Entre as propostas em debate na revisão do Plano Diretor de Fortaleza - lei municipal que orienta o desenvolvimento urbano e deve ser atualizada a cada dez anos - uma delas impacta diretamente uma das áreas simbólicas e tradicionais da cidade: a Praia de Iracema. No bairro que combina construções históricas e edificações recentes, e é conhecido por sua identidade cultural e boêmia, a Prefeitura propõe ampliar o limite de altura dos prédios de 48 para 72 metros em determinadas zonas, incluindo parte da orla.

A proposta estruturada pela Prefeitura em um documento que é a minuta do novo Plano Diretor será discutida neste fim de semana com a população durante a Conferência da Cidade. No evento a sociedade civil participa (via delegados eleitos) e irá apreciar o texto que, posteriormente, será enviado à Câmara Municipal para ser votado e virar lei. A projeção é que esse trâmite no legislativo municipal ocorra ainda este ano. 

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Legenda: Em parte da Praia de Iracema o limite de altura dos prédios atualmente é de 48 metros
Foto: Ismael Soares

Dentre as mudanças trazidas na atualização do Plano Diretor há alteração no zoneamento de determinados territórios da cidade. Essa divisão por zonas enquadra bairros inteiros ou porções deles, conforme as características que os mesmos possuem. No zoneamento, é considerado, por exemplo, se determinado território é mais residencial ou comercial, se está na orla, se tem edificações históricas, se é uma área verde ou se possui mais ou menos infraestrutura. 

No caso do bairro Praia de Iracema, cujos limites oficiais, conforme a Prefeitura de Fortaleza, são a própria orla e as vias João Cordeiro, Monsenhor Tabosa, Rua Almirante Jaceguai e Avenida Almirante Tamandaré, a proposição é de alterações no zoneamento e também nos parâmetros construtivos, como a altura máxima dos prédios e o índice de aproveitamento dos terrenos. 

O Diário do Nordeste publica neste mês uma série de reportagens especiais sobre a proposta do Plano Diretor de Fortaleza, que deve ser votada na Câmara Municipal até o fim de 2025. A ideia do conteúdo é discutir parte das propostas, destacando os impactos relacionados ao crescimento urbano da Capital para os diferentes setores da Cidade.

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O que pode mudar na Praia de Iracema?

Na prática, a diferença é que no atual Plano Diretor (que está em vigor desde 2009 e deveria ter sido atualizado em 2019), a Praia de Iracema estava enquadrada como Zona da Orla - trecho III, e tinha 3 subzonas. Dessas, em duas o limite de altura dos prédios podia chegar a 48 metros. Na outra, que era a mais restrita, esse teto deveria ser de até 10,5 metros. 

Já na nova proposta, o bairro será “cortado” por quatro zonas. Na mais restrita o limite de altura é de prédios de até 9 metros. Na mais permissiva, esse teto pode chegar a 72 metros. 

Na atual legislação, a área com mais restrições para construções altas na Praia de Iracema é aquela situada na orla cujos limites são a Rua dos Cariris, a Avenida Almirante Barroso e a Rua dos Ararius, no quadrilátero onde estão prédios como o Estoril, o Centro Cultural Belchior, o Bar do Mincharia, pousadas, dentre outros empreendimentos. 

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Nas demais áreas do bairro, como parte do Poço da Draga, e no perímetro que envolve o antigo Edifício São Pedro até a Rua João Cordeiro, é possível construir edificações cujo limite de altura é de 48 metros.

Se a nova proposição for aprovada, áreas da orla da Praia de Iracema que estão “coladas” a do Meireles, como as proximidades do Aterrinho, do Espigão da João Cordeiro e do monumento da caixa d’água dos Peixinhos, por exemplo, poderão ter prédios mais altos que os limites atuais, aumentando para 72 metros. 

Nessa área, esse limite de 72 metros de altura para as edificações, acompanha exatamente o teto proposto pela Prefeitura para a parte da orla de Fortaleza por onde passa a Av. Beira-Mar, incluindo, portanto, a área pertencente ao Meireles indo até o Iate Clube. Essa altura é o máximo proposto para a orla como um todo tendo em vista que nas demais áreas, como a Praia do Futuro, Praia da Leste, Barra do Ceará, dentre outros, têm limites de altura sempre menores que 72 metros. 

Outra área onde esse limite também poderá aumentar é no entorno do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, em áreas que ainda concentram uma série de galpões e  empreendimentos. 

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Legenda: O limite de 72m de altura para os prédios acompanha o teto proposto pela Prefe
Foto: Ismael Soares

Mas, o teto das edificações pode aumentar nessa área da Beira-Mar caso os construtores utilizem o mecanismo da Outorga Onerosa - instrumento no qual eles podem pagar à Prefeitura para poderem aumentar legalmente a altura dos prédios.  Em Fortaleza, na atual legislação, o limite máximo de altura dos prédios é de 95 metros em áreas da Aldeota, Varjota e Centro. No novo plano, esse limite permanece 95 metros Aldeota. 

O aumento do limite na Praia de Iracema, explica o presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento de Fortaleza (Ipplan), Artur Bruno, ocorre porque parte do bairro é enquadrada como uma Zona de Centralidade da Orla e outra como Zona de Intensificação do Ambiente Construído. Em ambos os zoneamento, embora existam distinções, aponta Artur Bruno, há, em algum grau estímulo ao adensamento, já que o território é dotado de infraestrutura. 

