Praia do Futuro: lei que tornou barracas patrimônio não deve resolver conflito que já dura quase 20 anos

A lei Nº 15.092 reconhece oficialmente tanto as barracas como a atividade desempenhada pelos barraqueiros, “em razão de sua relevância cultural, social e econômica"

Praia do Futuro em dia de sol com pessoas e barracas na faixa de areia
Legenda: Praia do Futuro recebe milhões de visitantes por ano
Foto: Fabiane de Paula

As barracas da Praia do Futuro, em Fortaleza, se tornaram patrimônio cultural brasileiro após nova lei sancionada pelo presidente Lula, na última terça-feira (7). No entanto, o dispositivo vetou um trecho que previa a permanência das estruturas no local onde ficam hoje, alimentando uma disputa entre empresários e Governo Federal que já dura quase duas décadas.

Para o procurador da República no Ceará e coordenador do Fórum Permanente da Praia do Futuro, Alessander Sales, que acompanha o caso há anos, a lei é “justa” e garante “reconhecimento merecido” para o local, mas não tem poder para solucionar o conflito.

“Embora importante, ela não tem a força de resolver o conflito sobre a ocupação da faixa de praia. O jeito como foi sancionada me parece que promove o mérito das atividades ali desenvolvidas, sem no entanto fazer com que este reconhecimento suplante o conflito de ocupação da faixa de praia. Esse só será resolvido em negociação ampla, no Fórum, que congrega mais de 26 instituições”, disse em entrevista ao Diário do Nordeste.

Frequentadores de barraca de praia sentados em mesa perto de coqueiros
Legenda: União quer ampliar faixa de areia desocupada na região
Foto: Fabiane de Paula

A lei Nº 15.092 reconheceu oficialmente tanto as barracas como a atividade desempenhada pelos barraqueiros, “em razão de sua relevância cultural, social e econômica, bem como por sua contribuição para a identidade local e nacional”.

A norma afirma que o poder público, em parceria com a comunidade local, deve adotar medidas para preservação, valorização e salvaguarda do patrimônio cultural.

Contudo, a presidência vetou o parágrafo aprovado pelo Senado que estabelecia que "o reconhecimento garante a manutenção da atual estrutura das barracas de praia existentes na Praia do Futuro".

A mensagem de veto considerou, após consulta ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), que “a proposição legislativa é inconstitucional e contraria o interesse público ao afastar a competência da União de gerir e fiscalizar praia marítima, que constitui bem da União, de uso comum do povo”.

Sales confirma o entendimento de que o ordenamento da faixa de praia compete à União. “Cabe ao órgão que cuida do patrimônio da União definir qual tipo de ocupação deve ser feito na faixa de praia”, explica.

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Por outro lado, para a presidente da Associação dos Empresários da Praia do Futuro (AEPF), Fátima Queiroz, é "importantíssima" para as barracas e abre novas perspectivas para as negociações e projetos que virão do poder público.

"Sem dúvida, isso traz uma nova dinâmica e fortalece nossa posição dentro do turismo nacional e internacional. Para nós, é um avanço muito grande. É uma medida inédita que nos habilita a ter uma atuação mais forte tanto com a Prefeitura de Fortaleza, com o Estado do Ceará e a própria União", reflete.

Na leitura da representante, a medida favorece não só o trabalho das barracas, mas a rede formada por hotéis, pousadas, estacionamentos e outros negócios formais e informais, além da própria comunidade do bairro. 

Lados em disputa

Até o momento, Governo e empresários ainda não entraram em acordo sobre o destino das barracas. Para ampliar a faixa de praia da área, a União defende a readequação dos limites e tamanhos dos estabelecimentos, permitindo barracas de até 200, 400 ou 800 metros quadrados (m²).

Já os donos de barracas alegam que apreciações anteriores previam tamanhos maiores, de 500, 1.000 ou 1.500 m². Atualmente, algumas barracas chegam a 4.000 m². 

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Conforme o procurador, somente um acordo originado no Fórum - do qual participam ainda Ministério Público Federal (MPF), Superintendência do Patrimônio da União (SPU) e Advocacia-Geral da União (AGU) - pode resolver o problema.

“O Fórum e o Patrimônio da União já apresentaram suas posições. Agora, vamos iniciar uma negociação com a União para saber como podemos aproximar as duas propostas. Isso está em andamento”, afirma.

Sales pondera que a nova gestão da Prefeitura de Fortaleza, de Evandro Leitão (PT), já sinalizou ao grupo que deve ratificar o que o Fórum decidir.

Por que as barracas viraram patrimônio?

Segundo a lei federal, também assinada pela ministra da Cultura, Margareth Menezes, o reconhecimento das barracas como patrimônio cultural brasileiro considera:

  • a relevância cultural como espaço de lazer, convivência e manifestação da cultura cearense, inclusive quanto à culinária típica e à organização de eventos;
  • a integração com a comunidade e a autenticidade das barracas de praia e dos barraqueiros;
  • a importância econômica e turística das barracas, que movimentam a economia local, geram empregos e promovem a cultura brasileira internacionalmente.

Uma pesquisa do Observatório da Secretaria de Turismo de Fortaleza (Setfor) sobre a Praia do Futuro, realizada nos meses de julho e agosto de 2024, constatou que 60% dos frequentadores do local são moradores de Fortaleza. Além disso, 80% dos turistas visitam a Praia do Futuro por causa das barracas. 

Hoje, a área possui cerca de 70 estabelecimentos em aproximadamente 6 km de praia. Juntos, eles geram mais de 5 mil empregos diretos e 15 mil indiretos, além de faturarem, em média, R$ 300 milhões por ano, conforme a proposição que criou a lei.

A ocupação da área data dos anos 1970, a partir das vendas de um loteamento de propriedade do empresário Antônio Diogo. 

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