O que é o Plano Diretor e por que ele molda o crescimento de Fortaleza
Fortaleza cresce e se transforma a cada ano, e de tempos em tempos é necessário parar, avaliar como a Cidade está e ajustar os rumos que ela vai tomar nos anos seguintes. É justamente esse momento que a capital cearense está vivendo, com o processo de revisão periódica do Plano Diretor Participativo e Sustentável.
No fim desta semana, de 24 a 26 de outubro, as propostas para o documento que vai guiar o desenvolvimento do Município pelo menos ao longo da próxima década serão discutidas durante a Conferência da Cidade, última etapa antes do projeto de lei ser enviado para votação na Câmara Municipal.
Principal instrumento legal para o planejamento urbano do município, o Plano Diretor define normas e estratégias que norteiam para onde e como a cidade deve crescer. Após a realização de fóruns territoriais, seminários e audiências públicas, com a presença de movimentos sociais e outros atores envolvidos no processo, a minuta do projeto de lei foi divulgada pela Prefeitura de Fortaleza no dia 10 de outubro.
A revisão chega à etapa final com a Conferência da Cidade e, após o processo legislativo, segue para sanção até virar lei. É ela que vai determinar, por exemplo, o que pode ser construído em um terreno, quantos andares um imóvel pode ter, que ruas e estradas devem receber melhorias primeiro e quais áreas podem ou não ser ocupadas.
O Diário do Nordeste publica neste mês uma série de reportagens especiais sobre a proposta do Plano Diretor de Fortaleza, que deve ser votada na Câmara Municipal até o fim de 2025. A ideia do conteúdo é discutir parte das propostas, destacando os impactos relacionados ao crescimento urbano da Capital para os diferentes setores da Cidade.
O que é o Plano Diretor
Conforme a Constituição Federal de 1988, nos artigos 182 e 183, todos os municípios com mais de 20 mil habitantes ou que integram regiões metropolitanas são obrigados a elaborar um Plano Diretor. E a criação ou revisão desse documento, segundo o Estatuto da Cidade, deve contar com a participação da sociedade.
“Existem outras leis que têm que regulamentar o Plano Diretor, como a Lei de Uso e Ocupação do Solo, o Plano de Mobilidade e outros instrumentos, mas ele é esse documento estruturante. É o principal documento que uma cidade tem para se organizar”, explica a arquiteta e urbanista Camila Bandeira, coordenadora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Fortaleza (Unifor).
Também cabe ao Plano Diretor definir as diretrizes e os prazos para a elaboração ou atualização de planos específicos, como habitação, saneamento ambiental — água, esgoto, drenagem e resíduos sólidos — e mobilidade urbana. Além disso, ele precisa estar integrado a outros planos e políticas implementados pelo Estado e pela União e articulado com o orçamento municipal.
Desta forma, as peças do ciclo orçamentário — o Plano Plurianual (PPA), a Lei Orçamentária Anual (LOA) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) — devem incorporar as diretrizes e prioridades definidas no Plano Diretor.
Em meio a diversos aspectos formais, o Plano Diretor pode parecer algo distante do cotidiano dos cidadãos, mas, na verdade, ele tem implicações em diferentes aspectos práticos para os habitantes da quarta maior cidade brasileira em população. Ele vai definir, por exemplo, onde as diferentes atividades que ocorrem na cidade vão se localizar e como esse território vai ser estruturado.
Entre as perguntas que podem ser respondidas pelo Plano Diretor, estão:
- Onde e o que pode ou não ser construído?
- Onde são necessários escolas, praças, parques e áreas de lazer?
- Como deve ser a mobilidade no município?
- Quais são e como devem ser tratadas as áreas com valor histórico e cultural?
- Como serão as políticas de moradia, de saneamento, de desenvolvimento econômico, entre outras?
- Como os rios, lagoas, riachos, praias, dunas e demais áreas ambientais devem ser tratadas?
