Praia do Futuro: lei que tornou barracas patrimônio não deve resolver conflito que já dura quase 20 anos
A lei Nº 15.092 reconhece oficialmente tanto as barracas como a atividade desempenhada pelos barraqueiros, “em razão de sua relevância cultural, social e econômica"
As barracas da Praia do Futuro, em Fortaleza, se tornaram patrimônio cultural brasileiro após nova lei sancionada pelo presidente Lula, na última terça-feira (7). No entanto, o dispositivo vetou um trecho que previa a permanência das estruturas no local onde ficam hoje, alimentando uma disputa entre empresários e Governo Federal que já dura quase duas décadas.
Para o procurador da República no Ceará e coordenador do Fórum Permanente da Praia do Futuro, Alessander Sales, que acompanha o caso há anos, a lei é “justa” e garante “reconhecimento merecido” para o local, mas não tem poder para solucionar o conflito.
“Embora importante, ela não tem a força de resolver o conflito sobre a ocupação da faixa de praia. O jeito como foi sancionada me parece que promove o mérito das atividades ali desenvolvidas, sem no entanto fazer com que este reconhecimento suplante o conflito de ocupação da faixa de praia. Esse só será resolvido em negociação ampla, no Fórum, que congrega mais de 26 instituições”, disse em entrevista ao Diário do Nordeste.
A lei Nº 15.092 reconheceu oficialmente tanto as barracas como a atividade desempenhada pelos barraqueiros, “em razão de sua relevância cultural, social e econômica, bem como por sua contribuição para a identidade local e nacional”.
A norma afirma que o poder público, em parceria com a comunidade local, deve adotar medidas para preservação, valorização e salvaguarda do patrimônio cultural.
Contudo, a presidência vetou o parágrafo aprovado pelo Senado que estabelecia que "o reconhecimento garante a manutenção da atual estrutura das barracas de praia existentes na Praia do Futuro".
A mensagem de veto considerou, após consulta ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), que “a proposição legislativa é inconstitucional e contraria o interesse público ao afastar a competência da União de gerir e fiscalizar praia marítima, que constitui bem da União, de uso comum do povo”.
Sales confirma o entendimento de que o ordenamento da faixa de praia compete à União. “Cabe ao órgão que cuida do patrimônio da União definir qual tipo de ocupação deve ser feito na faixa de praia”, explica.
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Por outro lado, para a presidente da Associação dos Empresários da Praia do Futuro (AEPF), Fátima Queiroz, é "importantíssima" para as barracas e abre novas perspectivas para as negociações e projetos que virão do poder público.
"Sem dúvida, isso traz uma nova dinâmica e fortalece nossa posição dentro do turismo nacional e internacional. Para nós, é um avanço muito grande. É uma medida inédita que nos habilita a ter uma atuação mais forte tanto com a Prefeitura de Fortaleza, com o Estado do Ceará e a própria União", reflete.
Na leitura da representante, a medida favorece não só o trabalho das barracas, mas a rede formada por hotéis, pousadas, estacionamentos e outros negócios formais e informais, além da própria comunidade do bairro.
Lados em disputa
Até o momento, Governo e empresários ainda não entraram em acordo sobre o destino das barracas. Para ampliar a faixa de praia da área, a União defende a readequação dos limites e tamanhos dos estabelecimentos, permitindo barracas de até 200, 400 ou 800 metros quadrados (m²).
Já os donos de barracas alegam que apreciações anteriores previam tamanhos maiores, de 500, 1.000 ou 1.500 m². Atualmente, algumas barracas chegam a 4.000 m².
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Conforme o procurador, somente um acordo originado no Fórum - do qual participam ainda Ministério Público Federal (MPF), Superintendência do Patrimônio da União (SPU) e Advocacia-Geral da União (AGU) - pode resolver o problema.
“O Fórum e o Patrimônio da União já apresentaram suas posições. Agora, vamos iniciar uma negociação com a União para saber como podemos aproximar as duas propostas. Isso está em andamento”, afirma.
Sales pondera que a nova gestão da Prefeitura de Fortaleza, de Evandro Leitão (PT), já sinalizou ao grupo que deve ratificar o que o Fórum decidir.
Por que as barracas viraram patrimônio?
Segundo a lei federal, também assinada pela ministra da Cultura, Margareth Menezes, o reconhecimento das barracas como patrimônio cultural brasileiro considera:
- a relevância cultural como espaço de lazer, convivência e manifestação da cultura cearense, inclusive quanto à culinária típica e à organização de eventos;
- a integração com a comunidade e a autenticidade das barracas de praia e dos barraqueiros;
- a importância econômica e turística das barracas, que movimentam a economia local, geram empregos e promovem a cultura brasileira internacionalmente.
Uma pesquisa do Observatório da Secretaria de Turismo de Fortaleza (Setfor) sobre a Praia do Futuro, realizada nos meses de julho e agosto de 2024, constatou que 60% dos frequentadores do local são moradores de Fortaleza. Além disso, 80% dos turistas visitam a Praia do Futuro por causa das barracas.
Hoje, a área possui cerca de 70 estabelecimentos em aproximadamente 6 km de praia. Juntos, eles geram mais de 5 mil empregos diretos e 15 mil indiretos, além de faturarem, em média, R$ 300 milhões por ano, conforme a proposição que criou a lei.
A ocupação da área data dos anos 1970, a partir das vendas de um loteamento de propriedade do empresário Antônio Diogo.