Entenda impasse que envolve denúncias de ilegalidade de obra em terreno do Aeroporto de Fortaleza

A Aerotrópolis disse que as atividades do empreendimento foram devidamente licenciadas pela Semace, por meio da licença.

Escrito por
Thatiany Nascimento thatiany.nascimento@svm.com.br
(Atualizado às 15:44)
Legenda: Imagem do Google Earth do dia 21 de agosto de 2025

O desmatamento de 46 hectares na floresta no entorno do Aeroporto Internacional Pinto Martins, em Fortaleza, para a construção de um centro logístico tem sido alvo de discussões e gerado reações, dentre elas, a suspensão das licenças e a abertura de investigações sobre supostas irregularidades na obra.

A intervenção, que está paralisada, teve início em junho de 2025, e ganhou notoriedade, nas últimas semanas, quando denúncias foram feitas na Câmara Municipal e enviadas a órgãos de fiscalização. Mas, afinal, o que já se sabe sobre o caso e o que ainda precisa ser esclarecido?

A ideia das obras do complexo logístico na área do Aeroporto de Fortaleza foi anunciada pela Fraport Brasil - concessionária alemã responsável pela administração do aeroporto - há mais de 3 anos. Mas só em junho deste ano as intervenções começaram a sair do papel, tendo à frente a empresa Aerotrópolis Empreendimentos S.A, construtora do centro logístico que recebeu da Fraport o direito de ‘explorar’ a área em uma espécie de arrendamento.

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O empreendimento está localizado “atrás” da pista do Aeroporto com acesso pela BR-116, em uma área total de 582 mil m². 

A Aerotrópolis Empreendimentos S.A, pelo menos desde 2023, demandava as licenças aos órgãos ambientais para iniciar a construção. A primeira licença de instalação foi emitida pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) em outubro de 2023. Outras duas foram emitidas posteriormente, sendo a mais recente em fevereiro de 2025 válida até outubro de 2027. Os três documentos estão disponíveis no site da Semace para acompanhamento aos licenciamentos ambientais

Em junho de 2025, a projeção divulgada pelo Diário do Nordeste com base em informação repassada por uma fonte da empresa que preferiu não se identificar é que as obras do complexo logístico deveriam seguir até o fim de 2025. O investimento projetado, à época, pela empresa era de R$ 200 milhões. 

A licença de instalação datada de 21 de fevereiro de 2025 emitida pela Semace indica que, no local, serão construídos:

  • Sete galpões logísticos
  • Um truck center (local para manutenção e reparo de caminhões)
  • Um posto de combustível para veículos automotores e
  • Um ponto de abastecimento de combustível (comércio atacadista de combustível)

Mas, em setembro, quando boa parte do trabalho de supressão vegetal já estava em curso, denúncias de irregularidades na intervenção ganharam visibilidade. O vereador Gabriel Biologia (Psol) é uma das figuras públicas que tem provocado esse debate e acionou tanto a própria Semace, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e os ministérios públicos Estadual e Federal. 

Dentre outros pontos, as denúncias relativas às obras indicam que: 

  • A empresa supostamente não teria apresentado à Semace o Estudo de Viabilidade Ambiental- EVA, nem o Plano de Manejo de Fauna;
  • Não há detalhamento da Autorização para Supressão Vegeta;l
  • A construção do empreendimento estaria ocorrendo em uma área onde há Mata Atlântica remanescente; 
  • A obra estaria sendo edificada em uma área que supostamente tem a presença de um corpo hídrico, o que configura a existência de uma Área de Proteção Permanente (APP). 

Após esse apontamentos virem à tona, no dia 26 de setembro, a Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima (Sema) e a Semace publicaram uma nota na qual informaram que “todo o processo de licenciamento havia seguido a legislação ambiental vigente, com anuência do Município desde 2023, levantamento de dados na plataforma SOS Mata Atlântica, vistoria de campo e inventário florestal”. Desse modo, o órgão responsável pelo licenciamento afirmou, naquela data, que as etapas que precederam as denúncias estavam dentro da regularidade. 

Foto: Thiago Gadelha

Mas, naquele mesmo dia, uma vistoria foi realizada por fiscais da Semace no local e “diante de irregularidades encontradas” - que segundo o órgão são “intervenção em APP, supressão além dos limites da licença e manejo inadequado da fauna”-, a autorização e a licença para empresa Aerotrópolis Empreendimentos S.A foram suspensas.