Em entrevista ao Diário do Nordeste, o superintendente do Instituto de Pesquisa e Planejamento de Fortaleza (Ipplan), Artur Bruno, explicou que a proposta do poder Executivo busca promover a construção em áreas que já possuem infraestrutura básica e, ao mesmo tempo, proteger as áreas verdes e o patrimônio cultural da Cidade.
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A minuta contém, por exemplo, dispositivos para promover o crescimento da cidade considerando sua atual configuração policêntrica, com vários polos comerciais.
“Fortaleza tem o Centro Histórico, mas tem vários centros: Parquelândia, Meireles, Aldeota, Montese, Messejana, Parangaba e Guararapes, onde tem shoppings, boa estrutura. Então, a cidade deve crescer para onde tem polos e transporte. E [deve] evitar crescer nas áreas onde não tem infraestrutura, onde não tem esgoto, por exemplo”, afirmou.
Outro tema tratado pelo Plano Diretor que impacta diretamente no cotidiano da população é a habitação. O objetivo da prefeitura, segundo Artur Bruno, é promover formas para que “as pessoas morem, trabalhem, divirtam-se, estudem, tenham relações sociais próximas às suas moradias”.
Mais do que entender o que é o Plano Diretor, é importante que a população participe desse processo de revisão do documento e das decisões que serão enviadas ao legislativo, defende José Carlos Gama, diretor do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Ceará (Sinduscon-CE).
Qual é o objetivo da nossa cidade? É ser uma cidade eminentemente turística? Então você vai incentivar os serviços do turismo. Vai ser uma cidade industrial? Vai ser uma cidade dormitório? Vai ser uma cidade onde você em cada bairro vai poder morar, trabalhar e ter o seu lazer? Todas essas definições precisam ser dadas no plano diretor para que depois a lei de uso e ocupação do solo e o código das cidades possam se adequar a essas diretrizes do plano diretor.
Para que os objetivos do Plano Diretor sejam colocados em prática, a cidade é dividida em zonas, áreas ou setores — o que se chama de zoneamento — e cada um deles recebe regras específicas — os chamados parâmetros urbanísticos — a partir de suas características.
Na prática, esses parâmetros urbanísticos podem, por exemplo, restringir ou estimular a ocupação de determinadas áreas da cidade; indicar se um bairro ou região da cidade terá mais prédios do que casas, ou mais comércios do que moradias; e orientar o desenvolvimento das cidades por meio da distribuição da população, conforme a infraestrutura de determinada zona.
“Se você comprou um terreno em um determinada rua, determinado bairro, o Plano Diretor vai dizer qual o recuo que a casa tem que ter, o quanto você pode ocupar o terreno, a altura máxima [da construção], a largura que a calçada tem que ter. Ao mesmo tempo, esse terreno vai estar dentro de um bairro, dentro de uma zona, que também tem uma série de parâmetros estabelecidos”, afirmou a professora.
O reflexo na desigualdade
Muito mais que um instrumento técnico, o Plano Diretor pode contribuir para a construção de uma cidade mais igualitária ou para o aprofundamento de desigualdades sociais, a depender de como ele seja construído. Por isso a importância de se fazer um diagnóstico correto da atual situação do município e propor medidas que corrijam esses contrastes.
“Ele tem que ser elaborado de forma participativa, a partir de uma compreensão de diagnósticos setoriais — de habitação, mobilidade, meio ambiente. Primeiro, precisamos entender bem a cidade, elaborar esse diagnóstico e tentar estabelecer quais são as prioridades. […] Fortaleza vai crescer e se organizar a partir do que estiver estabelecido no plano diretor, então é um documento muito importante. É um compromisso de futuro com a nossa cidade”, afirma a professora.
O atual Plano Diretor de Fortaleza foi pensado para o município que existia em 2009 e deveria ter sido revisto em 2019. O processo foi interrompido pela pandemia de Covid-19 e só foi retomado em 2023. Em 16 anos, o município passou por diversas mudanças, e a arquiteta e urbanista destaca o surgimento dos superprédios como uma das mais perceptíveis.
