve à frente da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa). Após 5 anos da notícia que tirou o ar do mundo, o especialista conversou com o Diário do Nordeste sobre as memórias da pandemia.
“Vi mais óbitos em 2 anos do que nos 33 de Medicina antes da pandemia”, resume o médico. Em 2019, quando assumiu a Pasta, ele afirma que o Ceará estava entre “os piores estados em relação a UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) por 100 mil habitantes”.
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Mas foi também naquele ano quando foi apresentada uma plataforma de modernização para criar leitos de UTI em um processo de interiorização da Saúde. “O nosso resultado foi adequado à realidade que a gente vivia. Ficou muito claro que temos muitas carências que ainda hoje não foram resolvidas”, considera Cabeto.
As “carências” citadas ficaram muito evidentes quando os primeiros casos saíram de bairros nobres, como Meireles, e se disseminaram na periferia de Fortaleza. Com casas apertadas, a necessidade de sair para trabalhar e ônibus extremamente lotados, o vírus ganhou espaço.
“Isso mostra não só a fragilidade do sistema de saúde, que continua muito grave, mas uma realidade cruel do ponto de vista da estrutura urbana. Aprendemos que saúde primária tem muito a ver com renda per capita média e com qualidade de moradia”, indica.
Na época, quando começamos a analisar, tínhamos esse receio de que, quando saísse dos bairros onde iniciou e fosse pros mais distantes, a letalidade da doença aumentasse. E foi o que aconteceu.
Se a realidade entre uma Fortaleza privilegiada em comparação às favelas da capital cearense, a medida também foi desigual em relação ao interior do Estado. “Precisávamos de oxigênio canalizado, quando começou a pandemia, e vários municípios não dispõem disso. Na época, a fragilidade era muito grande”, lembra o ex-secretário.
Quando as primeiras informações sobre a possibilidade de uma pandemia começaram a circular pelo mundo, o Ceará optou por reduzir o atendimento de cirurgias eletivas, por exemplo, para criar espaço nas unidades de saúde.
Desafios na gestão
Com as inúmeras dificuldades para conter as mortes pela doença, o ex-secretário destaca o esforço para unir as pessoas, conseguir credibilidade e colaboração coletiva. “Havia um trauma não só psíquico, pelo medo, mas econômico”, pontua.
Em março de 2020, com o aumento acelerado do número de infectados, o Governo do Estado decretou o primeiro período de isolamento social no Estado. Bares, igrejas, restaurantes, barracas de praia, shoppings, cinemas, lanchonetes e demais estabelecimentos comerciais não essenciais tiveram de fechar as portas.
“Tivemos que melhorar a eficiência dos gastos públicos dentro do aspecto político do Governo; tomar medidas impopulares, não foi fácil”, define ao resgatar da memória o cotidiano singular na carreira.

“Fomos obrigados a fechar, um mês antes, todos os serviços eletivos para esvaziar os hospitais. Por isso não foi todo mundo pra rua. O HGF (Hospital Geral do Fortaleza), HIAS (Hospital Infantil Albert Sabin) e o Hospital da Messejana, todos deram alta para os doentes eletivos para conseguirmos suportar a demanda inicial”, detalha.
Lições pela dor
No dia 18 de janeiro de 2021, os cearenses se emocionaram e voltaram a tomar o fôlego de esperança com a primeira dose de vacina, aplicada na técnica de enfermagem Maria Silvana Souza dos Reis. Foi quando a mobilização intensa começou para imunizar o máximo possível.
As fotos nas redes sociais mostravam a adesão do público prioritário aos mais jovens e sem comorbidades. Contudo, após o surgimento de outras variantes e uma amenização da força da doença, a procura pela imunização esfriou.
Até o fim do último ano, por exemplo, cerca de 223 mil crianças cearenses ainda não tinham tomado nenhuma dose da vacina contra o coronavírus, e outras 300 mil estavam com o esquema vacinal incompleto.
“Autocuidado. A palavra-chave é essa no mundo na prevenção. Cada um tomar para si a necessidade de cuidar da sua saúde. Procurar fazer a vacinação, checar a pressão, ter hábitos de vida saudáveis. É muito mais do que hábitos simples, mas ter atitude ativa para ter saúde”, conclui Cabeto.