O Diário do Nordeste também divulgou que, como penalidade administrativa, a empresa Aerotrópolis foi multada pela Semace em R$ 200 mil pelo desmatamento no local. 

A obra foi paralisada desde então e não há informações atualizadas sobre a retomada dos trabalhos. O Diário do Nordeste questionou tanto a Semace quanto a própria empresa se há indicativos desta volta, mas nenhum prazo foi estimado por nenhum dos dois. 

O que foi feito após a suspensão?

Com a interrupção da obra, um grupo de trabalho (GT) multidisciplinar e interinstitucional foi criado pelo Governo do Estado no início de outubro com uma previsão de 60 dias para apurar denúncias referentes à irregularidades na construção do empreendimento. 

Além da Semace e da Sema, participam do grupo a Procuradoria-Geral do Estado do Ceará (PGE/CE). Dentre outros registros, o grupo deve elaborar um relatório referente ao trabalho de supressão vegetal realizado pela empresa. Mas, segundo a Semace, esse documento só deverá ser finalizado em novembro.

No âmbito de outras instituições, representantes do Ministério Público do Ceará também realizaram vistoria no local, no final de setembro, e cobraram da empresa a documentação necessária para a supressão da área florestal. Entre os documentos a serem apresentados, diz o MPCE, estão:

  • Licença Ambiental para efetivação da obra; 
  • O Estudo de Viabilidade Ambiental (EVA);
  • O Inventário da Vegetação;
  • O Plano de Afugentamento de Fauna (que define ações para proteção dos animais em áreas de desmatamento).

Nesta semana, o Ministério Público Federal no Ceará informou que também está investigando a prática de possíveis irregularidades e crimes ambientais na obra, e um procedimento administrativo foi instaurado para apurar se a área desmatada está dentro de polígono da Mata Atlântica em Fortaleza, bem como se houve interferências na fauna e flora da região que, segundo o órgão, “conta com riachos, nascentes e olhos d’águas”.

O MPF disse também que “notificou todos os envolvidos nas possíveis irregularidades e requisitou a instauração de inquérito policial pela Polícia Federal para que o caso seja investigado também no âmbito criminal”. 

A Semace foi questionada pelo Diário do Nordeste sobre a disponibilidade de uma série de documentações que no processo deveriam ter sido cobradas da empresa. Vale destacar que três documentos - as licenças de instalação estão disponíveis publicamente no site da Semace. A reportagem indagou a Semace sobre o acesso aos seguintes documentos, mas não obteve retorno:  

  • A licença prévia concedida a Aerotropolis Empreendimentos para construção do empreendimento;
  • O Estudo de Viabilidade Ambiental- EVA;
  • O Plano de Manejo de Fauna;
  • A Autorização para Supressão Vegetal.

Também foi perguntado à pasta como se deu a atuação da Semace nas visitas ao local da obra, que ocorre desde junho, e quantas fiscalizações foram realizadas in loco desde o início da intervenção. Mas, até a publicação desta matéria, esses questionamentos não foram respondidos. Na prática, a expectativa é que após o trabalho dos órgãos fiscalizadores, pontos ainda não esclarecidos sejam minimamente sanados. 

“Licenciamento seguiu rito legal”, segundo a Semace

A Semace segue reiterando que o licenciamento foi emitido em conformidade com a legislação vigente e que a atuação da empresa, no final de setembro, ocorreu por ela não ter seguido o autorizado. 

Sobre um dos pontos debatido de forma mais intensa, que é o fato de ter ou não Mata Atlântica no local desmatado, a Semace informou ao Diário do Nordeste que “a análise considerou imagens de satélite, dados da plataforma SOS Mata Atlântica, vistoria de campo e inventário florestal”. 

Neste trabalho, diz o órgão, “o estudo constatou que a área apresenta vegetação secundária em estágios inicial e médio de regeneração, compatível com parâmetros de vegetação não primária. A vistoria ainda identificou espécies indicadoras de estágio médio de regeneração, confirmando o diagnóstico”. 

Legenda: As obras foram iniciadas em junho de 2025
Foto: Thiago Gadelha

A Semace afirma que a autorização foi concedida conforme a Lei da Mata Atlântica (Lei  11.428/2006), o Decreto Federal 6.660/2008 e a Resolução Conama 025/1994. 

O órgão indica ainda que, segundo o parecer 368/2015 do Ministério do Meio Ambiente, não é necessária a anuência prévia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para suprimir vegetação secundária em estágio médio ou avançado de regeneração, quando a área está em zona urbana ou região metropolitana e o objetivo é loteamento ou construção. O que, segundo o órgão, é o caso da obra em questão. 

