O que o Plano Diretor aponta para resolver os vazios urbanos e por que Fortaleza ainda está distante
Imóveis, sejam eles terrenos ou edificações, ociosos ou subutilizados espalhados em diversos bairros de Fortaleza. São galpões, fábricas, construções abandonadas ou outros empreendimentos que “perderam a utilidade inicial” ou sequer chegaram a consolidar o uso previsto originalmente. Na prática, estruturas sem uso que, em processo de deterioração, geram vazios urbanos e apartam a cidade. Muitas permanecem assim há décadas. Algumas, inclusive, constavam no Plano Diretor - lei municipal que define como a cidade deve crescer - de 2009 e, 15 anos depois, seguem do mesmo modo.
Mas se essa situação gera prejuízos, dentre outros, sociais e urbanísticos para o desenvolvimento da cidade, há mecanismos previstos na legislação que podem inibir esses vazios e fazer com que proprietários deem uso adequado às edificações? Em Fortaleza, quais são os dispositivos que podem ajudar a reverter esse quadro e como eles têm sido aplicados?
Na Capital, dados de pesquisas acadêmicas e documentos oficiais utilizados pela gestão municipal apontam alguns bairros que tem vazios urbanos, são eles: Centro, Montese, Sapiranga, Vicente Pinzón, Praia do Futuro, Papicu, Carlito Pamplona, Jacarecanga, Álvaro Weyne, Antônio Bezerra, Parque Presidente Vargas, Vila União, São João do Tauape, Aldeota, Benfica, Novo Mondubim, Canindezinho, Parangaba, Dom Lustosa, Floresta, Praia da Iracema, Edson Queiroz, Sapiranga, Jangurussu, Cambeba e Siqueira.
Para discutir o impacto deste tema na rotina da população, o Diário do Nordeste publica nesta semana uma série de reportagens sobre os vazios urbanos de Fortaleza. Além de caracterizar os que são esses espaços e quais os impactos para o desenvolvimento da cidade, também iremos abordar o quê o Plano Diretor aponta para resolver a situação e exemplos de prédios ociosos e subutilizados na Capital que tiveram o uso transformado indicando soluções reais para ocupar de forma positiva o que antes eram vazios urbanos.
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O Estatuto da Cidade, Lei Federal 10.257/2001, que estabelece as diretrizes para a política urbana prevista na Constituição Federal, estipula que cabe ao poder público controlar o uso do solo para que seja evitada “a retenção especulativa do imóvel, que resulte na sua subutilização ou não utilização e deterioração das áreas urbanizadas”.
E para isso, alguns instrumentos são previstos no Plano Diretor de Fortaleza para serem aplicados:
- Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios (PEUC);
- IPTU progressivo no tempo;
- Desapropriação mediante pagamento por títulos da dívida pública
Esses mecanismos, conforme prevê o Plano Diretor de Fortaleza, deveriam ser utilizados nessa ordem na tentativa de coibir o descumprimento da função social da propriedade por parte dos donos, por exemplo, dos imóveis nos vazios urbanos. Mas, alguns obstáculos, ao longo dos anos, têm impedido a efetiva aplicação desses dispositivos em Fortaleza.
O que é cada instrumento?
Conforme o Plano Diretor de Fortaleza, são passíveis da aplicação do Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios, o chamado PEUC, “os imóveis não edificados, subutilizados ou não utilizados, localizados em todas as zonas da Macrozona de Ocupação Urbana”.
O Plano Diretor considera que:
- Imóveis subutilizados: são os edificados com área igual ou superior a 400m² cujos índices de aproveitamento não atinjam o mínimo definido para zona ou que apresentem mais de 60% da área construída da edificação ou do conjunto de edificações sem uso há mais de 5 anos;
- Imóveis não utilizados: são terrenos ou glebas edificados cujas áreas construídas não sejam utilizadas há mais de cinco anos.
Essa classificação não inclui os imóveis que estejam desocupados em virtude de litígio judicial.
No caso, com a aplicação do PEUC, os proprietários dos imóveis não edificados deveriam ser notificados pela Prefeitura e a contar do prazo de 1 ano dessa ação obrigatoriamente protocolar pedido de aprovação e execução de projeto para parcelamento do solo ou edificação. No caso da obrigação de se utilizar o imóvel, o prazo é também de 1 ano para as edificações classificadas neste segundo grupo.
Em caso de descumprimento dessa obrigação, o município deveria aplicar nesses imóveis alíquotas progressivas do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) aumentadas anualmente por 5 anos consecutivos até que o proprietário cumpra com a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar aquela propriedade.
Segundo o Plano Diretor, o município deveria manter a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a obrigação. Passados 5 anos de cobrança do IPTU progressivo no tempo, sem que o proprietário tenha parcelado, edificado ou utilizado o imóvel, a Prefeitura poderia proceder a desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.
Nesse processo, o Município deveria, em seguida, proceder o adequado aproveitamento do imóvel no prazo máximo de 5 anos, contados a partir da incorporação ao patrimônio público.
Por que essas medidas não tiveram êxito?
“Diante do problema de terrenos e edificações não utilizados ou subutilizados, cabe ao poder público municipal intervir por meio de instrumentos de regulação do uso e da ocupação do solo urbano”, reforça o arquiteto e urbanista, conselheiro Estadual do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/Ceará) e professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), Rérisson Máximo. Mas, embora o Plano Diretor preveja esses mecanismos, “eles nunca foram eles não foram regulamentados e, assim, não foram aplicados”.
