2 últimas casas da orla do Aterrinho da Praia de Iracema são vendidas; uma dará lugar a superprédio
As casas usadas, de fato, como residência no trecho do Aterrinho foram adquiridas por construtoras. No terreno de uma delas será erguido um prédio de 157 metros de altura.
Quantas casas ainda existem na Av. Beira-Mar de Fortaleza? Esse tipo de edificação, há tempos, é estrutura escassa na via cartão-postal que corta três bairros e abriga de pequenos a superprédios. No trecho do Mucuripe, já não há indícios de exemplares dessa categoria. Na via no Meireles, só uma casa é identificada, no número 976. Na Praia de Iracema, há seis amostras. Destas, apenas uma, no número 812, não virou empreendimento comercial. Portanto, de casas efetivamente usadas como residência, restaram duas na avenida. Mas, ambas foram vendidas e uma delas dará lugar a um superprédio.
As casas em questão, na Av. Beira Mar, ficam na orla do Aterrinho. No trecho conhecido e tratado pela população como Praia de Iracema, mas que formalmente as divisões administrativas indicam que, separadas por 180 metros de distância, elas estão em bairros diferentes.
Pela divisão formal, a que está no número 976 da Avenida Beira-Mar é um imóvel do Meireles, enquanto a de número 812 está efetivamente na Praia de Iracema. Hoje, ambas não abrigam residentes. Negociadas e vazias, aguardam o futuro, e, conforme os compradores, darão lugar a grandes empreendimentos. Um deles já definido. Outro em planejamento ainda.
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Ambas têm branco e azul na fachada, mas traços arquitetônicos distintos. O que as conecta é a partilha da característica de serem exemplares restantes na via de vista privilegiada e verem, nos últimos 2 anos, partir de cada habitação os móveis e moradores remanescentes.
Superprédio será erguido em área de casa antiga
A casa de número 976, entre um restaurante e o hotel desativado (Brisa da Praia Hotel), tem muro baixo, portão pequeno de madeira e dois pavimentos. O de cima, conta com varanda com quatro janelas. No de baixo, plantas sem irrigação sinalizam que foram deixadas para trás. Entre a porta de entrada e a janela gradeada no andar de baixo, uma figura do santo católico, São Pedro, segue grudada na parede.
Fechado, o imóvel está vazio, informou ao Diário do Nordeste, um “vigia” da antiga residência quando a equipe procurava entrevistar os moradores das casas remanescentes na semana passada. O homem narra que é responsável por “guardar” tanto a casa, como o hotel desativado, localizado no lado direito da residência.
Os imóveis vigiados por ele foram comprados pela mesma empresa: a Xampoo Construções LTDA, que tem um projeto de construção de um residencial de luxo de 157,32 metros de altura no terreno que abriga o hotel e a casa.
Em setembro de 2022, na 143ª reunião da Comissão Permanente de Avaliação do Plano Diretor (CPPD) - colegiado ligado à Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) que analisa e aprova os projetos especiais na cidade, incluindo, por exemplo, avaliar os pedidos de Outorga Onerosa e, consequentemente, deliberar sobre as demandas que envolvem o aumento da altura das edificações - aprovou a flexibilização de padrões urbanístico para a construção do novo prédio no local.
Conforme registrado na ata da reunião do dia 6 de setembro de 2022, a construtora solicitou à Prefeitura o uso da Outorga Onerosa de Alteração de Uso (OOAU) - mecanismo previsto legalmente que pode ser acionado quando o construtor requer o direito de flexibilizar alguns parâmetros como a altura, o índice de aproveitamento do terreno ou os recuos.
A outorga foi concedida e além de outros índices, a construtora recebeu o direito de construir o prédio de 157,32 metros de altura no terreno que abriga as edificações mencionadas.
Foram outorgados 5 parâmetros urbanísticos, são eles:
- Altura da edificação: alterada de 48,00m (pois na zona de Orla trecho III a altura limite é de 48m) para 157,32m. Uma outorga de 109,32m que ultrapassa a altura máxima;
- Índice de aproveitamento (quantas vezes é possível construir - em m² - acima de um terreno.): passando do máximo de 2,0 para 10,41, proposto pela construtora. Uma outorga de 8,41;
- Taxa de ocupação do solo: que deve ser menor ou igual a 60%, mas ficou em 66,12%, com 6,12% ultrapassando a taxa máxima;
- Taxa de ocupação do subsolo: que deve ser menor ou igual a 60%, mas ficou em 71,80%, com 11,80% ultrapassando a taxa máxima;
- Alteração dos recuos
Pela flexibilização desses parâmetros, a Prefeitura, através da Secretaria de Infraestrutura (Seinf), definiu que o valor a ser pago pela construtora é de R$ 16.996.951,11. O termo de compromisso foi assinado pela construtora com a gestão municipal e publicado no Diário Oficial do Município no dia 16 de janeiro de 2023.
Na ata da reunião consta que é um terreno no quadrilátero formado pelas Av. Beira Mar ao norte, Rua Ildefonso Albano ao leste, Av. Historiador Raimundo Girão ao sul e Rua João Cordeiro a oeste. O documento indica que será construído um prédio que possui 40 pavimentos de apartamentos residenciais, com dois apartamentos por andar de distintos tamanhos.