"Onde tem infraestrutura, nós deixamos o poder construtivo muito alto. A gente quer concentrar mais a população onde tem mais emprego, infraestrutura”, reforça.

Além disso, ele aponta que na área onde houve o aumento do gabarito dos prédios há uma percepção de que “não havia prédios históricos” e completa: “Naquela área do antigo São Pedro, na área seguinte, onde tem umas lanchonetes, nós avaliamos tudo. Tentamos ter muito equilíbrio, sermos muito razoáveis nesse zoneamento". 

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Proteção de área histórica e cultural 

Na proposta do novo Plano a Praia de Iracema também terá uma zoneamento relacionado à proteção de bens históricos e culturais, com a criação das Zonas de Preservação do Patrimônio Cultural (ZPC). Na prática, enquanto uma área do bairro poderá ter prédios até 72 metros de altura, outra deverá ser protegida, tendo uma gradação dos níveis de restrição de prédios altos. 

A ideia é que o novo plano tenha ZPC em áreas de oito bairros distintos de Fortaleza. Essa demarcação deverá ser feita em alguns territórios que abrigam bens, sejam eles tombados ou inventariados, que tenham valor histórico, social e cultural para a memória da cidade e que, por isso, precisam ser preservados. 

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Legenda: Um pequeno trecho da Praia de Iracema deve ser enquadrado como Zonas de Preservação do Patrimônio
Foto: Ismael Soares

No caso da Praia de Iracema, a proteção inclui todos os imóveis situados na Rua dos Tabajaras e os bens como pousadas, hotéis e demais estabelecimentos localizados entre a Av. Almirante Barroso e a Rua dos Tabajaras. 

Na ZPC da Praia de Iracema, os imóveis localizados na área de preservação integral, o limite de altura é até 9 metros; na de preservação parcial será de até 12 metros e na de integração patrimonial o máximo é de 15 metros de altura.

Na gestão anterior, do ex-prefeito José Sarto, conforme já publicado pelo Diário do Nordeste, a proposta de ZPC na Praia de Iracema alcançava também o terreno antes ocupado pelo Edifício São Pedro. No avançar da produção da proposta do Plano, a ZPC foi reduzida e essa área foi enquadrada junto às demais onde haverá o aumento do limite. 

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Avaliação sobre as possíveis mudanças

Em relação ao limite de altura de 72 metros em áreas da orla de Fortaleza, o diretor do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Ceará (Sinduscon Ceará), José Carlos Gama, aponta que esse teto "está dentro daquilo que o setor da construção já discutia e demandava".

Isso porque, defende, "precisamos entender que,  no caso de Fortaleza, a nossa ventilação, predominantemente, ela é leste e sudeste. Então, ela vem da Praia do Futuro. Então a elevação de prédios na nossa área litorânea, ali no Meireles, na área do Iate, nenhum prejuízo traz para a ventilação da cidade". 

Ao Diário do Nordeste ele também destacou a possibilidade de uso da Outorga Onerosa para aumento dessa altura e afirmou que a referência que a limita deve ser o cone aéreo, "que é a altura da edificação que não traz nenhum prejuízo para o nosso aeroporto, tendo em vista que o aeroporto é numa região ainda central da cidade". 

Sobre a proposta de ZPC, José Carlos Gama afirmou que o Sinduscon considera o estabelecimento do zoneamento “positivo”, já que “não existe futuro de uma cidade e nem presente, se a gente não olhar para o passado”. Ele também ressaltou que as oito ZPC que estão previstas no novo plano e serão votadas na Conferência da Cidade já “estão perfeitamente definidas”.

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Legenda: O aumento ocorre porque parte do bairro é enquadrada como uma Zona de Centralidade da Orla
Foto: Ismael Soares

O pesquisador no Laboratório de Estudos da Habitação da UFC (Lehab-UFC) e professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unichristus, Marcelo Capasso, aponta que o zoneamento delimitado para a Praia de Iracema no plano de 2009 tinha como referência legislações anteriores, como o Plano Diretor de 1995, que "seguiam o mesmo caminho" e foram fruto de "luta dos moradores da região para que a Praia de Iracema não fosse afetada pela verticalização e se mantivesse como um bairro de características tradicionais e históricas em Fortaleza".

Ele também destaca que com a Outorga Onerosa isso começou a ser modificado já que a construção de superprédio permite o aumento de altura. A mudança, avalia Marcelo, "não tem uma justificativa". Os planos anteriores que mantinham os gabaritos  mais baixos buscavam, aponta ele, conservar a paisagem. 

"Quando você permite aumentar esses prédios, você vai atrair o mercado e dinamicidade de mercado cujo interesse é realmente verticalizar e vai haver uma grande transformação, chegando com prédios grande e altos inclusive nas proximidades do Dragão do Mar".  
Marcelo Capasso
Pesquisador no Laboratório de Estudos da Habitação da UFC

Marcelo explica que a alteração traz uma maior permissividade para a verticalização em áreas que não tem ainda essa características e ainda tem "a ambiência relativamente protegida".

O arquiteto também destaca que o estabelecimento de zonas de patrimônio já são demarcadas em diversas outras cidades brasileiras, por serem "uma forma de, dentro do planejamento urbano, conduzir a proteção paisagística porque a paisagem é a categoria espacial que realmente interessa na proteção dos edifícios, na proteção da ambiência. Para que a gente não tenha edifícios agredindo essa ambiência e modificando a forma como nós percebemos essa paisagem". 

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