Pelo plano de 2009, a criação da lei municipal específica estabelecendo o valor da alíquota a ser aplicado no IPTU progressivo no tempo deveria ocorrer em 6 meses. Mas, a norma nunca foi produzida.
Pelo contrário, houve a regulamentação de outros instrumentos, como a Outorga Onerosa do Direito de Construir que, em certo sentido, estimulou a ocorrência de vazios urbanos e imóveis vazios ou subutilizados já que os proprietários aguardaram um aumento de índices urbanísticos e construtivos que permitiram construir mais.
A arquiteta e urbanista e pesquisadora do Observatório das Metrópoles, Bruna Santiago, reforça que no caso do PEUC e do IPTU progressivo é uma forma de o Estado dizer: “Olha, seu terreno está vazio, você precisa ocupar. Se por acaso a pessoa não ocupar, instala-se o IPTU progressivo, em que o proprietário do terreno vai ter que pagar um IPTU a cada ano mais alto”.
Mas, ela pondera que “esses instrumentos são polêmicos porque seria mexer com um grupo que é muito fluente no Brasil como um todo, que é o mercado imobiliário, que tem esse modus operandi de manter esses espaços vazios visando a especulação. Então, a maioria das cidades são assim, especialmente as capitais do Brasil. Não temos a regulamentação desses instrumentos”.
O arquiteto, mestrando no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura, Urbanismo e Design da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador do Laboratório de Estudos da Habitação também da UFC, Vinícius Saraiva, reitera que as medidas não regulamentadas e a que “o grande problema é que muitas dessas áreas são áreas de terrenos privados”.
“O que tem sido aproveitado desses terrenos em áreas vazias para novos usos pela iniciativa privada é para o seu próprio bem, para seu próprio lucro. Muitos desses terrenos são da iniciativa privada, estão em processo de valorização imobiliária, e estão sendo utilizados paulatinamente ao passo que é útil para as construtoras, incorporadoras imobiliárias”, acrescenta.
Debates e possibilidades no novo plano
No atual processo de revisão do Plano Diretor há uma pressão por parte de técnicos, pesquisadores e integrantes do movimento popular pelo estabelecimento dos instrumentos que possam, de fato, coibir a permanência dos vazios urbanos.
Na proposição disponibilizada publicamente até o momento pela Prefeitura, que segundo a própria gestão, ainda não é definitiva, a classificação dos vazios urbanos é semelhante ao plano anterior. Da seguinte forma:
- Imóvel urbano não edificado: são os terrenos ou glebas onde o índice de aproveitamento utilizado for igual a zero com área igual ou superior a 400m².
- Imóvel urbano subutilizado: são os terrenos ou glebas, com área igual ou superior a 400m², cujo índice de aproveitamento não atinjam o mínimo definido para a zona em que o terreno se localiza ou que apresentem mais de 60% da área construída da edificação, ou do conjunto de edificações sem uso há mais de 5 anos.
- Imóvel urbano não utilizado: são os terrenos ou glebas edificadas cujas áreas construídas não sejam utilizadas ou estejam desocupadas há mais de cinco anos.
No documento, uma das propostas indicadas nas ações relacionadas à habitação, regularização fundiária e terras públicas é "realizar a identificação do solo urbano não edificado, subutilizado e não utilizado, através do Sistema de Informações de Vazios Urbanos e Fundo de Terras (SIVU), para que haja o monitoramento da aplicação da PEUC. A implementação desse sistema, conforme o Plano estaria a cargo da Secretaria Municipal do Desenvolvimento Habitacional (Habitafor).
A aplicação dos instrumentos como o PEUC e o IPTU progressivo, segundo a proposta, seguiria passos semelhantes ao anterior no que diz respeito à forma de notificação dos proprietários e prazos. Mas, no caso da aplicação do IPTU progressivo, a proposição já estabeleceu as alíquotas a serem aplicadas.
A progressividade da alíquota, para terrenos, será de:
- 4% no primeiro ano;
- 8% no segundo ano;
- 10% no terceiro ano;
- 12% no quarto ano; e
- 15% no quinto ano.
A progressividade da alíquota, para imóveis edificados, será de:
- 2% no primeiro ano;
- 4% no segundo ano;
- 8% no terceiro ano;
- 10% no quarto ano; e
- 15% no quinto ano.
Questionado sobre os planos da gestão para os mecanismos como o PEUC e o IPTU progressivo no novo plano, o Instituto de Pesquisa e Planejamento de Fortaleza (Ipplan), órgão da Prefeitura de Fortaleza, informou em nota apenas que esses mecanismos estão previstos para “estimular a edificação em vazios urbanos bem localizados”.
Outra proposta destacada pelo Ipplan é que “parte desses vazios urbanos devem ser definidos como Zonas Especiais de Interesse Social tipo 3”, de modo que seja priorizada a edificação de habitação popular nesses locais.
No texto em questão não há definição ainda da necessidade de regulamentação posterior desses mecanismos. Tal definição deve ocorrer quando o Plano tramitar na Câmara Municipal.
Na discussão do Plano, o Campo Popular, que reúne técnicos e representações dos movimentos sociais, aponta, dentre outras propostas, a necessidade de criação de uma coordenadoria específica no poder executivo para monitorar e publicizar a execução das Zeis em vazios urbanos, além de gerir e aplicar instrumentos como PEUC e IPTU progressivo.
Segundo essa proposição, a coordenadoria ficaria responsável por estruturar uma política de fiscalização e forneceria para a sociedade civil dados periódicos sobre o funcionamento das Zeis, incluindo quantidade de imóveis notificados, projetos em andamento e já executados.