A torre tem ainda três subsolos, um pavimento térreo, quatro sobressolo, três pavimentos de lazer, com área construída total de 32.895,10m², conforme projeto arquitetônico.
O diretor comercial da Xampoo Construções LTDA, Marcos Thiers, disse ao Diário do Nordeste que após a aprovação da Outorga, agora, a empresa está “tratando da documentação para que seja juridicamente perfeito" e acrescenta “serão 80 apartamentos, 40 de 280 metros e 40 de 230 metros. Com quatro vagas de garagem para cada apartamento”.
Ele confirma que os imóveis comprados (hotel e a casa) estão desocupados. “Já tomamos posse do imóvel e hoje não funciona mais o hotel e a casa. Nós temos uma pessoa nossa morando dentro. Fechamos o negócio em janeiro do ano passado, com dois proprietários diferentes”.
Marcos indica que apesar do processo estar caminhando, não há previsão específica de quando as obras vão começar. Por ser um condomínio “porta fechada” - no qual o empreendimento de alto padrão é oferecido a um grupo seleto de possíveis compradores - o diretor ressalta que será necessário primeiro “formar o grupo que vai bancar a obra”.
“É uma coisa mais intimista. A gente não utiliza financiamento bancário. São convites. A gente vai convidando as pessoas (a comprarem as unidades). É uma formação de grupo bem dirigida. Não existe a palavra venda, ou seja, o condomínio é a preço de custo e saí aproximadamente 30% abaixo do mercado. É muito bom para todo mundo”.
Questionado se há um motivo específico para escolha da localização do empreendimento, na Praia de Iracema/Meireles, e se foi algo extremamente atrelado à disponibilidade de terreno, Marcos reforça que “terreno na Beira-Mar praticamente não existe mais. Lá é um terreno que nos foi oferecido. Nós estudamos, fizemos uma pesquisa, nem sabíamos ainda sobre a revitalização (da Praia da Iracema)”.
Ele acrescentou que “dizer que estávamos buscando algo na Praia de Iracema, não. Não existia essa previsão, esse foco. São terrenos que chegam para as construtoras e a gente analisa a vocação do terreno, o poder de venda, o poder de aglutinação e faz uma conta se o negócio fecha e se a conta fecha”.
Na avaliação de Marcos, a “Praia de Iracema só tem a ganhar com essas construções de 50 pavimentos. Não somente a Praia de Iracema, mas a cidade só tem a ganhar haja vista o que está acontecendo em Balneário Camboriú”. Para ele, Fortaleza começa a entrar em um novo ciclo da construção civil com esses edifícios mais altos. “Todo mundo ganha. A cidade ganha, o cidadão comum ganha, e a Prefeitura ganha porque ela arrecada um valor considerável de Outorga para fazer ações sociais”, conclui.
Outra casa aguarda definição
Já a outra casa, localizada na altura do número 812 da Av. Beira Mar, na Praia de Iracema, fica entre um estacionamento ao lado do Edíficio São Pedro e uma pousada. Esse imóvel está situado próximo a um conjunto de outras casas, mas que, apesar do formato arquitetônico, foram adaptadas, e há alguns anos, funcionam como comércio e restaurantes.
A casa da Praia de Iracema também tem dois pavimentos, com duas janelas na parte superior e uma na parte inferior, muro baixo e entradas gradeadas. Desocupado, o imóvel também conta com serviço de vigilância.
Na busca por moradores da antiga residência foi informado ao Diário do Nordeste no local que o imóvel está vazio e foi vendido há poucos anos. Nos últimos meses, móveis foram retirados. Informações repassadas por distintas pessoas na área dão conta que a casa foi comprada por um empresário ligado à família Etevaldo Nogueira.
Em entrevista ao Diário do Nordeste, o empresário Etevaldo Nogueira Filho, proprietário da Construtora Marte LTDA confirmou que a casa, de fato, pertence à empresa, bem como o estacionamento situado à esquerda do imóvel e uma pousada à direita. Embora exista planos de construção de uma edificação - a ser definida sobre qual o uso na área que a casa ocupa - ele diz que, por enquanto, a residência não será demolida.
“O terreno era pequeno e nós adquirimos as casas vizinhas. As duas casas vizinhas do estacionamento. Mas nossa ideia é num futuro tentar englobar o hotel (São Pedro). Mas o hotel foi desapropriado pelo Governo. A nossa ideia é tentar negociar alguma coisa”, relata Etevaldo Nogueira Filho.
De acordo com ele, a casa e a pousada foram compradas há pouco mais de 2 anos. “A ideia passada era fazer um hotel (na área dos quatro imóveis). Recuperar e fazer um hotel. Mas é inviável recuperar aquela estrutura (do São Pedro). A ideia lá atrás. Hoje não. A gente tem que pensar melhor porque depende muito do que vai ser feito do hotel vizinho. Por que fazer um empreendimento vizinho aquele hotel? Hoje não tem nada pensado não”, diz Etevaldo.