Ceará tem taxa de internação de jovens por transtornos mentais acima da média nacional

Mais da metade das hospitalizações são por uso de drogas ou transtornos de humor, aponta estudo

Escrito por
Clarice Nascimento clarice.nascimento@svm.com.br
Close-up de mãos de pessoas vestindo camisetas amarelas sentadas ao redor de uma mesa de atividades. Uma mão alcança um lápis de cor em um suporte laranja vibrante, enquanto outras mãos organizam papéis com desenhos para colorir.
Legenda: Para especialistas ouvidos pela reportagem, dados apresentados pelo estudo evidenciam a necessidade do diagnóstico precoce e prevenção dos transtornos mentais.
Foto: Fabiane de Paula.

O Ceará é um dos nove estados com taxa de internação de jovens de 15 a 29 anos por transtornos mentais e comportamentais superior à média nacional. O índice do Estado é de 592,5 para cada 100 mil habitantes, enquanto a taxa do Brasil é de 579,5 por 100 mil/hab. É o que revela um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com base no período de janeiro de 2022 a novembro de 2024.

Conforme a pesquisa, as principais causas de internações em nível nacional são “esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e delirantes” (31,9%); “transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de substância psicoativa” (31%), que inclui dependência de álcool ou cannabis; e “transtornos do humor” (23%), como episódios depressivos, transtorno afetivo bipolar e transtorno depressivo recorrente.

Caso você esteja se sentindo sozinho, triste, angustiado, ansioso ou tendo sinais e sentimentos relacionados a suicídio, procure ajuda especializada em sua cidade. 

É possível encontrar apoio em instituições como o Centro de Valorização da Vida (CVV), os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). O CVV funciona 24 horas pelo telefone 188 e também atende por e-mail e chat (acesse www.cvv.org.br).

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Os números são do 2º Informe Epidemiológico sobre a Situação de Saúde da Juventude Brasileira: Saúde Mental, elaborado pela Agenda Jovem Fiocruz e pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz).

Especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste afirmam que uma das explicações dessa taxa é que o sofrimento dos jovens está chegando aos serviços de saúde de forma mais aguda e tardia, quando a alternativa já é a internação e não só o acompanhamento psicológico.

“A internação existe porque não houve uma assistência prévia ao nível primário”, pondera o médico psiquiatra e professor titular da Universidade Federal do Ceará (UFC), Fábio Gomes de Matos.

É o que reflete também o coordenador da Agenda Jovem Fiocruz, André Sobrinho. Segundo ele, os números evidenciam a possível ausência de escuta qualificada dos relatos dos jovens sobre saúde mental.

“Na medida em que se desqualifica a queixa no ponto de partida, vai existir um número alarmante que vai para a internação. Ou seja, o problema que existia foi dobrado, triplicado”, afirma.

Assim, os dados apresentados pelo estudo devem ser vistos como um sinal de alerta para o incentivo à prevenção e ao diagnóstico precoce dos transtornos mentais e comportamentais.

Hospitalização é sinal de que há falhas

A psicóloga clínica Carolina Ramos afirma que a internação por transtornos mentais não pode ser indicada nos primeiros sinais ou no início da situação-problema. Essa medida só deve ser tomada quando a situação fica mais grave.

“Por exemplo, aquele jovem que não consegue levar da cama, tomar um banho ou até mesmo comer. Se ele apresenta essa incapacidade de autocuidado, precisa sim de uma ajuda maior e a internação cabe”, diz.

O problema é que o sofrimento dos jovens não está sendo tratado precocemente e, por isso, chega aos serviços de saúde de forma mais aguda e tardia, quando a alternativa já é a hospitalização.

Assim, embora necessária em casos de surtos graves, a internação é vista como um sinal de que a rede falhou em chegar antes.

“A saúde mental precisa ser tratada como qualquer outra doença, como o diabete ou a hipertensão, sem estigma”, defende Fábio.

Diante disso, ele ressalta que psiquiatras e psicólogas devem estar na Atenção Primária à Saúde, a porta de entrada principal do Sistema Único de Saúde (SUS), com papel de fazer a prevenção dos casos de transtorno mental, psicoterapias, diagnóstico e tratamento precoce.

“Ter um profissional no posto vizinho é saber que esse problema será tratado no nascedouro e não é preciso ficar esperando a coisa se agravar”, explica.

Fábio também ressalta a importância de ter mais unidades de saúde mental dentro dos hospitais gerais para “evitar a discriminação e estigma com os pacientes”.

