Plano Diretor de Fortaleza: veja mudanças entre a proposta da Prefeitura e o texto enviado à Câmara
O documento teve alteração em áreas como meio ambiente e patrimônio cultural, e começou a tramitar na Câmara Municipal.
A proposta do novo Plano Diretor de Fortaleza - principal norma que define o planejamento urbano da cidade - chegou, semana passada, à Câmara Municipal, onde, nesta segunda-feira (3), haverá uma audiência pública para debater o documento. Essa revisão está atrasada, pois deveria ter ocorrido antes de 2020. Agora, após formular um texto e o submeter à Conferência da Cidade, onde representantes da população o apreciaram e votaram, a Prefeitura o enviou ao Legislativo. Na casa, os vereadores podem confirmar o que foi definido, fazer ajustes ou até mesmo alterar completamente o documento que se tornará lei.
O envio ocorreu após a Conferência, realizada no final de outubro, na qual representantes do poder público, da sociedade civil e de setores econômicos, como empresários da construção civil, debateram e votaram uma versão do texto. A Câmara Municipal projeta que a norma será votada até o final de dezembro.
Conforme publicado pelo Diário do Nordeste, o novo Plano causa preocupação entre vereadores, pois eles avaliam que o texto enviado pelo Executivo tem pontos polêmicos, portanto, deve sofrer alterações. Mas, o que mudou entre a proposta apresentada pela Prefeitura e o que foi definido pela Conferência da Cidade? Quais modificações mais significativas os vereadores irão apreciar na nova versão?
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Na Conferência da Cidade, diferentes setores protagonizaram embates para defender posições distintas sobre o conteúdo final do Plano Diretor. O Diário do Nordeste analisou os dois textos e mostra que as alterações mais relevantes se concentraram em temas como meio ambiente, patrimônio cultural, imóveis vazios, áreas de interesse social, Outorga Onerosa e regras para obras e projetos. (confira abaixo a análise detalhada)
Na formulação do plano, conforme também noticiado pelo Diário do Nordeste, empresários da construção civil expressaram preocupação afirmando que algumas propostas podem restringir o avanço do mercado imobiliário e “congelar o crescimento da cidade”.
Entre as principais críticas do setor imobiliário, representado pelo Sindicato da Indústria da Construção Civil do Ceará (Sinduscon Ceará), estão a redução do índice básico de construção e o prazo de apenas 120 dias para a entrada em vigor das novas regras. Ambas propostas constavam no plano da Prefeitura e permaneceram após a Conferência. Além disso, empresários também defendem a necessidade de maior flexibilização nas normas para construções em áreas de valor cultural.
O que é o Plano Diretor e qual sua aplicação?
O Plano Diretor, em geral, propõe a divisão de Fortaleza em zonas nas quais cada área é enquadrada conforme as características que possui. Para isso, é considerado, por exemplo, se determinada área é mais residencial, comercial, industrial ou turística, se tem infraestrutura, se está próximo a grandes corredores de circulação de transporte, se precisa ser protegida e se detém muitas edificações históricas e culturais.
Isso impacta, dentre outras, na permissão ou restrição à construções, na definição da altura das edificações, nos níveis de proteção que uma área ambiental terá, nos incentivos para que determinados pontos da cidade recebam mais moradores do que outros.
Nessa divisão, cada bairro pode estar em mais de uma zona, já que as características que são levadas em consideração para a definição desse “perfil” nem sempre estão presentes no bairro inteiro. Por isso, o regramento do uso do solo - considerando, por exemplo, a altura dos imóveis, o tipo de edificação, o aproveitamento do tamanho dos terrenos - pode ser diferente tanto em cada bairro, como até mesmo dentro de um mesmo bairro.
No caso da proposta atual, o Diário do Nordeste já havia publicado que, dentre as inúmeras proposições, a Prefeitura apresentou a criação de áreas de patrimônio "superprotegidas" em 8 bairros de Fortaleza; a implantação do IPTU Verde com descontos para imóveis; mudanças no limite de altura de prédios na Praia de Iracema, fazendo com que em algumas áreas o teto possa passar de 48 metros para 72 metros; e também estabelecido prazos mais específicos para assegurar a destinação correta de imóveis vazios.
