‘O que me dói é minha gata que morreu’, diz Chico Alves sobre incêndio em sucata
Dono do estabelecimento consumido pelas chamas falou pela primeira vez sobre perdas.
Da cadeira de plástico na calçada, com boné na cabeça, bermuda jeans e camisa de botão aberta, Chico Alves, 85, observa escombros. É a rotina de toda manhã desde que a sucata que leva o nome dele há 55 anos incendiou, fazendo a fumaça invadir as ceias de Natal no bairro Jacarecanga, em Fortaleza, na noite do dia 24.
Nessa segunda-feira (29), cinco dias depois, mesmo com o fogo debelado, bombeiros ainda atuavam para esfriar o bafo quente que o terreno insiste em soprar nas casas vizinhas, enquanto funcionários de “seu Chico” removiam sacos de entulho do local.
Em meio a esse vai-e-vem, o empresário, que estava hospitalizado quando tudo aconteceu, parece esperar sentado a ficha cair. Na chegada da reportagem, Chico resistiu a falar – mas logo a voz embargada saiu como algo que desentala:
“Eu tinha uma gatinha que valia mais do que essa sucata todinha pra mim. Essa sucata não representa nada.”
Entre todos os carros, peças, móveis, cofres e incontáveis objetos que integravam o patrimônio do paraibano, é de Nina a saudade irreversível que fica. É para encontrar o corpo dela que Chico aguarda a liberação de entrada no prédio, interditado por riscos estruturais.
“De tudo, o que me dói e corta o coração é a gata. Era Nina... É Nina. Ela dormia na rede mais eu. Esses troços e bagaços não valem nada pra mim. Mas minha gata e meus três cachorros eu queria muito bem. Nasceram aqui e viveram aqui”, emociona-se.
Os animais viviam na casa do empresário, dentro do terreno do ferro-velho. Além deles quatro, que ainda não foram encontrados, animais da vizinhança também ficaram feridos pelas chamas, segundo relatos ouvidos pelo Diário do Nordeste no local.
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Fotos, carros e camisas
Junto com os pets, outras “coisas de muito valor” do paraibano foram destruídas no incêndio. “Tinha os retratos da minha mulher. Faz 31 anos que ela faleceu. Quando conheci, ela tinha 8 anos, e eu tinha 10. Minha mulher era bacana...”, diz Chico, seguido de um silêncio de cortar o ar.
Mais de 200 camisas “do tempo da mulher”, que o viúvo guardava sem usar, também viraram cinzas. Chico conta ainda que a esposa tinha três carros: um Del Rey dos anos 1990, um Versailles e uma F-1000, que “ela comprou uns 20 dias antes de morrer”.
Do trio, resta um: a sucata do Versailles segue estacionada em frente ao ferro-velho, congelada no tempo e longe das chamas que consumiram os demais.
Chico estima que havia cerca de 100 carros na sucata, entre eles alguns veículos novos, recém-comprados por ele. “Mas de valor mesmo só tinha minha gata e meus três cachorros”, retoma, sempre que a conversa dá brecha.
“Não posso fechar”
O incêndio deste mês foi o terceiro da história da sucata, “mas o maior”, como garante Alves. “Num teve nenhum que queimasse nem 10% do que queimou agora”, observa o empresário.
“Teve um que foi até grande, queimou 35 carros e muita mercadoria. Mas agora destruiu muito. Não entendo isso não”, desabafa.
Segundo Chico, “o sistema hidráulico dos bombeiros estava todo funcionando, mas não ligou nenhum”. “Foi um foguinho pequeno que começou lá na cabeça, mas foi numa velocidade tão grande que não dava tempo (conter)”, relata.
Diante disso, e apesar de “ter muita gente pra trabalhar em construção”, Chico Alves, dono e nome da sucata icônica da Avenida Sargento Hermínio, só tem uma garantia quando o assunto é o destino do ferro-velho: “eu não posso fechar”.