Para que isso seja colocado em prática, é necessário o aumento das verbas destinadas à saúde mental. “Sem isso, a situação vai se perpetuar com enorme sofrimento para toda a sociedade”, afirma. 

‘Adolescentes sinalizam através do comportamento’

Adolescente em sessão de terapia
Legenda: Psicoterapia é uma das estratégias mais importantes no contexto da ansiedade infantil
Foto: Shutterstock

O estudo da Fiocruz selecionou a faixa etária de 15 a 29 anos sob a justificativa de que esse subgrupo da sociedade ainda é “pouco compreendido no universo das políticas públicas do Brasil, especialmente no âmbito da saúde”, como explica André.

No entanto, existem vivências e queixas diferentes dentro da juventude. Por exemplo, os adolescentes de 12 a 18 anos passam pela transição da infância para o início da vida adulta, convivendo com dúvidas e sentimentos intensos.

Naturalmente, eles tendem a normalizar o sofrimento nessa época da vida pela dificuldade em nomear essas emoções que estão sentindo e pelo medo de ser julgado. Devido ao senso comum, o jovem é visto como um sujeito que “precisa aguentar” e seus sentimentos são deslegitimados.

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Assim, como explica a psicóloga clínica Carolina Ramos, os adolescentes sinalizam os transtornos mentais por meio do comportamento. “Ele não fala que está depressivo, mas sim reflete isso em comportamentos como automutilação, uso de drogas e explosões emocionais”, afirma.

Acontece também que procuram pouca ajuda preventiva, tratam menos o sofrimento e vão somando tudo. Por isso, “eles acabam entrando no sistema de saúde só mesmo quando o negócio está mais complicado e a internação aparece como a última saída”, diz.

Outro ponto na questão do sofrimento de crianças e adolescentes é que, no caminho até chegar à internação, alguns sinais não são percebidos.

Carolina explica que o que se espera de um adolescente é que tenha um grupo de amigos e uma boa socialização, mesmo que existam jovens mais introspectivos e que devem ser respeitados.

“Agora, se existe um jovem que passa o dia todo dentro de um quarto, trancado, é um sinal muito forte de que algo não está legal. Ele precisa ter o convívio social com outros pares porque é importante para o desenvolvimento”, explica.

Para evitar que o jovem chegue ao ponto da internação, famílias e escolas devem estar atentas a sinais como:

  • Isolamento social prolongado;
  • Agressividade excessiva ou silêncio total;
  • Queda no desempenho escolar e/ou abandono de atividades de lazer.

Jovens adultos e a dependência química

Quando se trata da faixa etária dos 25 a 29 anos, os chamados jovens adultos, o cenário é ainda mais crítico: essa é a maior taxa de internação por transtornos mentais (747,5 por 100 mil) entre todos os subgrupos de jovens. O número também supera o índice nacional dessa faixa que é de 719,7 para cada 100 mil habitantes.

Nesse grupo etário, o elevado índice de hospitalizações no Ceará pode estar relacionado com transtornos como depressão, ansiedade, esquizofrenia e uso de substâncias — similar ao que é visto nacionalmente.

“Há um aumento expressivo nessa população da dependência química. Houve uma certa vulgarização de que as drogas podem ser consumida sem consequências. Só que esse é o problema. A maconha, por exemplo, considerada relativamente tranquila, está associada ao crescimento de casos de esquizofrenia e a altas taxas de suicídio”, explica o psiquiatra.

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Somado a isso, o contexto socioeconômico do Ceará também é um catalisador de crises da saúde mental. A exposição à violência urbana, o domínio de facções e a desigualdade social geram traumas profundos que podem desencadear em transtornos mentais e comportamentais.

“Lidar com a segurança física de viver, poder sair e voltar para casa em paz impacta terrivelmente a saúde mental das pessoas. Hoje as pessoas vivem com medo, apavoradas, e isso aumenta transtornos de ansiedade, pânico e estresse pós-traumático”, afirma.

Solicite ajuda

No Ceará, os Centros de Atenção Psicossocial oferecem ajuda profissional às pessoas em intenso sofrimento psíquico, inclusive aquelas que enfrentam situações relacionadas ao uso prejudicial de álcool e outras drogas. Além disso, o Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto é referência em tratamento psiquiátrico. 

Na lista abaixo, você pode encontrar uma unidade próxima em Fortaleza, conforme o perfil de atendimento que você precisa:

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