Meio ambiente
No caso das proposições relacionadas ao meio ambiente, a alteração que teve a maior repercussão até o momento é a mudança do zoneamento da área da Floresta do Aeroporto Internacional Pinto Martins, localizada atrás do equipamento.
O terreno está no centro de um debate devido à construção de um centro logístico no local. A obra, iniciada em junho, teve as licenças suspensas em setembro após denúncias de possíveis irregularidades ambientais e uma investigação foi aberta para apurar o caso. A empresa responsável, Aerotrópolis Empreendimentos S.A., nega qualquer irregularidade.
Antes da Conferência da Cidade, a proposta do Executivo classificou a área como Zona Ambiental de Uso Sustentável (ZUS), categoria que admite determinadas construções sob critérios de preservação. Durante o debate, porém, a área foi reclassificada como Zona de Proteção Ambiental (ZPA), nível mais rígido de proteção, que restringe ocupação e obras. A inclusão surpreendeu e é citada por vereadores como um dos pontos que pode ser modificado ou até completamente revertido na Câmara Municipal.
Outra alteração ambiental relevante envolve o Refúgio das Jandaias, no bairro Cajazeiras. Antes, o local fazia parte da Zona de Centralidades Eixo (ZCE), destinada ao adensamento urbano e incentivo a atividades econômicas. Após a Conferência, a área passou a ser enquadrada como ZPA, reforçando o caráter de proteção e conservação ambiental.
A redação enviada ao Legislativo também tem diferenças em relação à recuperação de danos ambientais. No texto original, a responsabilidade de recuperar as áreas ambientalmente degradadas era condicionada ao termo “sempre que possível”, o que permitia interpretações mais flexíveis. Com a revisão, a recuperação passa a ser uma obrigação expressa, eliminando margem para dispensa em casos de dano ambiental.
Quando não for possível recuperar o dano no local, o proprietário deve realizar a compensação ambiental em outro lugar, diz o novo Plano, de acordo com as diretrizes do órgão ambiental, tornando as penalidades por irregularidades mais rigorosas.
Outro ponto é a proteção de territórios tradicionais contra terceiros. O novo Plano Diretor, caso não seja alterado na Câmara, estabelecerá, de forma inédita na cidade, Zonas Especiais de Ocupação por Comunidades Tradicionais (ZECT), voltadas aos povos tradicionais.
Nesse caso, a versão aprovada na Conferência teve uma alteração, pois ao invés de vedar novas construções em geral nessas zonas, o texto passou a proibir novas obras de pessoas não cadastradas e reconhecidas da comunidade, reforçando que o uso da zona deve ser exclusivo dos moradores tradicionais.
Patrimônio Cultural
Na preservação patrimonial, a Prefeitura propôs criar as Zonas de Preservação do Patrimônio Cultural (ZPC) em oito bairros: Centro, Praia de Iracema, Jacarecanga, Aldeota, Benfica, Parangaba, José de Alencar e Mondubim. Na Conferência da Cidade, duas dessas áreas, Centro e Praia de Iracema, foram alteradas, com a inclusão de quarteirões a serem protegidos no entorno do Centro Cultural Dragão do Mar e mais imóveis incluídos na área de proteção máxima no Centro Histórico.
Além disso, foi criada uma nova diretriz para o combate ao abandono de bens tombados: o novo texto do Plano Diretor agora incentiva que o poder público ocupe, preferencialmente, os imóveis de interesse patrimonial nas ZPC. Essa ocupação preferencial não constava na versão da Prefeitura.
Outro ponto relacionado à ZPC, é o instrumento do PEUC (Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios) que obriga proprietários de imóveis ociosos, subutilizados ou não edificados a darem uma função social à propriedade, poderá também ser aplicado nas áreas desse zoneamento.