Nesse tempo, ela também destaca um acirramento da desigualdade socioespacial. “As áreas periféricas e as áreas mais ricas [foram] ficando mais distintas umas das outras. Isso acaba até acirrando questões de violência. Então, a gente vê que essa questão da violência também acaba sendo um pouco um fruto dessa cidade que vamos construindo de forma desigual”, avalia.
Apesar de não ter um território muito extenso, Fortaleza tem alta densidade populacional e uma diferença marcante no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre os bairros, refletindo as diferenças de acesso a renda, educação e saúde, por exemplo. Enquanto Aldeota, Dionísio Torres e Meireles são os únicos com IDH muito alto, outros 89 bairros estão no outro extremo, com índice considerado muito baixo.
Para Camila Bandeira, é necessário pensar formas de reduzir esses contrastes, uma vez que um território muito desigual gera tensões, acirra a violência e aumenta a diferença da qualidade de vida entre bairros. “Se você quer ter uma cidade justa, tem que pelo menos tentar reduzir essas desigualdades”, destaca.
Ela cita algumas possibilidades para esse objetivo: distribuir melhor os equipamentos de saúde, de lazer e de educação no território, propor melhorias para o transporte público para as pessoas que precisam e reduzir as distâncias entre os diferentes tipos de atividades realizadas pela população na cidade.
Como funciona a Conferência da Cidade
Durante três dias, de 24 a 26 de outubro, 596 pessoas delegadas — representantes do poder público e da sociedade civil — e 60 observadoras vão estar reunidas no Centro de Eventos do Ceará. O objetivo é discutir e votar as propostas presentes na minuta do Plano Diretor Participativo e Sustentável (PDPS) de Fortaleza.
A professora classifica a Conferência da Cidade do Plano Diretor Participativo e Sustentável de Fortaleza como o momento mais importante desse processo de revisão. “O projeto já está pronto e agora vai ser apreciado pelo conselho. As pessoas vão poder assistir a tudo o que foi debatido e está proposto. É muito importante acompanhar e observar se não vai haver mudanças de última hora que prejudiquem o que foi pensado. É um momento emblemático desse processo”, explica.
As pessoas delegadas, que têm direito a voz e voto, estão divididas da seguinte maneira:
- 260 do poder público municipal;
- 312 da sociedade civil, distribuídos entre trabalhadores, empresários, movimentos sociais, ambientalistas, pessoas com deficiência, acadêmicos, territórios e Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis);
- 24 delegados natos do Núcleo Gestor.
Já as pessoas observadoras podem falar nos grupos de trabalho uma única vez — com limite de 2 minutos cada —, mas não podem votar.
A agenda de trabalho tem início com a abertura em plenária, com solenidade, leitura do regimento, apresentação do anteprojeto do Plano Diretor e explicação do funcionamento. Em seguida, cada parte do Plano Diretor passa por discussão temática nos grupos de trabalho (GTs) listados no quadro a seguir.
Nas discussões dos grupos, as propostas do anteprojeto do Plano Diretor podem ser mantidas como estão, modificadas parcialmente ou excluídas. Aquelas que forem aprovadas pela maioria simples vão para a plenária.
A etapa seguinte é a apresentação e votação dos destaques dos GTs, seguida pelo encerramento com a síntese das decisões.
Próximos passos
Encerrada a Conferência da Cidade, a previsão é que o projeto de lei do Executivo Municipal seja enviado para a Câmara Municipal de Fortaleza no início de novembro. A matéria será lida em plenário e encaminhada à Comissão Especial do Plano Diretor.
A comissão vai analisar o mérito do texto e emitir parecer antes do retorno ao plenário para votação. O andamento da tramitação pode variar, conforme o Regimento Interno da Câmara.
- Caso o Plano Diretor tramite em regime de urgência e haja pedido de vista, a análise deverá ocorrer no prazo de uma sessão ordinária;
- Se não houver urgência, o prazo se estende para três sessões ordinárias.
Segundo informações da Câmara Municipal, concedida ao Diário do Nordeste com base no regimento da Casa, a votação final do Plano Diretor, incluindo possíveis emendas, deve ocorrer até o dia 22 de dezembro, data da última sessão ordinária de 2025.