A Semace acrescentou que “o levantamento técnico também verificou que a área já possuía histórico de intervenção humana, por se tratar do antigo Aeroclube de Fortaleza, não sendo enquadrada como floresta primária”. 

Além disso, a Semace afirma que “não foram identificadas espécies ameaçadas de extinção na área autorizada e o empreendimento cumpriu todas as exigências das legislações federal, estadual e municipal, além de contar com a anuência do Comando da Aeronáutica e do Município”.

Mas, após a vistoria, um ponto que até então parecia ter sido definido - segundo a empresa e a Semace - agora, segue ainda carente de esclarecimento: a identificação de acúmulo de água na área.

Conforme informado ao Diário do Nordeste, ao constatar essa ocorrência, a Semace “solicitou à empresa Aerotrópolis estudos complementares para identificar se caracteriza ou não de um corpo hídrico”. Caso o terreno tenha um corpo hídrico parte da área é enquadrada como uma APP, e demanda o respeito a uma faixa mínima de proteção, que pode variar, mas é acima de 30 metros. 

Empresa argumenta que atividades foram “devidamente licenciadas”

Em nota, a Aerotrópolis Empreendimentos S.A. reiterou que “todas as atividades do empreendimento foram devidamente licenciadas pela Semace, por meio da Licença de Instalação nº 62/2023, que permanece válida até outubro de 2027”. 

Desde a suspensão da licença, afirma, “a empresa vem atuando de forma colaborativa com o Ministério Público e os órgãos ambientais, apresentando esclarecimentos técnicos e estudos complementares”.

A empresa diz ainda que “seguiu com rigor as orientações de relatórios elaborados entre janeiro e fevereiro de 2025 por equipe de biólogos especializados, para realizar o manejo e afugentamento da fauna no entorno do Aeroporto”. 

Foto: Thiago Gadelha

Aponta que “todas as ações de resgate, monitoramento e reintrodução de espécies foram conduzidas de forma planejada e responsável, com rigor técnico, segurança operacional e total conformidade com a legislação ambiental e com os protocolos de segurança da aviação”. Segundo a empresa, o relatório de pós-afugentamento e manejo de fauna foi elaborado pela consultoria Tatu Ambiental e protocolado no primeiro bimestre de 2025.

No Plano de Manejo disponibilizado pela empresa à imprensa consta que a área afetada tem vegetação em zona urbana e pode abrigar mamíferos, aves e répteis. Pelo plano, o desses animais deveria ser feito em três etapas: resgate, salvamento e afugentamento,  priorizando o afugentamento natural e realizando buscas ativas em diferentes períodos do dia. 

Os animais capturados e saudáveis, diz o documento, deveriam ser soltos em uma área próxima com vegetação semelhante, enquanto os que não sobrevivessem teriam que ser encaminhados ao Museu de História Natural do Ceará.

Na etapa de resgate de fauna do Plano de Manejo Pós-Afugentamento, diz o documento, foram registradas espécies de todos os grupos de vertebrados terrestres: aves, répteis, mamíferos e anfíbios. As aves foram as mais diversas, com 49 espécies, seguidas dos répteis (com 14). Entre os mamíferos, foram registradas 7 espécies, incluindo o cassaco e os anfíbios que contaram com 2 espécies: o sapo-cururu e a rã-pimenta.

Sobre a solicitação da Semace por estudos complementares relativos à presença de um corpo d'água, a Aerotrópolis afirmou em nota que “tanto a Semace, no parecer técnico que fundamentou a Licença de Instalação, quanto a Secretaria de Recursos Hídricos do Estado do Ceará e a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos já concluíram de forma convergente que não existe corpo hídrico natural, nascente ou curso d’água permanente na área licenciada”.

A empresa segue reiterando que o “que se observa no local é apenas acúmulo superficial de águas pluviais, comum em áreas urbanas planas e com histórico de uso aeroportuário e militar”. Portanto, defende a empresa, essas conclusões oficiais apontam que a área não se enquadra como uma APP. 

Outro argumento da empresa é que a região do entorno do Aeroporto "convive há décadas com deficiências estruturais de drenagem urbana que provocam alagamentos recorrentes em períodos de chuva intensa". Segundo a empresa, o novo sistema de macrodrenagem concebido pela Aerotrópolis deve aumentar a capacidade de escoamento das águas e proteger as comunidades próximas da área em questão.

 

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