Imóveis vazios
Um dos temas que também mobilizou debates é a norma aplicada aos imóveis vazios. Nesse assunto, o novo texto aponta que o PEUC não poderá ser aplicado a propriedades que estejam envolvidas em litígio judicial. Essa alteração protege proprietários que, embora possuam imóveis vazios, estão legalmente impedidos de construir, lotear ou usá-los devido a disputas na Justiça.
Modificações também foram feitas no que diz respeito às situações nas quais não é possível aplicar o PEUC. No caso, dentre as condições de imóveis não sujeitos ao PEUC, as obras paralisadas há pouco tempo só serão “perdoadas” se elas estiverem com a licença de construção em dia; caso contrário, poderá ser sujeita à utilização compulsória.
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Sobre abandono de imóveis, na subseção que caracteriza o que vem a ser essa condição, o novo texto teve uma regra específica adicionada. Nela o proprietário possui um período de 3 anos para se manifestar e reverter a situação do imóvel após a instauração do processo administrativo.
Áreas de Interesse social
Sobre as Zonas de Interesse Social foi adicionado ao texto 4 instrumentos de coerção e desapropriação. A mudança permite ao município pressionar proprietários de terras ociosas a usarem seus imóveis para habitação social ou para desapropriá-los nessas zonas específicas.
Outra alteração é que a regra sobre remoções dentro do perímetro das Operações Urbanas Consorciadas (OUC) - uma espécie de consórcio público-privado para revitalizar áreas urbanas degradadas - se tornou mais rígida. Antes no texto constava que era preciso evitar remoções “sempre que possível”. Agora, a remoção de assentamentos informais estão proibidas e só podem ocorrer se forem “estritamente necessárias” para obras de interesse social.
Já nas Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) foi detalhado no texto que agora é necessário ter assessoria técnica multidisciplinar para a comunidade. Isso significa que, ao criar os planos de regularização, os moradores terão o apoio de uma equipe especializada como arquitetos, sociólogos e engenheiros.
O novo texto também traz regras para grandes conjuntos habitacionais, já que a Prefeitura propôs, de forma inédita, a criação das “Zeis de reparação”. Tendo em vista essa criação, o texto aponta um conteúdo detalhado que os Plano de Reparação Urbana, Ambiental e Social (PRUAS) devem ter. Essa inclusão aumenta o nível de detalhamento do que deve ser analisado e planejado para a recuperação dessas comunidades.
Outorga Onerosa
Outro ponto modificado pela Conferência trata do cálculo e das regras de isenção da Outorga Onerosa, instrumento urbano que permite ao proprietário solicitar mudanças no uso ou nos parâmetros do terreno (como altura e recuos) mediante pagamento à Prefeitura.
Na proposta enviada à Câmara, o cálculo da Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC) passa a prever que o Fator de Planejamento (um dos componentes da fórmula) poderá ser revisto e ajustado a cada dois anos. A atualização, porém, dependerá de aprovação do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CMDU). Antes, não havia uma previsão temporal clara para essa revisão.
O texto também inclui um novo artigo que isenta empreendimentos públicos, como projetos de Habitação de Interesse Social (HIS), do pagamento da Outorga Onerosa de Alteração de Uso (OOAU). A medida garante que o Município não cobre a taxa em iniciativas destinadas à população de baixa renda.
Obras e projetos
O texto também foi modificado em um item relativo a obras. Em caso de equipamentos de saúde de grande porte, como grandes hospitais, o novo texto indica que eles podem ser adicionados à categoria de "Projetos Especiais". Essa classificação permite que tais projetos, devido ao seu alto interesse público e social, possam receber flexibilizações nas regras urbanísticas de zoneamento, facilitando e agilizando a implementação.
No texto também foi incluída uma nova regra que proíbe a aprovação automática de projetos de construção ou de uso do solo, seja por esgotamento de prazo ou por qualquer outro meio. Isso significa que um projeto não será aprovado automaticamente apenas porque o prazo de análise da Prefeitura expirou. O novo texto estabelece que a aprovação deve sempre ser expressa e formal, exigindo análise completa do município.